segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

A Ideia Clássica de Deus por Paul Tillich

[...] A ideia medieval de Deus tem três níveis.
   1. O primeiro e fundamental nível é a ideia de Deus como 'primum esse', primeiro ser, ou primeira causa, causa primeira. A palavra "causa", neste contexto, não tem o mesmo sentido de "causa e efeito" na experiência finita. E a palavra 'prima' não quer dizer "primeira" em sentido temporal, mas no sentido [lógico] de "fundamento" de todas as causas. O termo "causa", então, é utilizado mais simbólica do que literalmente. Deus é o fundamento criador de todas as coisas, 'creatrix universalium substantia", substância criadora de tudo o que é. É a primeira afirmação a respeito de Deus. Deus é o fundamento do ser, como eu gosto de dizer, o próprio ser, ou a causa primeira; todos esses termos querem dizer a mesma coisa.
   2. Essa substância não pode ser entendida em termos de matéria inorgânica - como fogo, água segundo os antigos físicos [gregos] - nem dentro do campo biológico como o processo da vida. Deve ser entendida como intelecto. A primeira qualidade de Deus, enquanto fundamento do ser, é intelecto. Intelecto não é inteligência. Significa o momento em que Deus é para si mesmo sujeito e objeto, ao mesmo tempo [obs: tempo lógico]. Significa o conhecimento que Deus tem de si mesmo e do mundo como realidade fora de si. O fundamento do ser ou, em outras palavras, a substância criadora, é portadora de sentido. Em consequência, o mundo é significativo; pode ser entendido por meio de palavras que fazem sentido. O 'logos', a palavra, pode apreendê-lo. Para entendermos a realidade precisamos pressupor que ela é compreensível. Ela é compreensível porque o seu fundamento divino tem características de intelecto. O conhecimento é possível apenas porque o intelecto divino é o fundamento de todas as coisas.
   3. Em terceiro lugar, Deus é vontade. Essa ideia vem da tradição cristã agostiniana, enquanto a ênfase no intelecto vem da grega aristotélica. Quando se aplica a Deus e ao mundo o conceito de vontade, ele se refere ao fundamento dinâmico da realidade, e não à função psicológica observada em nós. A vontade é o poder produtor do fundamento do ser. Essa vontade tem a natureza do amor - na boa tradição agostiniana. A substância criadora do mundo tem significado e amor; é intelecto e vontade, simbolicamente falando. Assim como dizíamos que Deus se conhece a si mesmo, dizemos agora que Deus quer a si mesmo e se ama como bem absoluto e, na verdade, como o fim [telos] de todas as coisas. E ama as criaturas ao lhes dar gradualmente o bem que ele mesmo fundamenta. Por tanto, todas as criaturas esperam por ele; ele é o objeto de seu amor em todos os seres que vislumbram o bem supremo.

*Paul Tillich - História do Pensamento Cristão. p. 193, 194.

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OBS: Vocês poderão perceber que, na verdade, o que se está tratando no texto é justamente a estrutura trinitária de Deus.
Então percebemos o seguinte: em ordem se fala no item 1 de Deus Pai [Fundamento Criador], no 2 do Deus Filho [Fundamento Intelectivo], no 3 do Deus Espírito Santo [Fundamento Dinâmico, a Vontade e o Amor]. Tal estrutura - fundamento, intelecto e vontade - vocês poderão ver mais profundamente na obra "De Trinitate" (Trindade) de Santo Agostinho, onde o santo se serve da estrutura da alma humana (memória, intelecto e vontade) como analogia para explicar a realidade trinitária da substância divina.

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