quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

Ἔχοντες οὖν ἀρχιερέα µέγαν; Ou: 8ª Exposição no Livro de Hebreus (4.14-16): O Sumo Sacerdote que Penetrou nos Céus

Texto grego de Hb 4.14-16
14 Ἔχοντες οὖν ἀρχιερέα µέγαν διεληλυθότα τοὺς οὐρανούς, Ἰησοῦν τὸν υἱὸν τοῦ θεοῦ, κρατῶµεν τῆς ὁµολογίας· 15 οὐ γὰρ ἔχοµεν ἀρχιερέα µὴ δυνάµενον συµπαθῆσαι ταῖς ἀσθενείαις ἡµῶν, επειρασµένον δὲ κατὰ πάντα καθ ὁµοιότητα χωρὶς ἁµαρτίας. 16 προσερχώµεθα οὖν µετὰ παρρησίας τῷ θρόνῳ τῆς χάριτος, ἵνα λάβωµεν ἔλεος καὶ χάριν εὕρωµεν εἰς εὔκαιρον βοήθειαν.

Introdução:

    O escritor da Carta aos Hebreus segue no serviço, digamos, apologético e com a finalidade de convencer os destinatários da carta a perseverarem na fé, ao invés de partirem para o abandono de Cristo em busca de alento diante da perseguição. É possível que não encontremos no Novo Testamento texto mais oportuno para explicar a principal e mais cruel das tentações: a tentação da apostasia. Quando Jesus ensina a orar, nestes termos: "e não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal", podemos ver implicado aqui o pedido para o livramento do pior dos males que é o abandono da fé. Os destinatários, ameaçados realmente com o desabar eminente da violência sobre eles, colocam às claras, nesta Carta aos Hebreus, o teor real da tentação da apostasia. É intrigante que haja a necessidade de uma apologia tão elaborada em relação à pessoa e ao ser de Cristo vir em auxílio daqueles que uma vez experimentaram os poderes do mundo futuro (Hb 6.5). Mas entendemos, não obstante, esse serviço como uma das formas do Espírito se comunicar com a Igreja.

Tradução e Comentário:

4.14) Ἔχοντες οὖν ἀρχιερέα µέγαν διεληλυθότα τοὺς οὐρανούς, Ἰησοῦν τὸν υἱὸν τοῦ θεοῦ, κρατῶµεν τῆς ὁµολογίας·: "Tendo (nós), pois, um sumo sacerdote que atravessou os céus, Jesus o Filho de Deus, retenhamos sob o nosso domínio a nossa confissão".
    Aqui vemos novamente uma apologia sobre a grandiosidade singular de Cristo. E até o presente momento o autor já explanou várias qualidades inigualáveis do ser de Cristo, e aqui em específico ele continua a expor a grandeza do ser de Cristo se valendo de várias comparações. O autor até o momento expôs a realidade de Cristo ser maior do que os profetas, tendo em vista a grandeza dos profetas (1.1); dizendo que por meio do Filho o Pai fez todas as coisas (1.2), que ele é a expressão exata do seu Ser (do Pai), sustentando pela sua própria palavra tudo o que há (1.3), sendo ele mesmo maior do que os anjos (1.4), sendo gerado - e não criado - por Deus (1.5), sendo ele adorado por anjos (1.6), assim como é tido como maior do que Moisés (3.3) e Sumo Sacerdote da nossa confissão (3.1). Agora, ao lado da confissão de que Jesus é o fiador da nossa aliança, aquele que nos justifica pela sua própria fidelidade, é acrescido é lembrado que ele atravessou os céus (διεληλυθότα τοὺς οὐρανούς). A qualidade inigualável e absoluta da pessoa, do ser e dos feitos de Cristo são expostos um a um para ficar patente aos olhos de todos que nada há igual a Cristo Jesus e nem tão pouco haverá. Cristo é apresentado como o absolutamente outro em relação ao qual, os nossos feitos, a nossa santidade e capacidade de justificação são como que pífios.

    Cristo é o sumo sacerdote de nossa confissão, e a qualidade daquilo que ele media para nós está à altura da qualidade da Sua pessoa, que é infinitamente maior do que Moisés e do que os anjos, cujas palavras ainda assim permaneceram firmes (2.2). Agora, se para aqueles há firmeza em suas palavras, quanto mais as palavras daquele que, como Filho de Deus, possui palavras sustenta todas as coisas? É esta grandeza que evidencia o teor da qualidade da aliança estabelecida em Cristo, que é aquele que atravessou os céus. Diante de tamanha grandeza qualquer tergiversar passa a evidenciar impiedade, desprezo pela grandeza daquele que por sua própria natureza não pode ser desprezado. Dentro dessa evidenciação, da apresentação eloquente da grandeza, majestade, superioridade transcendente e infinita de Cristo, o que o autor da carta procura é a dissuasão da apostasia e a presentar também as grandes promessas que estão atreladas ao ser de Cristo, que é absoluto; e justamente por isso o autor exorta a que os hebreus possam reter sob o domínio da vontade a confissão diante da ameaça da violência que eminentemente ameaça desabar sobre ele por causa da fé em Cristo. Manter a confissão firmemente é manter o acesso às promessas que só podem ser usufruídas por quem firmemente crê (Hb 11.6).

15) οὐ γὰρ ἔχοµεν ἀρχιερέα µὴ δυνάµενον συµπαθῆσαι ταῖς ἀσθενείαις ἡµῶν, πεπειρασµένον δὲ κατὰ πάντα καθ ὁµοιότητα χωρὶς ἁµαρτίας.:" Pois não temos um sumo sacerdote incapaz de estabelecer uma simpatia com as nossas fraquezas, mas um que, semelhantemente a nós, em tudo foi tentado, mas sem pecado".

    Aqui estão atrelada duas informações que permanecem um paradoxo: Aquele que penetrou nos céus é o mesmo que é capaz de estabelecer uma simpatia com as nossas fraquezas (συµπαθῆσαι). Não temos um Cristo apático, mas sim um Cristo simpático. E para além da informação um tanto quanto rasa sobre o que seria a simpatia, tal como aquela ideia que habita a cabeça de muitos, o termo simpatia é o resultado da junção de duas palavras gregas, que são συν + παθος, sendo que συν (sin) significa junto com; e παθος (pathós) significa afecção, sentimento, paixão, mudança, sofrimento, seja no bom ou no mau sentido. No caso em questão συµπαθῆσαι (simpathesai) tem o significado de sentir juntamente, ou mesmo de sofrer juntamente no sentido de se compadecer com aquele que sofre - alguma angústia psíquica, alguma dor física ou os dois ao mesmo tempo. O Cristo Todo Poderoso, aquele que penetrou os céus, se manifestando com inigualável poder pela ressurreição dos mortos, aquele que não apenas enfrentou, mas entrou na morte, superando a própria morte pelo poder do seu braço (Is 59.16), e se mostrou como O Cristo Invencível e O Eternamente Vencedor, esse Cristo supremo é o mesmo que tem compaixão para se compadecer por aqueles que padecem e são fracos o bastante para cair em tentação, já que Cristo mesmo, enquanto vivia entre nós, era rodeado de ameaças contra si, mas tinha força o suficiente para opor resistência. Por tanto Cristo, em sua humanidade, em tudo é semelhante (πάντα καθ ὁµοιότητα) a nós, à exceção do pecado, já que ele é sem pecado (χωρὶς ἁµαρτίας).

16) προσερχώµεθα οὖν µετὰ παρρησίας τῷ θρόνῳ τῆς χάριτος, ἵνα λάβωµεν ἔλεος καὶ χαριν ευρωμεν εἰς εὔκαιρον βοήθειαν".: "Nos aproximemos, pois, com ousadia do trono da graça para que recebamos misericórdia e encontremos graça para no tempo adequado".

    Ao temor da apostasia, ao medo da ameaça não se contrapõe a simples resistência, senão que também a coragem para recorrer a Deus, recorrência sem a qual não é possível qualquer resistência, porque sem recorrência a Deus não é possível nenhuma graça. Portanto, nos aproximemos com ousadia do trono da graça (προσερχώµεθα µετὰ παρρησίας τῷ θρόνῳ τῆς χάριτος). Isso é assim porque a resistência que podemos opor ao pecado e à ameaça, não é coisas que se faça com o nosso próprio poder, senão que também pelo poder da graça de Deus, já que, sendo o que somos, não podemos por nós mesmos resistir se isso a nós não for concedido. Se tivéssemos a nossa natureza intacta, pode ser que poderíamos opor resistência ao mal. Mas a nós isso não é possível sem a concorrência da graça que pode sustentar a nossa natureza, fazendo com que ajamos no sentido da resistência ao pecado e à obediência a Deus. É por isso que necessitamos da misericórdia de Deus, de sua intervenção para que o mal não ganhe sobre nós força insuportável. Sendo assim devemos resistir em oração, recorrendo ao trono da graça, que é um só para todos os que crêem, afim de que recebamos misericórdia (ἵνα λάβωµεν ἔλεος) e encontramos graça (χαριν ευρωμεν) no tempo certo, ou ao seu tempo para socorro (εἰς εὔκαιρον βοήθειαν).

    A última parte deste último versículo nos dá boa ocasião para nos lembrarmos que a graça espera, e espera para se manifestar a nós em um tempo oportuno. Aqui se exclui toda espécie de fanatismo extático que se quer atendido a todo instante, excluindo o tempo da devida espera. Não há vida cristã que possa ser construída sem espera, pois sem espera não há esperança. Aquele que quer a epifania da eterna presença deve entender que ainda não é o tempo estabelecido da parousia (presença). É por isso que aguardamos em fé e em oração para que possamos, no tempo adequado, necessário e estabelecido por Deus, termos de Deus aquilo que ansiamos. Oramos aqui não tanto para mover a Deus em seu Ser, mas para nos adequar a nossa vontade ao estabelecimento providencial de Deus com o qual ele move a história do mundo, Providência que tudo executa conforme a sua vontade, que é imutável. Quando a nossa vontade for a vontade de Deus, aí se cumpre a palavra que diz: Se vós estiverdes em mim, e as minhas palavras estiverem em vós, pedireis tudo o que quiserdes, e vos será feito (Jo 15.7), pois o nosso Sumo Sacerdote, é mais do que perfeito para nos atender adequadamente segundo a sua vontade e segundo aquilo que, nele, pedimos em oração.

4 comentários:

  1. Irmão, volte a postar aqui. Tens me ajudado muito para base filosófica! Deus o abençoe!

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    1. Estou postando bastante textos por aqui agora. É possível que este ano eu seja mais produtivo aqui do que os anos anteriores porque decidi incluir o blog como plataforma de postagens dos meus comentários bíblicos. Então farei diversas postagens sobre teologia bíblica, sistemática e filosofia também.

      Que Deus o abençoe.

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  2. Irmão volte com as postagens aqui no blog, são muito relevantes! Deus o abençoe

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