quarta-feira, 28 de julho de 2021

Lutero, a Metafísica e a Justificação

    A rejeição de Aristóteles por parte de Lutero, além de se relacionar com a rejeição da ética aristotélica, também em partes estava na rejeição parcial da confusão entre os domínios da metafísica e da religião feita pelos teólogos. Lutero rejeita a ética aristotélica - ao menos certas premissas fundamentais - pois rejeitava a intromissão das obras na questão da justificação, como na ideia da concretização da justificação considerada a partir da categoria do hábito, já que para Aristóteles é o hábito que faz o justo (muito embora Aristóteles reconheça certo paradoxo nesse campo, pois se o justo se faz pelo hábito, só o justo pratica atos justos).

    Lutero assim negou também a ideia corrente na época de que o homem era preparado naturalmente para a amizade e para o amor a Deus, coisa que era justificada por causa também de uma recorrência à ética aristotélica. Por mais que seja chocante, é por isso que Lutero afirmou que Aristóteles era o maior inimigo da fé cristã. Assim também ele rejeitou a análise do pecado e da justificação pela relação entre a substância e a qualidade. Lutero repudiou que a metafísica entrasse nesse sentido no domínio da religião; ele fez assim porque a explicação corrente era de que o pecado está no sujeito tal como a qualidade na substância, algo que é correto pelo ângulo da natureza.

    Apresentada a questão por esse enfoque é possível que Lutero entendia que pelo ângulo da metafísica era impossível conceber a Justificação Cristã, já que após a regeneração os resquícios do pecado permanecem no indivíduo. Assim Lutero opôs Aristóteles e Agostinho, pois Agostinho entendia que após a regeneração o pecado permanece, muito embora seja retirada a culpa - o que abriu terreno para a ideia da não culpabilidade dos pecados veniais nos cristãos regenerados. Em termos gerais Lutero entendia que pelo ângulo da obra de Aristóteles, muito embora ela possa dar uma noção correta de natureza, é impossível você ter uma correta noção de religião, pois a justificação na Escritura não fornece à experiência o que se poderia entender por um justo por natureza, ou seja: no justificado, tal como a qualidade se encontra na substância, o pecado ainda se encontra no sujeito, muito embora a culpa devido a essa defecção não seja imputada por causa da justificação.

    E era por um demasiado apego a Aristóteles que Lutero acusou os nominalistas e os metafísicos em geral de terem corrompido a religião. Quanto à influência platônica em Lutero, pode-se dizer que Lutero tinha uma noção realista de Igreja e não nominalista - pois os dons divinos são dados à Igreja e não ao indivíduo em específico, e daí a sua rejeição de que a Igreja era um composto de átomos individuais ao invés de um corpo unido por uma natureza universal - o que, diga-se de passagem, é um entendimento que está longe do evangelicalismo ensandecido do Brasil.

Nenhum comentário:

Postar um comentário