quinta-feira, 24 de junho de 2021

Dooyeweerd, o Coração e o Escolasticismo

    A crítica de Herman Dooyeweerd ao intelectualismo tomasiano, na afirmação de que o coração é o centro suprateórico do homem, não é algo simplista como pode supor a consideração de que isso deve ser lido na chave da oposição tradicional entre razão e vontade - como se dá a questão da oposição entre intelectualismo e voluntarismo no tomismo e scotismo. A posição de Doyeweerd, ao meu ver, tem referência em uma doutrina clássica na teologia reformada que pode ser entendida a partir da seguinte proposição: a forma como Deus nos conduz à verdade é distinta da forma como Deus nos conduz à conversão.

  Podemos considerar o seguinte: na teologia reformada a forma da conversão se dá eminentemente por um abertura à fé provocada pelo Espírito no coração do homem, e não apenas por uma moção moral - ou intelectual. É por isso que se diz que a conversão não é dependente primariamente de uma exposição da verdade, mas antes de tudo de uma transformação do coração, ou da mudança da disposição do homem em relação à verdade.
    Aqui podemos, a partir do que foi dito, entender a afirmação de Dooyeweerd de que o homem é essencialmente religioso; e quando se afirma isso se diz que a questão superior do homem diz respeito, primariamente, ao coração e não simplesmente à recepção de uma notícia sobre a verdade de Deus (notitia) à qual a mente deva dar um assentimento (assensus), pois ainda que haja um assentimento da mente quanto à verdade pode não haver confiança (fiducia) - e confiança diz respeito ao coração, o centro religioso do homem, já que o apóstata pode ligar seu coração àquilo que não é Deus, mesmo tendo a noção e assentimento à noção de Deus em Cristo.
    Assim, é possível entender que Dooyeweerd não rejeita a razão, mas tenta coloca-la em perspectiva, ou melhor, em seu devido lugar. Contudo podemos pensar se essa é uma real oposição ao pensamento escolástico, já que não é desconhecido do escolasticismo (protestante também) que a moção moral não transforma o coração do homem tal como a moção física, moção essa operada pela graça, graça que no escolasticismo reformado e tomista é a causa da criação de uma boa disposição no coração do homem em relação à verdade de Deus em Cristo.

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