segunda-feira, 10 de maio de 2021

A Cruz e a Justificação: Comentário de Lutero a Gálatas 3.13

    E este é o nosso supremo consolo de revestir-nos de Cristo e envolvê-lo em meus, em teus e nos pecados de todo o mundo, vendo-o carregar todos os nossos pecados. Se é visto desse modo, ele, facilmente, remove as opiniões fanáticas dos adversários a respeito da justificação por obras. Pois os papistas sonham com uma fé formada pelo amor por cujo intermédio querem remover os pecados e ser justificados. Isso é despir inteiramente a Cristo, desembaraçá-lo dos pecados, fazê-lo inocente e carregar e esmagar-nos a nós mesmos com nossos próprios pecados, encarando-os não em Cristo, mas em nós mesmos. Isso é, verdadeiramente, abolir a Cristo e torná-lo inútil. Pois, se é verdade que abolimos o pecado pelas obras da lei e pelo amor, então, não é Cristo que os tira, mas nós. Mas, se ele é, verdadeiramente, o Cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo, foi feito maldição em nosso lugar e foi envolvido em nossos pecados, então, necessariamente, conclui-se que não podemos ser justificados e tirar os pecados pelo amor, pois Deus não colocou os pecados sobre nós, mas sobre Cristo, seu Filho. Se eles são tirados por ele, não podem ser tirados por nós. Isso toda a Escritura afirma e nós confessamos e oramos o mesmo no Credo, quando dizemos: "Creio em Jesus Cristo, o Filho de Deus, que padeceu, foi crucificado e morto por nós".

Essa é a mais agradável de todas as doutrinas e a mais plena de consolo, que ensina que temos essa inefável e inestimável misericórdia e esse amor de Deus. Quando o Pai misericordioso viu que estávamos sendo oprimidos pela lei e sujeitos à maldição e nada nos poderia libertar dessa situação, ele enviou, por esse motivo, seu Filho ao mundo, sobre o qual lançou todos os pecados de todos os homens e disse a ele: "Tu és Pedro, que te negou; tu és Paulo, o perseguidor, blasfemador e homem violento; tu és Davi, o adúltero; tu és o pecador que comeu o fruto no paraíso; tu és o ladrão na cruz. Numa palavra, tu és a pessoa de todos os homens que cometeu os pecados de todos os homens. Pensa, pois, como os pagarás e farás satisfação por eles". Nesse momento vem a lei e diz: "Considero esse homem um pecador que assumiu sobre si os pecados de todos os homens e, além disso, não vejo nenhum pecado, a não ser os que estão sobre ele. Que morra, portanto, na cruz!" E, assim, ela o ataca e mata. Por esse feito, todo o mundo é purificado e remido de todos os pecados e, portanto, também Libertado da morte e de todos os males. Uma vez abolidos o pecado e a morte, por esse homem singular, Deus não gostaria de ver nada mais, em todo o mundo, sobretudo se cresse, a não ser mera purificação e justiça. E, se permanecessem alguns restos de pecado, Deus não os consideraria por causa desse sol, que é Cristo.

    Assim, pois, devemos exaltar o artigo da justiça cristã em oposição à justiça da lei e das obras, ainda que não haja palavra alguma nem eloquência que possa concebê-lo dignamente, muito menos, exprimir sua grandeza. É, por isso, o argumento do qual Paulo trata aqui, o mais poderoso e o mais elevado de todos contra todas as justiças da carne, pois contém essa invencível e irrefutável antítese, a saber: Se os pecados de todo o mundo estão sobre esse único homem, Jesus Cristo, então, não estão sobre o mundo. Mas, se não estão sobre ele, estão, ainda, sobre o mundo. Da mesma forma: Se Cristo mesmo é feito culpado por todos os pecados que nós todos cometemos, então somos absolvidos de todos os pecados, mas não por causa de nós mesmos, ou por causa de nossas obras ou méritos, mas por causa dele. Se, contudo, é inocente e não carrega os nossos pecados, então nós os carregamos e neles morreremos e seremos condenados. "Mas, graças a Deus, que nos dá a vitória por intermédio de nosso Senhor Jesus Cristo". Amém.1

____________________________________________ 1] LUTERO, Martinho. Comentário aos Gálatas. 3.13

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