sexta-feira, 18 de setembro de 2015

A Experiência de Dalrymple


   O multiculturalismo tem a sua verdade no fato de que a pluralidade é um dado próprio da existência, e que diferenças devem ser toleradas por questão de necessidades de convivência entre indivíduos que, entre si, nutrem suas divergências.

   No entanto, tal como provou a história da Europa e das Américas, tal pluralidade não existe sem uma cultural a conferir uma identidade fundada em concepções filosóficas, ou naquele sentimento de comunidade e pertença por meio da qual indivíduos diferentes tenham o que partilhar. É justamente isto que confere consistência à democracia, onde a fortaleza das instituições e leis são imprescindíveis para que a "unidade na pluralidade" seja possível. Esta é a experiência por excelência do iluminismo inglês e da unidade cultural americana.

   No entanto, diante de toda esta questão relacionada à crise da imigração, segue um texto de Theodore Dalrymple (no livro "Vida na Sarjeta: o círculo vicioso da miséria moral", publicado pela É Realizações), psiquiatra e crítico cultural inglês, que descreve como é impossível a convivência entre culturas distintas sem que os indivíduos se sujeitem a leis à cultura do lugar onde decidiram morar, como se segue:

   "Como um médico que trabalha num bairro pobre com muitos imigrantes, vejo o multiculturalismo de baixo para cima e não do alto da teoria para baixo. É claro que, pelo que assisto todos os dias, nem todos os valores culturais são compatíveis ou podem ser conciliados pela enunciação de lugares-comuns. A ideia de que podemos viver todos juntos, sem a lei ter de distinguir favoravelmente um conjunto de valores culturais de outro, é mais do que simplesmente falsa, e não faz nenhum sentido.

   Deixem-me dizer, de uma vez por todas, que acredito na imigração como um fenômeno saudável, especialmente para uma nação como a Grã-Bretanha que, caso contrário, seria insular e introversa. Em geral, os imigrantes são trabalhadores incansáveis, empreendedores, e enriquecem a vida cultural - isto é, desde que não lhes deem a distinção social de vítimas ex officio e a cultura deles não seja do mesmo tipo de patrocínio condescendente com que o Estado Soviético tratava as minorias.

   Um grande número de imigrantes, de fato, consegue viver muito bem em duas culturas ao mesmo tempo: não porque alguém lhes diz para agir assim, mas porque querem e porque precisam.

   Apesar de tais sucessos, contudo, muitas vezes surgem conflitos entre indivíduos e grupos por causa de padrões culturais, crenças e expectativas diferentes. Para nós, esses conflitos podem ser resolvidos ao apelarmos para o princípio superior, profundamente arraigado na lei, de que os indivíduos tem direito (dentro de limites definidos) de escolher como viver. Essa noção ocidental de individualismo e tolerância não é, de modo algum, visto da mesma maneira em todas as culturas" (p. 50), e ainda:

   "[...] persiste o fato doloroso e inescapável de que muitos aspectos das culturas que tentam preservar são incompatíveis, não só com os costumes de uma democracia liberal, mas com os seus fundamentos jurídicos e filosóficos. Não há demonstração de preocupação ou eufemismos suficientes que possam alterar esse fato." (p.57)

   Esse texto fora escrito há exatos vinte anos, e de lá para cá muita coisa mudou, não servindo para uma análise perfeita daquilo que hoje ocorre tristemente com a Europa. No entanto ele pode ser iluminador, pois, se antes o que ocorria era terrivelmente difícil, quão difícil não será hoje onde as contradições potenciais aumentaram de maneira aterradora? Mas ele serve, no entanto, para aplicar a compreensão que nos fornece na leitura de casos no nosso país. E há, sobre isso, muito o que falar!

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