domingo, 10 de maio de 2020

Parmênides, a Degradação da Especulação Sofista e a Reação Platônica


   O livro Parmênides de Platão só pode ser entendido em sua totalidade junto com o livro Sofista. A razão disso é que a alta especulação sobre o uno em Parmênides ganhou uma versão degradada nas mãos dos retóricos sofistas, e Platão tinha em mente que as distinções decisivas em torno dessa especulação é que marcavam a diferenciação entre sofistas e filósofos.
   No livro Parmênides, que é um livro dificílimo, vemos termos como o "ser do não-ser", ou o "ser do uno" e a especulação do "uno para além do ser", do "ser do ser", ou o "não-ser do ser" etc., e em mãos menos nobres esse tipo de especulação levou pessoas de espírito degradado na época de Platão a afirmações atordoantes como "a verdade e a mentira são o mesmo", ou "nada existe porque tudo existe", fazendo a argumentação descarrilar em um relativismo que atingiu níveis insuportáveis, gerando consequências funestas.
   A reação platônica contra os sofistas - algo imensamente destacado em sua obra - se deu porque esse tipo de especulação atingiu a espera pública quando retoricos sofistas começaram a tutelar jovens destinados à política. A questão crucial aqui é que na posse desse tipo de interpretação sobre a especulação parmenídia a respeito do uno (que na verdade foi atingido por este mediante uma iluminação divina), oradores políticos não teriam comprometimento algum com os fatos, já que não havia distinção entre fato e não fato, mentira e verdade, o que por razões óbvias legitimaria o uso da retórica como instrumento de conquista de poder.
   Platão via nesse acontecimento a catástrofe da política ateniense que chegou, para ele, ao nível apocalíptico da loucura quando essa forma de ver a retórica se instalou nos tribunais - o processo público que culminou na condenação de Sócrates foi movido por um sofista -, coisa que, em sua visão, desembocaria na mais terrível tirania se a toada sofista lograsse êxito completo - o livro A República demonstra de forma cabal que quando a verdade falta, ou quando se é indiferente a ela, o instrumento último de persuasão é a violência. Toda a alta especulação Platônica, a exemplo da especulação sobre a Forma, ou Ideia do Bem, visava estabelecer uma âncora firme na alma dos seus pupilos para que eles sobrevivesse à voragem da insânia sofista, onde a persuasão visava não o bem, mas a conquista de poder.
   No entanto Platão não buscava a verdade como uma simples proposição, mas como o eixo inefável e estruturante de toda a realidade. Platão sabia que o verdadeiro conhecimento é uma participação espiritual no fundamento absoluto da realidade. Nesse sentido, no fim do livro 'Sofista', depois da execução da especulação sobre o ser, Platão caracteriza a atitude espiritual do sofista e do filósofo nestes termos:

    "Uma é a dificuldade de compreensão do sofista, outra é aquela do filósofo.
Àquele [o sofista], fugindo para a escuridão do não-ente e habituado por um longo convívio, é difícil conhecer [o ser], por causa da escuridão do lugar.
    O filósofo, porém, que através da observação racional da ideia se aproxima constantemente do ente (ou ser), [coisa que] não é, de modo algum, fácil de ver, por causa da claridade da região. Pois a maioria das almas são incapazes de manter os olhos fixos no divino".

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