terça-feira, 14 de abril de 2015

Visitações Compungidas da Natureza: Cobiça, Poder e Destruição

   


   Macabeth é uma peça trágica de Willian Shakespeare, e que é, também, uma profunda reflexão ética que envolve temas como: a corrupção da virtude, traição, poder, remorso e a destruição à que a cobiça pode levar aqueles que a ela se entregam.

   A fim de refletirmos com mais propriedade sobre o conteúdo riquíssimo desta obra clássica, vai aí uma citação, como segue:  

   "Está rouco o corvo que grasna a entrada fatal de Duncan em minhas muralhas. - Vinde vós, espíritos que sabem escutar os pensamentos mortais, liberai-me aqui de meu sexo e preenchei-me, da cabeça aos pés, com a mais medonha crueldade, até haver ela de mim tomado conta. Que o meu sangue fique mais grosso, que se obstrua o acesso, a passagem, para o remorso, que nenhuma visitação compungida da Natureza venha perturbar meu fero objetivo ou estabelecer a mediação entre este meu objetivo e o seu efeito. Vinde vós aos meus seios de mulher e sugai meu leite, que agora é fel, vós, espíritos servis e assassinos, seja onde for que, em vossa invisível matéria, atendeis às vis turbulências da Natureza. Vem, Noite espessa, e veste a mortalha dos mais pardacentos vapores do inferno, que é para minha fina afiada faca não ver a ferida que faz, que é para o Céu não poder espiar através da coberta de escuridão a tempo de gritar 'Pare, para'!" (SHAKESPEARE, Willian. Macbeth; ed. L&PM Pocket. p. 29)

   A fala a cima é de Lady Macbeth, esposa do virtuoso cavaleiro real Macbeth, que por seu heroísmo era admirado pelo rei Duncan, aquele a quem Lady Macberth faz menção no início de sua fala macabra na citação. 

   Logo no início do livro são apresentadas três bruxas, que à semelhança das Moiras da Mitologia Grega - aquelas três deusas cegas que mantém a vida dos homens em rolos de fios que podem ser cortados a qualquer momento - traça o destino do valoroso Macbeth, vaticinando que este virá a ser rei no lugar de Sua Majestade Duncan. 

   Ao ouvir o vaticínio das bruxas Macbeth passa a ser assaltado pelos mais diversos pensamentos frente aos quais ele se espanta. Tais pensamentos são tidos como "Vilanias da Natureza" e contradições com relação ao posicionamento altamente virtuoso que ele vinha mostrando no início da peça. O desejo pelo trono é algo que o consome, que o atormenta, e que se mostra contrário aos seus princípios, desembocando em uma tensão profunda à qual ele acaba sucumbindo. 

   No entanto, o fator que o faz ceder de maneira decisiva é a brutal cobiça de Lady Macbeth - ilustrada na citação a cima -, que decide apressar a subida de seu esposo ao trono, incitando-o de maneira persistente a levar a cabo uma emboscada contra o rei Duncan, o qual, em meio às tensões que estraçalhavam a consciência e coração de Macbeth, desejando mostrar a sua grande gratidão aos préstimos daquele que era reputado pelo rei como herói, resolve fazer uma visita à fortaleza onde aquele residia, onde, para proveito de sua desgraça, acaba por passar a noite e dormir um sono do qual nunca mais tornaria a acordar. 

   Quem leu a peça sabe que o que torna a trama de Shakespeare grande é o enredo da ação destrutiva que a cobiça traz tanto sobre Macbeth, como sobre a sua esposa, sendo esta ação a escalada da loucura que vai dominando ambos de maneira irreversível por meio das "visitações compungidas da Natureza" - o que é, ao meu ver, o dorso da obra. 

   Este conceito de Natureza em Macbeth é interessante porque ambivalente, contraditório, contendo tanto atributos perversos assim como virtuosos, sem uma divisa clara que nos desenhe uma fronteira qualitativa entre os atributos da "Natureza". Sabemos que Shakespeare influenciou tremendamente Freud, que em sua teoria psicanalítica flertou muito com a ideia do trágico, o que pode ser visto na sua teorização sobre a ação violenta das duas pulsões (Eros e Tanatos - respectivamente as pulsões eróticas e de destruição), que tinham como único objetivo demolir o Eu, levando à ideia de que o ser do homem é inescapavelmente uma cisão (uma ideia trágica), estando sujeito de maneira irresistível às visitações compungidas da Natureza, tal como podemos ver no caso de Macabeth, cujo destino fora traçado pelas Moiras. 

   Mas a reflexão que desejo fazer aqui está concentrada na ideia de cobiça pelo poder e a destruição consequente exercida pela compulsão da Natureza, que na peça se manifesta por meio de um remorso esmagador que leva Macbeth e sua esposa ao delírio - esta última se mata em um determinado momento da peça. 

   Está certo que a cobiça de Macbeth é punida por meio da revolta de seus próprios súditos que descobrem a vileza de seu amo, assim como por meio de seus amigos que escapam de sua violenta cobiça, e que acabam pedindo ajuda ao reino da Escócia para frear a vileza progressiva e destrutiva do usurpador. 

   No entanto não são estes os maiores inimigos dos Macbeths, mas sim a Natureza, a ação violenta da consciência, que movendo na mente de ambos as lembranças dos fatos produzidos pelas ações destes, acabam por implodir a sanidade de maneira decisiva, produzindo uma patologia que os segue até à morte. Como dito, nem Lady Macbeth escapa às investidas da Natureza, conduzindo-a de maneira irresistível para o caminho da loucura, ainda que antes tivesse invocado o poder das trevas para anula as impetuosas investidas feita pelas visitações compungidas. 

   Mas, por fim, vemos que a peça deseja nos conduzir à humanização, desenhando em nossa frente o perigo que cerca a ideia empregada, hoje, por niilistas que rechaçam a concepção de Natureza, ou daqueles que afirmam que o ser humano pode se "reiventar", ou se "construir", pois, como afirma Shakespeare, nada pode contra os efeitos nefastos do se entregar nos braços da cobiça vil, o que pode desmontar a alma mais virtuosa - como fora a alma de Macbeth -, tragando-a para um abismo sem fundo criado pelo levantar da própria consciência contra aquele que se entrega à loucura, subestimando a Natureza da qual toda humanidade é inalienavelmente constituída.

   Não vale a pena dar saltos subestimando a Natureza e suas visitações compungidas.       

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