quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Notas Sobre a "Fome de Justiça"

   Quem não desconfia que muito do "senso de justiça" reinante não seja apenas um manto para disfarçar o desejo de desrespeitar, ofender, destruir, subjugar e dominar? Não me admira que muitos dos que defendem de forma terrível a sua "causa" façam isso porque a militância disfarça sob o manto da virtude aquele desejo patológico que se visto em si mesmo só enxergaríamos como o fruto de um caráter deformado e o desejo puro de destruir. No século XVI e XVII foram os puritanos dizendo que queriam obedecer a Bíblia, se afirmando como "sacerdotes da humanidade", causaram desordens não experimentadas no curso de um milênio na Europa; no século XX os defensores dos pobres promoveram um morticínio em escala nunca antes vista na história humana; no Brasil, há trinta anos, os defensores da ética estão desfigurando com ódio as afeições mais humanas e o senso de realidade mais apurado.

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   Tem quem defenda, em nome da justiça, algo que na prática só pode ser feito por um golpe militar. Quando o ódio ferve e temos o desejo de "chutar todos os políticos" devemos pensar que isso só pode ser possível por um poder altamente organizado. A única instituição capaz disso é o Exército (que, hoje, 2016, não está afim disso)... Mas por outro lado isso é um discurso oportuno apenas para extremistas. Por tanto, vamos com menos ardor e mais cautela. As paixões tendem a emburrecer e causar confusão sobre a questão do debate, pois não proporcionam aquela visão de longo alcance que nos mostra a consequência dos nossos atos -- Todo apaixonado inveterado é um desastre em um mundo que funciona movido também por ideias. 

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   A "fome de justiça" como virtude isolada de outras virtudes é um desastre. É semelhante a uma fé sem amor, pois uma fé sem amor se transforma em fanatismo, ou degenera em vontade demoníaca de poder. De que adianta exercer poder quando isso se faz de forma irracional ou quando achamos que devemos impor a nossa "ideia de bem" ao mundo, não analisando nossos pensamentos para ver se eles, de fato, farão bem ao mundo? O idealista acrítico que pensa que o seu desejo por justiça pode contribuir com o mundo, quando a sua ideia de justiça está errada, só faz com que se alargue ainda mais a ruída de um mundo que ele prometeu curar. Não deveríamos parar de agir para refletir sobre que tipo de bem queremos para o nosso mundo? Se falar sem pensar é vergonhoso, por que aqueles que não entendem do que falam deveriam nos mostrar as saídas de uma situação com relação a qual eles nunca pensaram direito? E por fim: será que não estamos caindo em um misticismo que crê que "desejar o bem" é, por isso mesmo, materializá-lo? Quem foi que ensinou, por tanto, que a "fome de justiça" isolada em si mesma seria boa e não má ao nosso pobre e debilitado mundo?

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   A obstinação em não estudar, em não entender a realidade, mas transformá-la (como apregoava o velho Marx), é um dos empreendimentos mais suicidas que existe. Hoje sofremos uma infestação de palpiteiros que não entendendo do que falam propõem fórmulas mágicas para a salvação do mundo, como se o simples querer o bem fosse o suficiente para realizá-lo.

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   Maldita hora em que no Brasil se decidiu - como pontificava Paulo Freire -, não ter mais aquele tipo de educação "conteudista", onde o professor ensinava regras de gramática, matemática, e não fazia da pedagogia um meio de levantar uma geração de ativistas, "educando-os para a libertação". Mas hoje se estigmatiza o ensino em favor da educação, e temos como recompensa uma geração de burros que optando por não mais entender a realidade, buscam apenas "transformá-la" segundo um modelo preconcebido, agindo de forma a tornar o mundo em algo brutal e irracional à semelhança de suas próprias inteligências. A UNE, esse apoio a um tirano como o Fidel por parte da maior parte da imprensa, são evidências concretas desse emburrecimento maciço e dessa perda de realidade e humanidade que os moldes do ensino de Paulo Freire proporciona.

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   A política é um bem, mas quão mal vai um mundo onde tudo é política e onde tudo está preso aos chavões que tomados por princípios nunca são pensados, mas inculcados como verdades evidentes. Isso é fato quando vemos que a luta total pelos pobres gerou a pobreza total; a luta pela liberdade total a escravização total; a luta pela igualdade total a tirania total; a luta pelo sexo total a esterilidade total; a luta pela politização total a guerra total. Quando é que vamos parar de buscar transformar o mundo e nos perguntarmos que tipo de mundo teremos das ações que, em nome de uma justiça desejada (mas não pensada), pretensiosamente julgamos inquestionavelmente boas por si mesmas?

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