sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

Carta aos Hebreus 5.1-10: 9ª Exposição (Πᾶς γὰρ ἀρχιερεὺς): Jesus Glorificado como Sacerdote Segundo a Ordem de Melquisedeque

Texto grego de Hebreus 5.1-10:

Πᾶς γὰρ ἀρχιερεὺς ἐξ ἀνθρώπων λαµβανόµενος ὑπὲρ ἀνθρώπων καθίσταται τὰ πρὸς τὸν θεόν, ἵνα προσφέρῃ δῶρά τε καὶ θυσίας ὑπὲρ ἁµαρτιῶν, 2 µετριοπαθεῖν δυνάµενος τοῖς ἀγνοοῦσιν καὶ πλανωµένοις, ἐπεὶ καὶ αὐτὸς περίκειται ἀσθένειαν, 3 καὶ διí αὐτὴν ὀφείλει καθὼς περὶ τοῦ λαοῦ οὕτως καὶ περὶ αὑτοῦ προσφέρειν περὶ ἁµαρτιῶν. 4 καὶ οὐχ ἑαυτῷ τις λαµβάνει τὴν τιµήν, ἀλλὰ καλούµενος ὑπὸ τοῦ θεοῦ, καθώσπερ καὶ Ἀαρών.

5 Οὕτως καὶ ὁ Χριστὸς οὐχ ἑαυτὸν ἐδόξασεν γενηθῆναι ἀρχιερέα ἀλλ’ ὁ λαλήσας πρὸς αὐτόν,

Υυἱός µου εἶ σύ
ἐγὼ σήµερον γεγέννηκά σε

6 καθὼς καὶ ἐν ἑτέρῳ λέγει,

Σὺ ἱερεὺς εἰς τὸν αἰῶνα
κατὰ τὴν τάξιν Μελχισέδεκ.

7 ὃς ἐν ταῖς ἡµέραις τῆς σαρκὸς αὐτοῦ, δεήσεις τε καὶ ἱκετηρίας πρὸς τὸν δυνάµενον σῴζειν αὐτὸν ἐκ ϑανάτου µετὰ κραυγῆς ἰσχυρᾶς καὶ δακρύων προσενέγκας καὶ εἰσακουσθεὶς ἀπὸ τῆς εὐλαβείας, 8 καίπερ ὢν υἱὸς ἔµαθεν ἀφí ὧν ἔπαϑεν τὴν ὑπακοήν· 9 καὶ τελειωθεὶς ἐγένετο πᾶσιν τοῖς ὑπακούουσιν αὐτῷ αἴτιος σωτηρίας αἰωνίου, 10 προσαγορευθεὶς ὑπὸ τοῦ ϑεοῦ ἀρχιερεὺς κατὰ τὴν τάξιν Μελχισέδεκ.

Tradução e Comentário:

1Πᾶς γὰρ ἀρχιερεὺς ἐξ ἀνθρώπων λαµβανόµενος ὑπὲρ ἀνθρώπων καθίσταται τὰ πρὸς τὸν ϑεόν ἵνα προσφέρῃ δῶρά τε καὶ ϑυσίας ὑπὲρ ἁµαρτιῶν, - Pois todo sumo sacerdote, tomado dentre os homens, é constituído nas coisas referentes a Deus, para oferecer dons, tanto quanto sacrifícios pelos pecados,

    O texto começa explicando a natureza do sacerdócio tendo como pano de fundo a lei mosaica, já que no vs. 4 é trazido à tona a figura de Arão. Esta parte, no entanto, lembra da função em relação àqueles para os quais o o sacerdote oficia. E é interessante notar a constituição humana do sacerdócio. O escritor da Carta aos Hebreus assim começa: Pois todo sumo sacerdote (Πᾶς γὰρ ἀρχιερεὺς), tomado dentre os homens (ξ ἀνθρώπων λαµβανόµενος), para os homens é constituído nas coisas referentes a Deus (ὑπὲρ ἀνθρώπων καθίσταται τὰ πρὸς τὸν ϑεόν), para oferecer dons (ἵνα προσφέρῃ δῶρά), tanto quanto sacrifícios pelos pecados (τε καὶ ϑυσίας ὑπὲρ ἁµαρτιῶν,). A questão é que não nos servimos de um sacerdócio angélico, mas aquele que é constituído (καθίσταται) na humanidade do homem, e em favor do homem (ὑπὲρ ἀνθρώπων).

    Temos nesse versículo a referência direta a Jesus que nesta carta já foi declarado, em Hb 4.14, como o sumo sacerdote que penetrou os céus (ἀρχιερέα µέγαν διεληλυθότα τοὺς οὐρανούς), assim como, em Hb 3.1, o sumo sacerdote da nossa confissão (ἀρχιερέα τῆς ὁµολογίας ἡµῶν), agora especifica o sacerdócio como um múnus que existe em função do homem nas coisa referentes a Deus (τὰ πρὸς τὸν ϑεόν). O ofício, como já foi explicado, é justamente oferecer dons (δῶρά) e sacrifícios (ϑυσίας), tendo em vista os pecado (ἁµαρτιῶν), que seria especificamente oficiar o culto divino. É interessante que no entendimento da revelação cristã e mosaica, a realidade do ser constituído (καθίσταται) não parte do homem. Os homens não se constituem para servir a Deus oferecendo dons e sacrifícios, antes, eles são constituídos (a palavra καθίσταται está no particípio), eleitos, para dar a entender a ação vertical de Deus no estabelecimento da salvação e do perdão dos pecados; pois que ainda que o sacerdócio exista no interesse dos homens, é por Deus que ele é validade e constituído, como veremos mais à frente.
2) µετριοπαθεῖν δυνάµενος τοῖς ἀγνοοῦσιν καὶ πλανωµένοις ἐπεὶ καὶ αὐτὸς περίκειται ἀσθένειαν - sendo capaz de tratar com brandura os ignorantes e os que erram, pois também ele está rodeado de fraqueza

    As palavras µετριοπαθεῖν δυνάµενος é uma das conjunções de palavras mais pastorais que podemos encontrar. Em específico a palavra µετριοπαθεῖν vem de μετριοπαθεω e que é constituída pela junção de μετριως + παθος, sendo o significado de μετριως moderação, e παθος afecção, tendo aqui um sentido de afetação. Portanto, ser capaz (δυναμαι) de μετριοπαθεω é o mesmo que ter moderação no trato a ponto de não se sentir tão pesadamente afetado (irritado) no trato com os ignorantes (ἀγνοοῦσιν) e com os que erram (πλανωµένοις). E a razão disso está na constituição da pessoa do próprio sacerdote, pois ele também está rodeado de fraqueza (ἐπεὶ καὶ αὐτὸς περίκειται ἀσθένειαν). Sendo rodeado de fraquezas, ele, por tanto, adquire simpatia, pois sente a partir de si a fraqueza que toca a outros, se compadecendo com eles. Lembramos aqui do eco do vs. 15, cap. 4, pois ali assim se dizia: "Porque não temos um sumo sacerdote incapaz (µὴ δυνάµενον) de se compadecer (συµπαθῆσαι); e aqui no vs. 2, cap. 5 temos: sendo capaz (δυνάµενος) de tratar com brandura, ou de ser indulgente (µετριοπαθεῖν). Naquele caso temos Cristo se compadecendo, e aqui temos o ofício do sumo sacerdote como aquele que, em função da percepção das suas próprias fraquezas, é capaz de não tratar rigorosamente os ignorantes e os que erra.

3) καὶ διὰ ταὐτὴν ὀφείλει καθὼς περὶ τοῦ λαοῦ οὕτως καὶ περὶ ἑαυτοῦ προσφέρειν ὑπὲρ ἁµαρτιῶν. - e por causa disso deve oferecer sacrifícios pelos pecados do povo, como pelos seus próprios pecados,
    Aqui percebemos que em função disso, o sacerdote tocado pela fraqueza oferece sacrifícios tanto pelo povo como por si mesmo. Mas em contraste com essa questão, nos deparamos essa informação sob o pano de fundo da afirmação de que Cristo, o nosso sumo sacerdote, penetrou nos céus. Ora, realizar isso não é um ato de fraqueza, e ficamos com a pergunta de como Jesus pode simpatizar com as nossas fraquezas se ele mesmo não é necessariamente rodeado de fraqueza. Sim, Cristo também tem a sua fraqueza, mas não como teria um sumo sacerdote que deve, por todo povo (ὀφείλει καθὼς περὶ τοῦ λαοῦ), e por si mesmo (καὶ περὶ ἑαυτοῦ) oferecer [sacrifícios] pelos pecados (προσφέρειν ὑπὲρ ἁµαρτιῶν). Há uma grande diferença que sinaliza a distinção entre Cristo e a ordem sacerdotal de Arão, mas também se estabelece uma dificuldade: se pela percepção da sua própria fraqueza - o que inclui pecados - o sacerdote pode tratar com mais indulgência quem erra, como Cristo assim o faz? Ao que parece, há algo disse que será respondido no texto, mas por outro lado isso foi parcialmente respondido porque Cristo, semelhantemente a nós, também foi em tudo tentado, mas diferentemente de nós ele não caiu em pecado.

4) καὶ οὐχ ἑαυτῷ τις λαµβάνει τὴν τιµήν, ἀλλὰ καλούµενος ὑπὸ τοῦ θεοῦ, καθώσπερ καὶ Ἀαρών. - e ninguém toma essa honra para si mesmo, senão quando chamado por Deus, como no caso de Arão.

    Não há quem se glorifique para tal ministério, já que se trata de um estabelecimento divino, não humano: e ninguém toma essa honra para si mesmo (καὶ οὐχ ἑαυτῷ τις λαµβάνει τὴν τιµήν), senão quando chamado por Deus (ἀλλὰ καλούµενος ὑπὸ τοῦ θεοῦ). Essa palavra nos faz lembrar a rebelião de Corá, Datã e Abirão (Nm 16), que foram tragados vivos pelo abismo por confrontar a escolha divina do sacerdócio arônico. De fato, Deus é quem constitui aquele que será sacerdote divino nas coisas concernentes a Deus em favor dos homens. E isso nos faz lembrar que é de iniciativa divina a salvação humana.

5) Οὕτως καὶ ὁ Χριστὸς οὐχ ἑαυτὸν ἐδόξασεν γενηθῆναι ἀρχιερέα ἀλλ’ ὁ λαλήσας πρὸς αὐτόν,

Υυἱός µου εἶ σύ
ἐγὼ σήµερον γεγέννηκά σε - Assim também Cristo não se glorificou para se tornar sumo sacerdote, sendo glorificado por aquele que lhe disse:
Você é o meu Filho Eu hoje te gerei.
    A afirmação da fé é esta: Assim também (Οὕτως καὶ) Cristo não se glorificou (ὁ Χριστὸς οὐχ ἑαυτὸν ἐδόξασεν). O portador da glória não se glorificou para se tornar sumo sacerdote (γενηθῆναι ἀρχιερέα). O portador da glória não conferiu múnus sacerdotal a si mesmo. E aqui entramos no profundo mistério trinitário que também se reflete na economia da salvação. Ao dizermos que Jesus não conferiu a si mesmo a glória sacerdotal, afirmamos que ele recebe o múnus de um outro, tal como o Filho, na ordem lógica da vida divina, recebe eternamente a sua substância da fonte e fundamento da divindade, que é o Pai, de quem ele procede. Ainda que possamos vislumbrar pela Trindade Econômica a ordem processional eterna da vida divina, aqui estamos falando da glorificação para o sacerdócio. Mas enquanto glorificado por Outro, Jesus não se glorifica a si mesmo, pois está escrito: sendo glorificado por aquele que lhe disse (ἀλλ’ ὁ λαλήσας πρὸς αὐτόν,): Você é meu Filho,
Eu hoje te gerei.
(Υυἱός µου εἶ σύ
ἐγὼ σήµερον γεγέννηκά σε)

    A passagem que se seguiu é a citação do Salmo 2.7. Lá afirma que se proclama o decreto eterno do Senhor, e podemos ver aqui a glorificação do Filho, Jesus Cristo, como efeito do decreto eterno. Sim, podemos aqui perceber que a questão da glorificação, se remete a constituição sacerdotal que Jesus recebe justamente do Pai, que assim o glorifica. As passagens referentes ao batismo de Jesus (Mc 1.9-11par.) tratam dessa glorificação na proclamação divina: Este é o meu Filho amado em que se comprar a minha alma, e após esse evento se inicia o ministério de Cristo, mais especificamente após o batismo e a tentação de Jesus.

6) καθὼς καὶ ἐν ἑτέρῳ λέγει,

Σὺ ἱερεὺς εἰς τὸν αἰῶνα 
κατὰ τὴν τάξιν Μελχισέδεκ. -

Como também em outro lugar diz:

Você é sacerdote para sempre
Segundo a ordem de Melquisedeque

    O Autor usa os textos prova retirados dos salmos 2 e 110. Todos esses Salmos falam dos decretos divinos, o Sl 2 afirma explicitamente o decreto, e o Sl 110 diz que o Senhor jurou e não se arrependerá. A argumentação do autor da Carta aos Hebreus finaliza afirmando que por decreto eterno o Pai glorificou o Filho constituindo-o como um sacerdote eterno (ἱερεὺς εἰς τὸν αἰῶνα) segundo a ordem de Melquisedeque (κατὰ τὴν τάξιν Μελχισέδεκ), nos levando à afirmação de que, de fato, assim como Arão não se glorificou para ser sacerdote, assim também Jesus de Nazaré não se glorificou para ser sacerdote, mas foi glorificado com a ordem superior de Melquisedeque, constituído por Deus em favor do homem.

7) ὃς ἐν ταῖς ἡµέραις τῆς σαρκὸς αὐτοῦ, δεήσεις τε καὶ ἱκετηρίας πρὸς τὸν δυνάµενον σῴζειν αὐτὸν ἐκ ϑανάτου µετὰ κραυγῆς ἰσχυρᾶς καὶ δακρύων προσενέγκας καὶ εἰσακουσθεὶς ἀπὸ τῆς εὐλαβείας, - O qual, nos dias de sua carne, ofereceu súplicas e orações para Aquele que podia o salvar da morte, tendo oferecido com forte clamor e lágrimas, tendo sido ouvido por causa da sua piedade,

    
    E assim passamos a considerar as notas que constituem a grandeza, assim como o processo de aperfeiçoamento daquele que atravessou os céus. Pois temos a fé afirmada em um Cristo que realmente tomou a carne humana. Assim se diz: O qual, nos dias de sua carne (ὃς ἐν ταῖς ἡµέραις τῆς σαρκὸς αὐτοῦ). E temos como verdade que Cristo participou, não parcialmente, mas inteiramente de nossa humanidade, embora fosse ele mesmo o nosso Deus, mas Deus Conosco, o nosso Emanuel (עִמָּ֥נוּאֵֽל). Sendo assim, é importante compreendermos que Cristo angaria a salvação a partir da sua humanidade, recebendo-a como mérito e como justa paga pela sua piedade (εὐλαβείας). Por tanto, nos dias de sua carne ofereceu súplicas e oração (δεήσεις τε καὶ ἱκετηρίας προσενέγκας), angariando, como já foi dito, a salvação a partir da sua própria humanidade. E continuamos: ofereceu súplicas e oração, com forte clamor e lágrimas (µετὰ κραυγῆς ἰσχυρᾶς καὶ δακρύων).     Devemos divisar algo nesse momento: a salvação de Cristo, embora conquistada pelos seus méritos, não obstante, deve ser compreendida principalmente como poder da superação da tentação, realizada na senda da sua obediência absoluta ao Pai, pois desde o nascimento, nada de condenável Cristo tinha em si mesmo, e não tendo sobre si razão de condenação, sempre carregou em si a graça pela qual ele era tido como sem condenação. Não obstante a isso, com forte clamor e lágrimas, ele ofereceu súplicas e orações para Aquele que podia salva-lo da morte (πρὸς τὸν δυνάµενον σῴζειν αὐτὸν ἐκ ϑανάτου). Ora, a oração é também uma forma de manutenção da unidade. Por esse ângulo podemos compreender que foi a unidade absoluta e ininterrupta entre o Filho e o Pai, no Espírito, que colheu para Cristo a superação da tentação, assim como a sua salvação.

8καίπερ ὢν υἱὸς ἔµαθεν ἀφí ὧν ἔπαϑεν τὴν ὑπακοήν· - embora sendo Filho, aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu,

    Lembremos aqui da proclamação do decreto eterno de Deus: Você é meu Filho, eu hoje te gerei. Proclamado como Filho, embora sendo Filho (καίπερ ὢν υἱὸς) ele ainda assim aprendeu a obediência (ἔµαθεν τὴν ὑπακοήν) pelas [ou das] coisas que sofreu (ἀφí ὧν ἔπαϑεν). E aqui um pergunta importante para a nossa fé: Se Cristo, como confessamos, é o eterno Filho de Deus, não feito, mas gerado, como pode ser que ele venha aprender algo, se é natural a Deus conhecer todas as coisas? Aqui afirmamos novamente não apenas a divindade de Cristo, mas também a sua humanidade. É por isso que falamos sobre os dias da carne, tendo como referência absoluta a sua encarnação - excluindo, obviamente, a possibilidade de que, de algum modo, essa encarnação venha a ser desfeita algum dia.     
    A resposta que damos para essa questão, mais especificamente, é como se segue: Enquanto Deus, Cristo não aprende nada, pois, sendo Deus, é conhecedor de todas as coisas; contudo, enquanto homem aprende, porque é característico da humanidade aprender enquanto sujeita ao tempo. Ao se encarnar, o Verbo, o Logos Divino, o Filho de Deus, em nada perde da sua divindade, pois é natural da divindade a imutabilidade. Nesse sentido, enquanto Deus, o Verbo não pode saber mais do que sabe e nem menos do que sabe, pois isso é naturalmente impossível, já que nada há mais que possa conhecer, nem alguma espécie de conhecimento que, como Deus, venha a perder. Enquanto Deus, não há nele nenhuma sombra de variação ou de mudança (Tg 1.17); enquanto homem muda, e muda tanto quantitativamente como qualitativamente, pode ser mais do que era antes ou menos do que era antes - o que não implica em pecado, já que tal mudança se refere aos movimentos característicos da substância humana temporal.

    Mas juntamente com isso afirmamos que a unidade entre a humanidade e divindade de Jesus não é meramente moral ou habitual e sim substancial. É a natureza humana e a natureza divina unidas em uma hipóstase, ou pessoa. É por isso que podemos dizer que, enquanto homem, Jesus aprendeu a obediência por aquilo que sofreu, não que ele tenha sido desobediente e passou a ser obediente; o que o texto afirma é que Cristo seguiu, em meio aos sofrimentos, para ser sumo sacerdote compassivo, o caminho da estrita obediência em meio a tentações e sofrimentos, fazendo isso pelo proveito do homem.
    

9) καὶ τελειωθεὶς ἐγένετο πᾶσιν τοῖς ὑπακούουσιν αὐτῷ αἴτιος σωτηρίας αἰωνίου, - e tendo sido aperfeiçoado veio a ser causa de salvação eterna a todos os que lhe obedecem,

    A expressão e tendo sido aperfeiçoado (καὶ τελειωθεὶς) é compreendia adequadamente no sentido da consumação. A palavra τελειωθεὶς está no particípio, e deriva da palavra τελειως que carrega a noção de perfeitamente, no sentido de que algo atingiu completamente o seu fim (τελος). Portanto, Cristo, quando consumado - tendo em vista aqui a sua morte -, veio a ser (ἐγένετο), para todos os que lhe obedecem (πᾶσιν τοῖς ὑπακούουσιν αὐτῷ), causa de salvação (αἴτιος σωτηρίας) e de salvação eterna (αἰωνίου). A ideia de que em virtude da sua consumação Jesus veio a ser causa de salvação nos remete à seguinte conclusão: A constatação de que Jesus vir a ser implica que o processo salvífico é temporal. Isso corrobora com a nossa afirmação de que a salvação do homem é realizada também a partir da humanidade. Há aqui a concorrência da realidade eterna e temporal, em uma junção de causa primeira e causa segunda no processo de produção da salvação.
    Por causa primeira entendemos aquilo que está na ordem transcendental, ou seja, Deus; assim também, compreendemos a Sua ação na eternidade, onde ele age estabelecendo seus decretos. Por assim dizer dizemos que a causa eficiente da salvação - aquilo que incoa, dá início ao movimento da salvação - é a vontade divina, a potência ordenada pela qual Deus estabelece todas as coisas. Já por causas segundas entendemos aquilo que está na ordem predicamental, que é a ordem da criação onde o homem está inserido. E afirmamos que há uma concorrência da ordem transcendental sobre a ordem predicamental porque é a partir da sua humanidade, na ordem predicamental, que Cristo, que é Deus e está também na ordem transcendental, angaria os méritos pelos quais a humanidade que lhe obedece por ser salva, já que é na ordem predicamental que Jesus realiza a justiça através da qual o demônio é destruído e a humanidade pode, pela justiça de Cristo, ser aceita como justa diante de Deus.   

    Dizemos que Jesus salva pela sua justiça através da qual vence o diabo, mas que que pelo poder divino ressuscita dentre os mortos, pois segundo a justiça divina não era conveniente que Jesus se mantivesse na morte (At 2.24). E andando em completa justiça veio a ser causa de salvação aos que lhe obedecem, como afirma o Apóstolo Paulo em Romanos 5.18: Pois assim como, por uma só ofensa, veio o juízo sobre todos os homens para a condenação, assim também, por um só ato de justiça, veio a graça sobre todos os homens para a justificação que dá vida.

10) προσαγορευθεὶς ὑπὸ τοῦ ϑεοῦ ἀρχιερεὺς κατὰ τὴν τάξιν Μελχισέδεκ. - tendo sido nomeado por Deus sumo sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque.

    Nesse versículo chegamos ao clímax da argumentação, nos fazendo entender que em função da sua consumação Cristo foi glorificado com o sacerdócio, pois tendo sido nomeado por Deus (προσαγορευθεὶς ὑπὸ τοῦ ϑεοῦ) sumo sacerdote (ἀρχιερεὺς) segundo a ordem de Melquisedeque (κατὰ τὴν τάξιν Μελχισέδεκ). Obviamente que essa era a finalidade pela qual o Verbo se fez carne, contudo quero aqui trazer a lume a ordem de argumentação apresentada nesta parta da Carta: a) O sacerdote é tomado de entre os homens; b) O sacerdote é constituído por Deus para oferecer dons e sacrifícios pelos pecados; c) É capaz de tratar com brandura aqueles que erram, porque ele mesmo está rodeado de fraquezas; d) O sacerdote, neste oficia diante de Deus, representando os homens, oferecendo dons e sacrifícios pelos pecados seus e do povo; e) O sacerdote não se glorifica a si mesmo para a entrada desse ministério, mas sendo chamado por Deus, por ele é constituído para realizar um serviço divino pelo interesse humano.

    Neste ponto o quadro fica completo, porque por aqui é que se estabelece o molde pelo qual reconhecemos que o sacerdócio arônico - do Antigo Testamento - é uma analogia, um sinal do sacerdócio de Cristo. Então sigamos o quadro da argumentação:

a) Cristo é o Verbo encarnado como homem enviado pelo Pai para a salvação dos homens; b) Cristo ofereceu orações e súplicas ao Pai, assim como na sua consumação na cruz tornou-se causa de salvação para os que lhe obedecem; c) É capaz de se simpatizar ou de se compadecer (Hb 4.15) dos ignorantes e dos que erram, pois ele em tudo foi tentado, e aprendeu a obediência, mas sem pecado; d) Sendo causa de salvação dos homens, Cristo, no interesse dos homens é estabelecido por Deus como um sumo sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque; e) Jesus não se glorificou para ser sumo sacerdote, mas foi glorificado por Deus segundo a profecia dos Salmos 02 e 110, tal como explica os vs. 5 e 6.
    Segundo esse esquema temos diante dos nossos olhos a intenção do escritor da Carta aos Hebreus em estabelecer a superioridade incontestável do ministério de Cristo, algo que, conforme veremos mais à frente na carta, ficará incontestavelmente claro. Amém!

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