quarta-feira, 15 de abril de 2015

Violência Contra o Nada: Uma Lembrança do Holocausto


   Demorei anos para associar a falta de conhecimento com violência. Geralmente estas palavras são expressas com uma apenas: ignorância. Sendo assim, vemos o quão significativo é, para o esclarecimento desta afirmação, o evento da crucificação, onde, do alto do madeiro, Jesus clama: Pai perdoe-os porque não sabem o que fazem.  

   O genocídio nazista empreendido contra os judeus não deixou de ser algo forjado na esteira de uma fabulosa ignorância, que não sendo dolosa para a imensa maioria dos alemães, os levou a contribuir mesmo assim para a criação de um ambiente onde a hostilização aos judeus foi encarada como algo do dia-a-dia, ou como algo necessário para o “salto” rumo à concretização da supremacia alemã sobre o mundo.

   No entanto, como esquecer Goebbels, o ministro de propaganda do nazismo, que frente à contraposição da imprensa judaica da Alemanha que alertavam para o sério perigo que gravitava em torno da política racista (e incluo aqui na palavra racismo a ideia de “raça superior”, também) e antissemita de Hitler, dizia coisas como estas: “os judeus mentirosos”, e: “eles não sabem do que somos capazes"? Tudo encarado com a complacência internacional, assim como com naturalidade por aqueles que não possuíam instrumentos e cultura o suficiente para compreender o desdobramento das coisas, que avançavam com aquele perigo anunciado pela imprensa judaica.

   Governos totalitários sempre ganham um poder gigantesco com base no discurso acerca de um inimigo a se destruído, sendo que tal inimigo, invariavelmente, trata-se de um ente imaginário, um constructo mental, algo no qual se concentra todas as razões das mazelas sofridas por aqueles sobre os quais os ditadores dominam. George Orwell em sua ficção "1984" chega a falar dos “Dois Minutos de Ódio”, que era um programa que todos os habitantes da Oceânia deveriam assistir, sendo neste programa apresentado Goldenstein, inimigo terrível do povo, aquele a quem o “Grande Irmão” – o ditador da ficção – resistia e lutava em nome do povo e para o bem deste. Tudo engano.  

   Orwell foi um jornalista e romancista contemporâneo da Segunda Guerra e do “horror de Stalin”, tendo o seu romance um pé fincado na experiência geral dos seus contemporâneos. Não é a toa que o seu livro "1984" teve uma forte ressonância quando lançado, sendo considerado um grande sucesso, assim como um das maiores ficções do século XX, se não a maior. Por isso a importância de lê-lo.

   Bem, mas o que me interessa é basicamente refletir sobre a construção de narrativas que governos totalitários utilizam para unificar pessoas contra um perigo comum, assim como para se apresentarem como a âncora de salvação do mesmo povo "ameaçado". Mas não é só isso, pois a ideia de “virtude”, “pureza” e “impecabilidade” é algo constitutivo da ideologia de tais governos e seus ditadores, dispensando a ideia de que qualquer mal possa vir deles, sempre vindo de um outro - o inimigo. Tais ditadores são incapazes de fazer um mea culpa, já que a fonte de todo um mal é um "outro", um ente essencialmente mau – quase sempre uma generalização abstrata, inexistente no mundo concreto e com super poderes, mas que ainda que se trate de um construto, acabava, por uma obra maquiavélica, por ser identificado nos inimigos históricos a serem destruídos, plasmando de maneira hedionda um idealismo numa realidade concreta.    

   Tais eram nos discursos nazistas os judeus, aos quais Hitler acusava de arquitetarem uma grande conspiração capitalista internacional – já que para Hitler os Judeus eram os grandes dominadores do mundo –, que visava destruir a Alemanha, ameaçando também o mundo (argumento esposado por muitos grupos terroristas muçulmanos). A última carta de Hitler – escrita um pouco antes do fim da Segunda Guerra –, está recheada destes construtos delirantes, assim como de auto-glorificações daquele que se considerava o guia da Alemanha rumo à eterna glória. Loucuras.

   Hoje em dia em nossas terras tupiniquins, parece que ouço um eco destes delírios quando me deparo com discursos sobre uma suposta conspiração de um certo “PIG” (o “Partido da Imprensa Golpista”, que seria chefiada pela Globo, ignorando o fato óbvio de que Globo foi uma das maiores disseminadoras de ideias de esquerda – olhem o conteúdo das novelas –, sem a qual o “partido” não teria conquistado os corações e mentes), das ameaças do “Grande Capital”, assim como de ameaças da CIA, dos EUA e do “capitalismo” contra o “único governo popular do Brasil que pela primeira vez em 500 anos cuidou de verdade do povo”, ou contra a autonomia da América Latina - como afirma, hoje, Maduro. Tal ideia ganhou força e lançou raízes em faculdades de ciências humanas, assim como levou à radicalização alguns movimentos sociais que, não tendo noção de conjunto, assim como ignorando de maneira profunda a história do Ocidente nos últimos 300 anos, se põe a repetir chavões utilizados há uns 150 anos e que, quando foram postos em prática, causaram só miséria e sofrimento.

   Hoje, lembrando o grande desastre que narrativas fundadas em construtos generalistas, como no caso do Holocausto (fundado na ideia de que a raça judaica era essencialmente má), deveríamos nos voltar para dentro de nós mesmos, realizando uma reflexão profunda sobre a viabilidade das idéias que professamos, num esforço sincero para que possamos construir o nosso conhecimento e a nossa visão de mundo em dados concretos ou em opiniões possíveis que sofreram o teste do tempo, afim de não sermos cúmplices de radicalismos e não cedermos o tempo de nossa vida contribuindo com idealismo que, quando transformados em história, causam imenso sofrimento com base em um ódio violento a uma ideia de mundo, um nada, mas que no mundo concreto acaba sempre por ser direcionado contra inocentes de carne e sangue.

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