sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Cavalheiros de Cavalaria Ausentes


   Em meio a essa onda de jihadismo, é interessante notar que hoje em dia alguns cristãos não possuem a mínima capacidade de serem cavalheiros, de proteger as suas amadas, filhos, amigos etc. Por que isso? Porque eles confundiram a possibilidade de entregar a sua vida como um sacrifício pessoal a Cristo, com o entregar a vida de seus irmãos, suas mulheres e seus filhos ao sacrifício. Ao invés de ele dar a sua face para bater como um direito a um culto, ele oferece a dos outros - o que é insensatez. Entregar a sua própria vida à causa de Cristo é um direito. No entanto defender a vida do seu irmão, de sua esposa e filhos é um dever que deve ser seriamente considerado até à morte.

   Mas com relação a um suposto pacifismo que - reitero - não tem nada de cristão, eu imagino uma cena muito possível: um assaltante entra em uma casa, rende o marido, a mulher e os filhos. Logo depois ele começa a dar bofetadas na mulher, molestá-la e abusar dos filhos. De certo o marido rendido tem a possibilidade de render o assaltante utilizando a força para apagá-lo de algum modo. No entanto ele não age, pois sua alma cristianíssima não que pecar, com medo de dar uns bons chutes no traseiro do indivíduo. No fim das contas temos mulheres e filhos espancados, e ou mortos, mas uma alma em potencial e um homem "realizado" em sua "fé".

   Isso que está aí em cima é tudo, menos cristão, pois no Novo Testamento, mais especificamente no Sermão da Montanha, a ideia de dar a outra face quando a primeira foi ferida está fundamentalmente ligada à proteção pessoal da vida que os discípulos deveriam colocar em primeiro lugar, pois ninguém seria louco o suficiente para enfrentar o poderio invencível do Império Romano. O Império Romano é o contexto do texto de Mateus 5:38-41, e ele serve, na verdade, para que possamos considerar as prioridades em detrimento de tentarmos lutar em uma luta já perdida. Estar vivo para prover a família e a comunidade é mais útil do que teimar com o Império Romano, da mesma forma que Jeremias exortava os judeus a todos os reinos a se submeterem a Nabucodonosor, rei da Babilônia, e deixarem de lado os seus apelos nacionalistas para que disso escapassem com vida (Jeremias 27:1-8).

   Hoje o que vemos é o contrário, pois na capacidade de servirmos ao nosso próximo, tal como era o ideal da cavalaria na Idade Média, à nossa comunidade, aos filhos e filhas, existe uma espécie de letargia geral gerada pela má interpretação do Sermão da Montanha. Pensemos bem: se o Novo Testamento condenasse tanto assim o serviço da Espada (Romanos 13), será que ele não teria condenado os exércitos, ao invés de aconselhar aos soldados o contento com o soldo? (Lucas 13), reconhecendo que amar o próximo é também protegê-lo de terceiros? No entanto a interpretação amadora do Novo Testamento - que é assim porque como protestantes não damos valor à tradição interpretativa - fez com que esquecêssemos que proteger o irmão, a esposa e a família está justamente relacionada amar o nosso próximo como a nós mesmos - o que Lutero afirmou categoricamente em suas reflexões sobre o governo. Mas amar é amá-lo de verdade, nem que, para isso, como disse anteriormente, devamos dar umas boas bofetadas em um assaltante!

   Existe, também - e a Bíblia confirma isso -, uma diferença imensa entre matar e assassinar (e a ética da Lei no Antigo Testamento nos confirma isso - e negá-la seria afirmar a heresia do gnosticismo, que não reconhece nenhum ato de justiça por parte do homem neste mundo). A segunda destrói totalmente a ordem, mas a possibilidade da primeira e a sua efetivação como juízo é aquilo que a mantém. Lançar a ordem às favas em nome do pacifismo é dar a possibilidade para a criação de um inferno indescritível. Isso jamais foi cristianismo, e a história nos mostra muito bem isso, já que a grande massa de convertidos no período do império Romano era de soldados, o que não foi condenado pela Igreja, que reconhecia no exército um elemento essencial para a manutenção da ordem sem a qual a vida é impossível - o que é sabido com a existência das Cruzadas. Todo ato de sacrifício está relacionado a um bem maior, no entanto o pacifismo tende a deformar as comunidades e as sociedades, corrompendo o juízo desde o foro íntimo até às instâncias públicas, não sendo, por tanto, nenhum bem.

   E lembremos bem: mesmo na teologia do sacrifício de Cristo, em sua entrega total, está um elemento de destruição muito mais radical do que um simples ferimento: está a condenação eterna do Diabo para que fosse possível justamente a destruição do seu poder corruptor e destrutivo, pois - e Jesus já sabia -, pecado e pecador são uma coisa só, não sendo possível a separação. Pecado não é um universal, como o é a verdade, mas é o estado de corrupção da natureza, e esta é inseparável de indivíduos. Proteger as pessoas do investimento do maligno é necessário, e existem várias formas de fazer isso: uma delas é convencendo o pecador antes do seu próprio desastre; a outra é estar do lado dos inocentes, demonstrando amor através da proteção. Mas hoje somos um povo com cavalheiros de cavalaria ausentes.

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