quinta-feira, 21 de maio de 2020

Brevíssima Introdução ao Pensamento de Karl Barth

   Um amigo, o Gabriel Ferreira Albino, me pediu para escrever algo sobre Barth, mesmo que algo simples a título de introdução. Eis dois problemas: escrever sobre Barth e ser simples em um pequeno texto introdutório à obra dele. Como disse um pastor da Alemanha, amigo meu, Barth chegou a ser uma.espécie de papa na Europa em função da sua influência teológica que não atingiu apenas o protestantismo, mas também o catolicismo romano. Alguns julgam que a Constituição Dogmática Dei Verbum tem a tonalidade de uma homenagem à sua teologia - ainda que não tenhamos a necessidade de ir tão longe assim, e nem de considerar um absoluto equívoco essas considerações.
   Mas aos fatos.
   A obra barthiana é profunda, extensa e marcada por diversas fases - alguns dividem o desenvolvimento do pensamento de Barth em quatro fases -, mas é nas três últimas que se destaca uma forte ênfase em um tipo de teologia fundamentalmente bíblica. São as seguintes fases: 1) Fase Liberal; 2) A Fase Dialética (Existencial); 3) Analogia Fidei; 4) A Humanidade de Deus.
   A primeira fase, a fase da Teologia Liberal, foi propriamente uma fase acadêmica, grandemente influenciada por Wilhelm Herman - de quem Barth sempre nutriu grande afeto -, um dos grandes nomes da teologia liberal que, como disse Barth, teve sua teologia adaptada à linha reformada desse último, já que Herman era Luterano - como os grandes nomes da Teologia Liberal, como Harnack e Troelsch.
   O rompimento com a teologia liberal foi desencadeada pela frustração pastoral de Barth - que serviu como ministro da Igreja Reformada da Suíça em Genebra e na pequenina Safenwil -, dizendo que de pouco ajudava as pessoas a árida discussão liberal sobre a ciência teológica que, segundo Barth, engrandecia demasiadamente o homem às custas de Deus, e que não estava voltada para a Igreja e para o anseio último dos cristãos sedentos pela Palavra de Deus na manhã de domingo - algo que pode ser visto em seu artigo "A Palavra de Deus como Encargo da Teologia". Essa foi uma fase de descoberta, ou a descoberta daquilo que ele chamou de "O Novo Mundo da Bíblia", e a descoberta do Mundo de Deus que confronta o mundo dos homens. Alguns outros fatores contribuíram, como o retiro dos Blumhardt, do qual voltou renovado por um experiência espiritual, e a leitura das obras de Kierkegaard, que foi recebido a doses cavalares na teologia de Barth.
   A segunda fase de sua teologia é marcada pela publicação da segunda edição revisada da sua "Carta aos Romanos" onde Barth inaugura a chamada "Teologia da Crise", ou "Teologia Dialética" ou mesmo "Teologia Existencial". Fortemente influenciado por Kierkegaard - descoberto nas universidades alemãs na primeira década do século XX, mais de meio século depois da sua morte -, Barth chama Cristo de o "Incógnito", assim como considera o encontro espiritual como "a-histórico" , já que o encontro da Palavra de Deus com a história é propriamente "Meta-História", sendo até mesmo, segundo uma consideração dramática, o fim da história. Mas não deve ser desconsiderada a influência de Rudolf Otto, que com o seu livro "O Sagrado" forneceu categorias como "O Numinoso", "O Tremendo" ou o "Fascinante", categorias essas com as quais ele articulou e adaptou a visão de Lutero do "Não" e do "Sim" divino com o qual Deus na sua auto-revelação se encontra com o homem em juízo e graça. Quem lê o comentário da "Carta aos Romanos" de Barth se encontra com os seus poderosos paradoxos que muito lembram Kierkegaard e a própria Teologia da Cruz de Lutero.
   Além dessas influências, há também a influência clara tanto de Platão como de Kant (que alguns acham algo impossível na mesma obra), que Barth declara no prefácio à segunda edição de 22. Com Kant Barth acusa os limites do pensamento humano contra o otimismo epistemológico de quem achava poder conseguir alçar Deus pelas forças naturais - mesclando aqui a teologia do pecado dos reformadores -, e com Platão Barth reforçava a estrutura do piso sobrenatural, contrapondo tempo e eternidade (ainda que esse "Platão" tenha um tom kierkegaardiano, assim como se encontre adaptado à ideia de revelação cristã).
   Mas a essa segunda fase segue-se a fase da Analogia Fidei inaugurada por um estudo chamado Fides Quaerens Intelectum e que versa sobre o argumento ontológico de Anselmo, ou mais específicamente o método teológico anselmiano (ainda que Barth não abrace totalmente o método anselmiano, se interessando pelo "Deus dado à fé" de que fala Anselmo no "Proslógio" - estando aqui o marco altamente sobrenaturalista da teologia de Barth). Assim fez Barth contra aquilo que podemos chamar de "retorno antropológico" daqules que anteriormente seguiram a linha da Teologia Dialética no seu início, como Bultmann, Brunner e Gogarten. Emblemático foi o artigo com o título "Nein" onde Barth acusa Brunner de retornar à ênfase entropológica da Teologia Liberal por afirmar uma determinada "Anknüpfungspunkt", o ponto de contato antropológico entre Deus e o homem, colocação que aproxima Brunner da analogia entis fortemente combatida - às vezes injustamente - por Barth.
   Podemos dizer que a fase da "Analogia Fidei" contém a obra madura de Barth e nessa o seu novo método método teológico no qual Barth parte não da filosofia ou do conhecimento natural, se fixando no dado da revelação, elaborando a partir da fé da Igreja e do Deus dado à fé todo o seu edifício dogmático, reconhecendo o a Escritura como fonte teológica primária e sua expressão fiel o Credo Apostólico. Sendo assim Barth realiza uma teologia altamente eclesiástica e fundamentalmente bíblica. Mas ao contrário do que possa supor alguns, Barth não nega in limine a teologia natural, mas a relega para um segundo plano no atual estado histórico da Igreja. A força colossal do trabalho barthiano produziu a "Kirchliche Dogmatik", obra inacabada de 13 volumes (volumes com cerca de 8.000 páginas) em que tenta realizar um teologia bíblica e fortemente cristocêntrica - e alguns diriam até mesmo forçadamente cristomonista.
   Já a quarta fase do seu amadurecimento teológico é marcada por alquilo que podemos chamar de a fase da "Humanidade de Deus", cujos contornos estão dados no artigo que leva o mesmo nome publicado no fim da sua vida. Ali vemos o tom antropológico voltando às discussões públicas de Barth. Famoso é um livreto seu com um estudo sobre Mozarth no qual ele afirma que Bach certamente é ouvido pelos anjos, e, alegremente, Mozarth também é ouvido no céu nas horas de lazer, se comprazendo com os anjos na escuta o próprio Senhor.
   Fica patente nessa fase o aceno positivo à teologia natural - ênfase característica da teologia reformada que remonta a Calvino -, ressaltando Barth que as "pequenas luzes" da razão, mesmo da razão caída, assim como a produção cultural, também refletem a glória de Cristo, não obstante Cristo ser o único positivo de Deus, ou aquele que traz absolutamente Deus em seu rosto.
   A fase da Humanidade de Deus destaca a ênfase da encarnação de Cristo onde Deus se faz homem. Agindo assim Barth diz, em tom pastoral, que Deus decide aqui não estar estritamente acima ou longe do homem, mas ao lado dele. O Deus com face humana é aquele cujo Sim em favor do homem é maior do que o Não, sendo percebido um abrandamento, como Barth mesmo diz, da sua forte ênfase transcendentalista da segunda fase onde Deus era o Totaliter Aliter (O Totalmente Outro), Aquele que verticalmente descia do alto em sinal de juízo, contrapondo o Seu Mundo com o mundo do homem. Desta fase é que Barth traz à tona a polêmica possibilidade da "apokatástasis", ou da salvação universal, já que todo o "Sim" de Deus em Cristo supera o "Não" do pecado e da morte de forma absoluta - algo que foi duramente criticado por E. Brunner na sua Dogmática.
   Barth evidentemente é um gigante desconhecido no Brasil - mais mal falado por seus pares reformados do que pelos seus irmãos fora do seu círculo confessional (católicos e luteranos) -, além de ter sido uma figura de destaque na luta da Igreja contra o Nazismo, tendo sido a principal cabeça da confecção da Declaração Teológica de Barmen que repudiava a nazificação da igreja alemã. Mas enfim, uma pequena correção a esse estado de coisas pode vir da leitura de sua própria obra - que conta com tradução para o português, pelo menos das obras básicas. E uma boa introdução ao seu pensamento é uma obra do próprio Barth chamada "Introdução à Teologia Evangélica". Quanto às fases do seu pensamento, uma coletânea de artigos do próprio Barth foi organizada e leva o nome de "Dádiva e Louvor". Também dispomos de uma tradução e edição magistral do "Comentário à Carta aos Romanos" feita pela editora Sinodal que, além desta, traduziu as duas outras obras listadas acima.
   Comprem esses livros de Barth e boa leitura.

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