terça-feira, 26 de setembro de 2017

Deus, Amor e Justiça em Paul Tillich

   A justiça é aquele aspecto do amor que afirma o direito independente do objeto e do sujeito na relação de amor. O amor não destrói a liberdade do amado e não viola as estruturas de sua existência individual e social. O amor tão pouco elimina a liberdade daquele que ama nem viola as estruturas da sua existência individual e social. O amor como reunião daqueles que estão separados não distorce e nem os destrói em sua união. Contudo, existe um amor que é auto-entrega caótica ou uma anto-imposição caótica; não é um amor verdadeiro, mas um amor "simbiótico" (Erich Fromm). Grande parte do amor romântico tem esse caráter. Nietzsche estava certo quando enfatizou que uma relação de amor só é criativa se entrar na relação, de ambas as partes, um eu independente.
   Mas, nesse processo, a justiça não só afirma e seduz; ela também resiste e condena. Este fato suscitou a teoria do conflito entre amor e a justiça em Deus. Os diálogos entre judeus e cristãos muitas vezes foram afetados por este pressuposto. Os ataques políticos à ideia cristã de amor não levam em conta a relação entre amor e justiça em Deus e no ser humano. E assim também se comportam muitos pacifistas cristãos em seus ataques às lutas políticas pela justiça.
   Com frequência se tem perguntado como o amor divino se relaciona com o poder divino, especialmente com o poder que satisfaz as exigências da justiça. E se tem notado um conflito entre o amor divino e a ira divina contra aqueles que violam a justiça. Em princípio, todas estas questões são respondidas pela interpretação do amor em termos ontológicos (a realidade em-si do amor) e do amor divino em termos simbólicos. Mas na teologia sistemática se exigem respostas especiais, e, embora ela não possa entrar nos problemas atuais da ética social, deve mostrar que toda resposta ética se fundamenta em uma afirmação implícita e explícita sobre Deus.
   Deve-se enfatizar que não é o poder divino como tal que se acha em conflito com o amor divino. O poder divino é o poder do ser-em-si, e o ser-em-si é efetivamente real na vida divina cuja natureza é o amor. Só se pode imaginar um conflito em relação à criatura que viola a estrutura da justiça e assim viola o próprio amor. Quando isso acontece - e é próprio da existência da criatura que que isto acorra universalmente -, seguem-se juízo e condenação. Mas não por um ato especial de retribuição divina; eles seguem pela reação do poder amoroso de Deus contra aquilo que viola o amor. A condenação não é a negação do amor, mas a negação da negação do amor. É um ato de amor sem o qual o não-ser triunfaria sobre o ser. É a forma pela qual aquilo que resiste ao amor, a saber, à reunião do separado na vida divina, é abandonado à separação e à inevitável autodestruição que a separação acarreta. O caráter ontológico do amor resolve o problema da relação entre amor e a justiça retributiva. O juízo é um ato de amor que abandona à autodestruição aquilo que resiste ao amor.
   Isso, por sua vez, possibilita à teologia o uso do símbolo "ira de Deus". Durante muito tempo, sentiu-se que este símbolo equivaleria a atribuir a Deus sentimentos humanos no sentido das histórias pagãs sobre a "raiva dos deuses". Mas o que é impossível em uma compreensão literal é possível e frequentemente necessário em um símbolo metafórico. A ira de Deus não é um sentimento divino paralelo ao seu amor, nem um motivo de ação paralelo à providência; é o símbolo emocional para a obra do amor que rejeita e abandona à autodestruição aquilo que lhe resiste. A experiência da ira de Deus é a consciência da natureza autodestrutiva do mal, a saber, dos atos e atitudes que a criatura finita se mantém separada do fundamento do ser e resiste ao amor unificador de Deus. Esta experiência é real, e o símbolo metafórico "ira de Deus" é inevitável. *

*Paul Tillich - Teologia Sistemática. p. 287,288

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