sexta-feira, 1 de maio de 2020

O Evangélico e a noção Distorcida de Poder

   Essa mania infantil que muitos evangélicos tem de se regozijar com alegria quase beatífica em ver algum dos seus num lugar de grande poder é algo horrendo, e evidencia uma ruína da compreensão de conceitos cristãos fundamentais a respeito de determinados princípios que realmente importam.
   Esse amor desmesurado por poder é aquilo que está levando grandes setores da igreja em direção ao terreno perigoso da paixão política. Quando a igreja do ostracismo é substituída pela igreja da presença pública, esse evento é sentido por alguns quase que como uma virada escatológica do velho mundo do sofrimento para o novo mundo da imortalidade e glória eternas.
   Apontar esse problema não é afirmar que, ao contrário, deveríamos nos entristecer até à morte e bater no peito em lamentos por algum cristão evangélico/protestante ter chegado ao poder, pois o problema real que deve ser apontado é a manifestação em alguns de uma mentalidade mágica de que a só a posse de algum poder e autoridade é em si mesma um bem. Se assim fosse, reis manifestamente ímpios não teriam recebido poder de governar, como relata a Bíblia. A Besta não teria poder sobre o mundo, se o poder independentemente da justiça fosse por si só um bem. Na verdade a conquista do poder por alguns pode ser até mesmo indicativo de juízo - mesmo se essa pessoa se declarar evangélica/protestante. A posse do nome não indica a posse daquilo que significa o nome, caso contrário Judas, que significa louvor a Deus, não seria o homem da perdição, o traidor de Cristo - e seguindo esse pensamento podemos dizer que não é porque um cristão, que se diz cristão, chega a um lugar de poder que logo isso redundará automaticamente em um bem.
   Na verdade, o fato de evangélicos/protestantes chegarem ao poder (e isso não é novo no Brasil, diga-se de passagem) deveria nos despertar para a responsabilidade, pois todo poder possui essencialmente uma finalidade orientada para o bem que deve ser reconhecido. Ora, todo fim é mais do que os meios conducentes ao fim. Em outras palavras, o poder é um meio de realizar um bem, e, enquanto meio, não é ele próprio o fim, podendo até ser corrompido e auxiliar no afastamento de tal fim ou bem. A corrupção política demonstra isso, pois a finalidade verdadeira da política é realização do o bem comum, recebendo os políticos poder para isso, poder que pode ser desviado da função que lhe é própria.
   Alguém pode me acusar de usar um tom condescendente aqui, mas é evidente que o nosso povo evangélico deve ser educado urgentemente quanto à finalidade do poder, pois estão demasiadamente intoxicados com a ideia de que o poder é um fim em si mesmo, a começar pela concepção deturpada que muitos líderes e liderados em igrejas tem do próprio poder eclesiástico, onde uma palavra de um pastor/bispo tem validade em si mesma porque palavra de pastor/bispo.
   O princípio da Reforma onde a Escritura dá a regulamentação necessária quanto aos limites de autoridade parece ainda não ter chegado em muitos setores do evangelicalismo brasileiro, e daí a cena horrenda e mesmo grotesca de gente que não sabe a real distinção entre o bem e o mal querendo gozar de poder, demonstrando a incapacidade de limitar o próprio poder em nome um bem que dá a forma à ação justa de um cristão no mundo.

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