quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

Provérbios de Salomão (מִשְׁלֵי): 4ª Meditação (Pv 1.24-33): A Vingança da Sabedoria

 Texto hebraico de Provérbios 1.24-33


יַ֣עַן ֭קָרָאתִי וַתְּמָאֵ֑נוּ נָטִ֥יתִי יָדִ֗י וְאֵ֣ין מַקְשִֽׁיב׃
וַתִּפְרְע֥וּ כָל־עֲצָתִ֑י וְתוֹכַחְתִּ֗י לֹ֣א אֲבִיתֶֽם׃
גַּם־֭אֲנִי בְּאֵידְכֶ֣ם אֶשְׂחָ֑ק אֶלְעַ֗ג בְּבֹ֣א פַחְדְּכֶֽם׃
בְּבֹ֤א כְשַׁאֲוָה כְשׁוֹאָ֨ה׀ פַּחְדְּכֶ֗ם וְֽאֵידְכֶם כְּסוּפָ֣ה יֶאֱתֶ֑ה בְּבֹ֥א עֲלֵיכֶ֗ם צָרָ֥ה וְצוּקָֽה׃
אָ֣ז יִקְרָאֻנְנִי וְלֹ֣א אֶֽעֱנֶ֑ה יְשַׁחֲרֻ֗נְנִי וְלֹ֣א יִמְצָאֻֽנְנִי׃
תַּחַת כִּי־שָׂ֣נְאוּ דָ֑עַת וְיִרְאַ֥ת יְהוָֹ֗ה לֹ֣א בָחָֽרוּ׃
לֹא־אָב֥וּ לַעֲצָתִ֑י נָאֲצ֗וּ כָּל־תּוֹכַחְתִּֽי׃
וְֽיֹאכְלוּ מִפְּרִ֣י דַרְכָּ֑ם וּֽמִמֹּעֲצֹ֖תֵיהֶ֣ם יִשְׂבָּֽעוּ׃
כִּ֤י מְשׁוּבַ֣ת פְּתָיִ֣ם תַּֽהַרְגֵ֑ם וְשַׁלְוַ֖ת כְּסִילִ֣ים תְּאַבְּדֵֽם׃
וְשֹׁמֵ֣עַֽ לִי יִשְׁכָּן־בֶּ֑טַח וְשַׁאֲנַ֗ן מִפַּ֥חַד רָעָֽה׃ פ



Tradução e Comentário:

24, 25, 26, 27)

יַ֣עַן קָרָאתִי וַתְּמָאֵ֑נוּ נָטִ֥יתִי יָדִ֗י וְאֵ֣ין מַקְשִֽׁיב׃
וַתִּפְרְע֥וּ כָל־עֲצָתִ֑י וְתוֹכַחְתִּ֗י לֹ֣א אֲבִיתֶֽם׃
גַּם־֭אֲנִי בְּאֵידְכֶ֣ם אֶשְׂחָ֑ק אֶלְעַ֗ג בְּבֹ֣א פַחְדְּכֶֽם׃
בְּבֹ֤א כְשַׁאֲוָה* כְשׁוֹאָ֨ה׀ פַּחְדְּכֶ֗ם וְֽאֵידְכֶם כְּסוּפָ֣ה יֶאֱתֶ֑ה בְּבֹ֥א עֲלֵיכֶ֗ם צָרָ֥ה וְצוּקָֽה׃

"Porque clamei e vocês recusaram, estendi a minha mão e não houve quem prestasse atenção; ignoraram todo meu conselho e a minha repreensão não acolheram; também eu na calamidade de vocês irei rir e zombarei vindo o temor de vocês; em vir como tempestade devastadora o pavor de vocês, e a calamidade de vocês como tormenta chegar; em vir sobre vocês a angústia e o aperto".

    Há juízo certo na recusa o chamado da sabedoria. A explicação inicia: Porque (יַ֣עַן) clamei (קָרָאתִי) e vocês recusaram (וַתְּמָאֵ֑נוּ), estendi (נָטִ֥יתִי) minha mão (יָדִ֗י) e não houve (וְאֵ֣ין) o que prestasse atenção (מַקְשִֽׁיב). Assim eles se portaram, sendo indiferentes à sabedoria: e ignoraram (תִּפְרְע֥וּ) todo (כָל־) meu conselho (עֲצָתִ֑י), e minha repreensão (תוֹכַחְתִּ֗י) não (לֹ֣א) aceitaram ou acolheram (אֲבִיתֶֽם). A expressão demonstra peso de certo desprezo contra o chamado da sabedoria, pois se diz: todo meu conselho (כָל־עֲצָתִ֑י). À indiferença se acrescenta aqui a maldade, porque a sabedoria não é artigo no qual possamos deitar sobre ela a nossa indiferença, antes é algo cuja grandeza nos traspassa, e nos abarca de modo absoluto. Podemos aqui formar a seguinte analogia: tal como, para o bem da nossa vida, não podemos ser indiferentes ao ar que respiramos, assim como, para a condução da nossa vida, não podemos sermos indiferentes à sabedoria. Assim, o texto apresenta a sabedoria como a arquitetônica da nossa vida, ou como o sistema da vida bem-aventurada, fora da qual não são possíveis atos felizes; e assim como o direito penal subsume os atos particulares na consideração a respeito da sua licitude ou ilicitude, assim também a sabedoria é a regra universal na qual cada ato particular deve ser conformado afim de se atingir a felicidade.     Há uma medida divina nas coisas, e é a essa medida que devemos nos conformar para a fruição do bem; longe da sabedoria, a única coisa que colhemos é o mal. É por isso que, para os rejeitantes da sabedoria e do bem, o autor continua: Também eu (גַּם־֭אֲנִי), na vossa calamidade (בְּאֵידְכֶ֣ם) rirei (אֶשְׂחָ֑ק). Da mesma forma continua: e zombarei (אֶלְעַ֗ג) vindo (בְּבֹ֣א) o temor de vocês (פַחְדְּכֶֽם). Como pode a sabedoria rir da destruição alheia? Entendamos a expressão metaforicamente, como uma analogia, porque a sabedoria não possui sentimentos humanos. Contudo, entendamos que o escarnecedor da sabedoria será pego em contradição, pois a desventura do mal e daquele que zomba contra a sabedoria é a prova da tese da própria sabedoria, e traz testemunho da ciência do saber no gozo daquele que concebe o silogismo (o encadeamento lógico), o raciocinar perfeito sobre o ato feliz. A sabedoria, para Deus, é ciência, e é a mais alta ciência, pois é a ciência do saber pelo qual Deus conhece a si mesmo. Deus, nesse sentido, é a sua própria ciência, e é nessa sua ciência que ele estabeleceu os limites da vida e da ação humana. A sabedoria é a ciência divina com a qual estabeleceu limites e a medida da vida, e ela se prova verdadeira independentemente do escárnio dos homens. O escárnio da sabedoria é um atentado contra a própria vida, vida cujos limites Deus estabeleceu em sabedoria. E como a sabedoria só pode ser tida pelo zombador como motivo de zombaria, o triunfo da sabedoria é, então, percebida pelo zombador como zombaria. Assim, a zombaria divina é mais sábia do que a sabedoria dos zombadores, porque é a sabedoria. E aqui a sabedoria "se rirá" da desventura dos maus porque para os maus a sabedoria é motivo de riso - o que é motivo de riso triunfará. Assim diz: rirei (אֶשְׂחָ֑ק), e rirá a sabedoria da calamidade porque a calamidade é a prova da realidade da destruição que a sabedoria tentou prevenir o impenitente - e assim ri a sabedoria se mostrando como sabedoria. Aquilo que foi antes zombado triunfou e o seu triunfo, para o zombador, é zombaria.

    E seguimos com o texto: em vir (בְּבֹ֤א) como tempestade devastadora (כְשׁוֹאָ֨ה) o vosso pavor (פַּחְדְּכֶ֗ם) - texto que é seguido de um paralelismo: e a calamidade ou fardo de vocês (וְֽאֵידְכֶם) como tormenta (כְּסוּפָ֣ה) chegar (יֶאֱתֶ֑ה). A intuição desta parte é que, aqueles que não são sábios serão esmagados, porque a vida tem uma arquitetura através da qual encontramos a verdadeira liberdade e felicidade, arquitetura que uma vez infringida resulta em ruína. Os loucos, ao contrário, são moídos em sua loucura, loucura que já é em si uma tempestade devastadora (שאוה), ou uma tormenta (סופה). As palavras aqui possuem peso enorme que não pode ser negligenciado. A natureza da sabedoria tem um fim no qual ela se firma absolutamente de forma inegociável e inexorável, pois aquele que nela tropeçar será feito em pedaços inapelavelmente. Não há sabedoria contra a sabedoria; e nesse sentido as palavras aqui são fortes, e mesmo escatológicas, pois Deus é a própria sabedoria, estando tudo mais arraigado nela. É por isso que fugir da sabedoria e atentar contra ela é atentar contra si mesmo. A sabedoria estilhaçará inapelavelmente a loucura, pois a loucura é a calamidade do homem que se volta contra a sabedoria, e cada qual terá, meritoriamente, da sabedoria o seu quinhão: a calamidade aos que escolheram a calamidade (porque não escolher a sabedoria é devastação e calamidade), o bem e a honra para aqueles que escolheram o bem e a honra: a vingança da sabedoria é dar a cada qual aquilo que lhe é de direito. Então na justa paga a sabedoria se regozija em sua justiça, pois na justiça a sabedoria se manifesta como justiça. E ainda diz: em vir (בְּבֹ֥א) sobre vocês (עֲלֵיכֶ֗ם) angústia (צָרָ֥ה) e aperto (וְצוּקָֽה׃). A sabedoria não se regozija do mal, e não diz rirei (אֶשְׂחָ֑ק) tendo em vista os males humanos; antes a sabedoria se compraz sempre em si mesma, pois Deus não é afetado em sua eterna bem-aventurança, já que sendo pleno de todas as perfeições, nada se lhe pode acrescentar e nem mesmo lhe subtrair. Em última instância, Deus, que é a sabedoria, em tudo se regozija de modo absoluto apenas em si mesmo, e, sendo o bem de modo absoluto, Deus se compraz absolutamente com a sua justiça, e não pode participar do mal. É por isso que se regozijando apenas no bem, não pode ser afetado pelo mal; mas se de algum modo o maligno resiste a Deus, Deus não perde a sua bem-aventurança e continua a gozar eternamente de si mesmo. Não há mal que diminua a Deus, porque nada pode força-lo a não querer o bem, mesmo que o mal insista em querer o mal. E se a paga é justa, Deus ainda é bem-aventurado, porque continua querendo o bem quando rejeita o mal, quando impõe pena por amor da justiça. Se vêm a angústia e o aperto, porque o efeito de querer o mal é angústia e aperto.

28, 29, 30)

אָ֣ז יִקְרָאֻנְנִי וְלֹ֣א אֶֽעֱנֶ֑ה יְשַׁחֲרֻ֗נְנִי וְלֹ֣א יִמְצָאֻֽנְנִי׃
תַּחַת כִּי־שָׂ֣נְאוּ דָ֑עַת וְיִרְאַ֥ת יְהוָֹ֗ה לֹ֣א בָחָֽרוּ׃
לֹא־אָב֥וּ לַעֲצָתִ֑י נָאֲצ֗וּ כָּל־תּוֹכַחְתִּֽי׃

"Então me chamarão e não responderei; me buscarão e não me encontrarão. Porque odiaram o conhecimento e não escolheram o temor do Senhor; não aceitaram meu conselho e abominaram toda minha repreensão;

    O pasmo pode dominar a nossa imaginação aqui: "Então me chamarão (אָ֣ז יִקְרָאֻנְנִי) e não responderei (וְלֹ֣א אֶֽעֱנֶ֑ה); me buscarão (יְשַׁחֲרֻ֗נְנִי) e não me encontrarão (וְלֹ֣א יִמְצָאֻֽנְנִי). O paralelismo poético acentua o teor da advertência. Aqui podemos nos perguntar: Qual a razão de a sabedoria, que poderia ser concebida meramente como uma habilidade, conceberia a sua invocação? Como o texto estabelece uma relação de identidade entre a sabedoria e Deus como algo a ser invocado? Podemos responder a questão de duas formas: 1) A sabedoria é concebida como todos os traços das palavras da profecia, ou da Palavra de Deus; também algo que, como Deus, pode ser invocado para algum benefício, tal como Deus é invocado para benefício. Na nossa primeira meditação (aqui), encontramos esse paralelo (vs. 3) entre a profecia e a literatura sapiencial, indicando que a sabedoria é a forma mesma da profecia, pois a profecia é a revelação da ciência divina. Ainda veremos que a sabedoria é coadjuntora da criação, aquela pela qual Yahweh estendeu os céus e estabeleceu todas as coisas (Pv 9.22-36). Ela possui substância divina, pois só Deus é, segundo a Escritura, algo que cria - ou a sabedoria é um atributo de Deus. 2) Ela é um dom divino pelo qual os homens se orientam; uma estrutura da realidade. Mas aqui seria difícil conceber a sabedoria algo como "secularizado", algo fora da substância divina, enquanto por ela se estabelecem os céus, mesmo como criatura, e não como criador. Há vários indícios de que a primeira alternativa é a mais sensata, já que a sabedoria tem os mesmos atributos da palavra de Deus, como já constatamos aqui.

    Mas à consternação: me buscarão e não me encontrarão. Será que estaria a sabedoria indisposta, ou haveria um limite para a sua generosidade? A dificuldade que o texto nos impõe é comum às várias negativas do Senhor àqueles que O buscam tendo as costas carregados de iniquidade (Jr 11.11; 14.12; Ez 8.18; Mq 3.4; Zc 7.13). Podemos nos perguntar se há limite na bondade divina. Certamente afirmamos limite na bondade humana. Homens são limitados no bem, como são limitados na honestidade do seu clamor. Fato é que há certa piedade de ocasião para aqueles que se vendo no aperto e na angústia, usam a piedade como modo de escapar das penas do juízo justo. Nesse sentido, para os zombadores, a misericórdia não é dom e sim mero instrumento. Se escondem atrás da bondade divina apenas para apelar à misericórdia de forma abusiva, pois esses não são transformados pela misericórdia para se converterem à bondade. Os maus usam da piedade dos bons porque sabem que os bons tem em si o critério de bondade; mas os maus malversam o bem, pois se querem livres da pena para perpetuar o seu abuso, o que evidencia que o apelo à misericórdia divina é algo simplesmente. Assim, aquele que é profundamente comovido pela misericórdia, dela faz bom uso porque através dela enxerga a bondade que ele deveria ter em si mesmo, e assim, uma vez perdoado, se converte ao bem. O mau clama querendo provocar a sua absolvição, mas trata-se de um estratagema para eles apenas serem livres e não passem pelo juízo. O critério da ação do mau não é o bem que ele poderia fruir com a misericórdia alcançada, mas sim a aquisição da liberdade de não ser punido para que ele possa fazer mais mal ainda. Mas de Deus não se escarnece, e é justamente por isso que a misericórdia é administrada pela sabedoria, para que a misericórdia não se torne um meio pelo qual se estabeleça a perpetuação da iniquidade desenfreada. Todas as obras de Deus são justiça e misericórdia (Sl 89.14), pois nem a misericórdia anula a justiça e nem a justiça anula a misericórdia, antes ambas se realizam mutuamente. Assim, se o ímpio clama impiamente, o Todo Poderoso não tem a obrigação de ouvir, e assim faz não anulando a justiça e nem a misericórdia, mas ao recusar a ouvir, estabelece ambas.

    E continua: Porque odiaram (תַּחַת כִּי־שָׂ֣נְאוּ) o conhecimento (דָ֑עַת). Aqui a razão da ruína, e a razão da justa paga. A vida sensata se orienta pelo conhecimento e, no caso, pelo conhecimento de Deus, que é o conhecimento para o agir esclarecido. Aqui podemos estabelecer um contraponto entre o conhecimento e a ignorância. Sendo assim o livro de provérbios não apela para um conhecimento neutro, mas sim àquele que, como já falamos, pressupõe a unidade entre inteligência e moral. Quando falamos da neutralidade, em relação ao conhecimento, falamos daquele tipo de compreensão de conhecimento que exclui de sua base a constituição moral do conhecimento. Assim essa sabedoria implica uma habilidade em relação à humanidade, e ao reto agir, o que pressupõe um fundamento moral, um princípio moral que serve de leme que direciona o homem quanto à retidão da sua ação, a qual é sempre realizada diante de Deus, o que implica em um juízo moral. Há certamente várias ciências instrumentais pelas quais os homens se tornam habilidosos, mas sempre há uma sabedoria, uma ciência da vida que é responsável por dirigir as demais ciências ao bem, que é o nosso fim absoluto. Por isso, a estratégia, ou a ciência da guerra, cujo objeto formal é a vitória, não estabelece se essa vitória é boa ou não. Tal guerra, mesmo que alcance êxito, nem por isso implica que se atingiu um fim moral, com a defesa dos cidadão, pois há guerra movida pela rapinagem, ou pela plenonexia (πλεονεξία), que é a avareza que visa apenas a conquista, o que significa que mesmo a vitória aqui alcançada não implica que se atingiu um fim bom (ou fim perfeito). Mas mesmo os meios são importantes, pois ainda que a vitória redunde em um aparente bem, se os meios conducentes são ímpios, ou seja, se são realizados inúmeros crimes para isso, então o fim também o será. O desenvolvimento da indústria farmacêutica pode redundar em inúmeros bens, mas a vontade humana pode instrumentalizar tal ciência para um fim mal, como o assassinato e o entorpecimento. Assim é a sabedoria, que é a ciência de Deus, que conduz todas essas ciências ao bem e as subordinando e as disciplinando, e é desse conhecimento que o homem deve se munir para se tornar sábio. Sendo assim, os maus desprezaram o conhecimento (דָ֑עַת), e despreza o conhecimento que é fundado no temor de Yahweh (וְיִרְאַ֥ת יְהוָֹ֗ה), pois deste temor e desta ciência os ímpios só possuem ignorância, ignorância que é criminosa por sua própria natureza.

    Assim se acumulam as razões de juízo: não aceitaram (לֹא־אָב֥וּ), meu conselho (לַעֲצָתִ֑י), abominaram (נָאֲצ֗וּ) toda minha repreensão (כָּל־תּוֹכַחְתִּֽי). Aqui a contradição é evidente: Como invocará a sabedoria se aquele que a invoca abomina aquilo que ela é? Não fará isso com o coração reto. A vaidade moral conduz ao comportamento hipócrita, pois o vaidoso moral quer parecer justo, e não ser justo. Mas isso é contrário à sabedoria, pois o sábio, além de parecer sábio, é sábio. E mesmo que pareça louco - pois a sabedoria é loucura para o louco - será sábio (1Co 1.19-25). Assim, o vaidoso moral abomina toda repreensão, porque para ele parecer justo é mais importante do que ser justo; sendo assim se a sabedoria expõe a contradição do vaidoso entre aquilo que ele é e aquilo que ele se diz ser, então ele rejeitará o verdadeiro conselho da sabedoria e se refugiará na loucura, acusando a sabedoria, para continuar obstinadamente a sustentar a sua imagem de justo. Loucura é buscar o bem recusando o conselho da sabedoria. A recusa de se humilhar esmagará o vaidoso.

31, 32, 33)

וְֽיֹאכְלוּ מִפְּרִ֣י דַרְכָּ֑ם וּֽמִמֹּעֲצֹ֖תֵיהֶ֣ם יִשְׂבָּֽעוּ׃
כִּ֤י מְשׁוּבַ֣ת פְּתָיִ֣ם תַּֽהַרְגֵ֑ם וְשַׁלְוַ֖ת כְּסִילִ֣ים תְּאַבְּדֵֽם׃
וְשֹׁמֵ֣עַֽ לִי יִשְׁכָּן־בֶּ֑טַח וְשַׁאֲנַ֗ן מִפַּ֥חַד רָעָֽה׃ פ

"e comerão do fruto dos caminhos seus, e dos conselhos deles se saciarão. Porque a aversão do tolo os mata e a sensação de bem-estar dos dos loucos os destruirá. Mas o que me escuta habitará seguro, e estará tranquilo, longe do temor do mal".

    Assim a justa paga se estabelece: e comerão (וְֽיֹאכְלוּ) do fruto (מִפְּרִ֣י) dos caminhos seus (דַרְכָּ֑ם), e dos conselhos deles (וּֽמִמֹּעֲצֹ֖תֵיהֶ֣ם) se fartarão (יִשְׂבָּֽעוּ). Não se colhe o bem do mal. Dos caminhos maus só ao mal se chegará. Assim, cada qual chegará ao destino que perseguiu. Também, por falta de ciência, ao acolher o conselho louco o ímpio colherá a devastação - o que convém perfeitamente à justiça, justiça que é constitutiva à sabedoria. E assim continua a explicação: Porque (כִּ֤י) a aversão dos (מְשׁוּבַ֣ת) tolos (פְּתָיִ֣ם) os mata (תַּֽהַרְגֵ֑ם). Se a sabedoria é aversiva ao paladar do tolo, o que a ele será palatável? Observe que não há meio termo nessa questão, pois a versão à sabedoria conduz à destruição, pois a justiça divina é inexorável. Assim, a aversão do tolo o aniquila, e aniquila desde a própria tolice, pois o ser tolo é, para ele, a sua própria destruição. A tolice é a constrição, o sufocamento do espírito; é ser cego e perder a visão previdente pela qual evitamos as transgressões presentes apara não resvalarmos nossos pés sobre os males futuros. É por isso que se diz: e a serenidade (וְשַׁלְוַ֖ת) dos loucos (כְּסִילִ֣ים) os conduzirá à perdição (תְּאַבְּדֵֽם). Assim, tranquilidade do ignorante, aquele que é tal qual o pássaro que não desconfia da rede de captura (Pv 1.17), não desconfia da aproximação da sua própria ruina. No louco (כסל) há um hiato entre consciência e vontade, pois pode ser que ele mesmo saiba a direção certa, mas não tem disposição para segui-lo; contudo neste livro muitas vezes ocorre que o louco é apresentado como alguém em quem esse hiato se localiza entre o seu juízo e a realidade, pois seus juízos são antagônicos à realidade fundada na sabedoria. O louco é o homem do juízo desgovernado, e a sua absoluta loucura e a sua serenidade na loucura indica que ele não está a par da ruína que irá assalta-lo como um homem armado. Sendo assim, sua tranquilidade na iminência do desastre não suscita nele a preocupação que poderia fazê-lo se preparar para a defesa contra o mal. O justo sim se prepara para o dia mal, e assim ele estará seguro, porque ouviu a sabedoria.

    É assim que termina esse versículo: E o que escuta (וְשֹׁמֵ֣עַֽ) a mim (לִי) habitará seguro (יִשְׁכָּן־בֶּ֑טַח), e estará tranquilo (וְשַׁאֲנַ֗ן) longe do temor do (מִפַּ֥חַד) mal (רָעָֽה). Assim é aquele que, como sábio e prudente, guardou a sua vida ao ouvir a sabedoria, tal como o fiel que, ao ouvir a Palavra de Deus, estará livre do mal. Vejam novamente a identidade entre a sabedoria e a Palavra de Deus, pois ambas são uma única substância. Em contraste com o louco, que é refratário à sabedoria, o sábio é humilde e, curvado a sabedoria, a acolhe com docilidade. O homem prudente é suave aos clamores da sabedoria. Mas não entendemos o acolhimento sem o milagre, pois paradoxalmente só o sábio pode acolher a sabedoria, e assim só Deus pode incoar a graça pela qual o homem vem a ser sábio. Assim, só o homem que é de Deus ouve a Deus, e só o homem que está fora de Deus, rejeita a Deus. Contudo, o conteúdo de Provérbios quer ser paradigmático, e estabelece um modelo pelo qual o homem pode se colocar sob a luz da sabedoria para ver a si mesmo. Estando na sabedoria ele está prevenido do mal. Seus atos o protegem, e não são um laço para o seu caminho. Habita seguro porque ele está conformado àquilo que ele realmente deveria ser; assim, se a sabedoria sustenta e funda o mundo e a vida, o sábio estará protegido em sua própria vida, pois está conformado à própria sabedoria que ordena todas as coisas. O sábio constrói a si mesmo segundo a arquitetônica da vida, estando unido à ciência de Deus, o Deus eterno que é o fundamento de todas as coisas. Por tanto, afirmamos aqui o que quisemos demonstrara desde o início: a unidade do sábio com a sabedoria é a unidade absoluta do homem com o próprio Deus. Essa é a nossa habitação segura, porque segura por toda eternidade, porque por toda eternidade permanece o próprio Deus.

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