domingo, 17 de janeiro de 2021

Carta aos Colossenses 3.18-15: 13ª Exposição (Οἱ πατέρες): Os Deveres da Família

Texto grego de Colossenses 3.18-21
18 Αἱ γυναῖκες, ὑποτάσσεσθε τοῖς ἀνδράσιν, ὡς ἀνῆκεν ἐν κυρίῳ. 19 Οἱ ἄνδρες, ἀγαπᾶτε τὰς γυναῖκας καὶ µὴ πικραίνεσθε πρὸς αὐτάς. 20 Τὰ τέκνα, ὑπακούετε τοῖς γονεῦσιν κατὰ πάντα, τοῦτο γὰρ εὐάρεστόν ἐστιν ἐν κυρίῳ. 21 Οἱ πατέρες, µὴ ἐρεθίζετε τὰ τέκνα ὑµῶν, ἵνα µὴ ἀθυµῶσιν.

Introdução:

    Para fins de aplicação do texto, o trecho escolhido desta parte da Carta aos Colossenses vai de 3.18 a 3.21. Mas tenhamos em mente que nem o texto de Colossenses encontramos a palavra família, que não é exatamente aquilo que, segundo o modelo social que vigora hoje, entendemos por família, ou seja, um núcleo formado de pai, mãe e filhos. A constituição desse núcleo que Paulo tinha em mente era algo mais amplo, e não é sem razão que a porção mais exata do texto de Colossenses que reflete qual era a constituição desse núcleo não é resumido aos versículos 18-21, mas sim aos vs. 18-25, onde aí também são incluídos os servos, ou melhor, escravos (δοῦλοι).

    Portanto, é tendo em vista a constituição até mesmo social de hoje que essa perícope foi escolhida. Por isso não estou tomando outras "constituições" mais modernas de família, embora entendamos que um neto criado por avós, ou sobrinho por tios, é uma realidade, contudo entendemos elas como não paradigmáticas por motivos óbvios, embora absolutamente legítimas, com a implicação de que é plenamente possível transpor a relação de autoridade deste modelo paradigmático para outros tipos de família.

    Quanto à legitimidade dos "modelos" de família, excluímos toda possibilidade das relações entre homem e mulher, nas relações que lhes cabem, passarem à legitimidade em outros modelos, já que às tais constituições1 há inequívoca exclusão do campo da legitimidade por parte da própria Escritura Sagrada, não tendo também apoio para a sua legitimidade nem mesmo de acordo com a história da Igreja.

    Mas sigamos ao comentário do texto escolhido:

Tradução e Comentário:

18) Αἱ γυναῖκες, ὑποτάσσεσθε τοῖς ἀνδράσιν, ὡς ἀνῆκεν ἐν κυρίῳ. - "Esposas, se submetam aos seus maridos como convém no Senhor";

     Desse versículo de nº 18 podemos dizer que ele se trata de algo ruidoso, e quem sabe até mesmo insuportável para a sensibilidade moderna que é, em sua forma, fortemente horizontal, algo muito diferente da sociedade do Apóstolo Paulo que, em virtude até das demandas de sobrevivência, ausência de tecnologia que hoje tanto facilita a nossa vida, exigia uma diferenciação dos papéis dos homens e das mulheres de forma muito mais nítida do que hoje. Podemos aqui nos lembrar da frase radical de Thomas Hobbes (séc. XVII d.C) quando se referiu à vida da sua época como "solitária, pobre, sórdida brutal e curta". Apesar de essa frase ser dita no séc. XVII, ela é perfeitamente aplicavel às condições de vida do século I da nossa era - já que nem o I como XVII gozavam dos avanços da medicina e da técnica que hoje gozamos -, pois em relação a ela a nossa vida é algo como uma fruição do paraíso, já que qualquer pessoa de classe média baixa nosso século tem à mão mais recursos em termos de comunicação, saúde e alimentação do que qualquer rei da idade média.

    O fato de sermos contemporâneos de nós mesmos é algo que delimita o nosso horizonte de consciência, pois não temos capacidade de acompanhar a totalidade do desenvolvimento histórico, o que faz com que a própria história não seja acessível à nossa intuição mais imediata como é a dureza do chão sob os nossos pés. A história, para ser compreendida, deve ser descompactada por um processos longo e árduo de investigação e abstração para os quais poucos estão dispostos ou são capazes. Mas a questão mais importante para nós é que o fato de sermos contemporâneos de nós mesmos não delimita apenas o nosso horizonte de consciência, pois aqui há outro fator importante, que é o sermos contemporâneos de nós no tempo em que nos encontramos. Como dito anteriormente, o mundo tornou-se mais confortável ao homem, mas paradoxalmente com esse ganho veio juntamente uma perda: o homem perdeu contato com a sua própria humanidade: o conforto a viciou, intoxicando-a. Vejamos: a distinção especial entre os papéis dos homens e das mulheres eram em geral extremamente bem definidos, distinção essa que hoje, em muitos casos, é experimentada como uma fronteira fluida.

    A estrutura de uma família antiga não era simplesmente fruto de uma "ideologia de poder", uma "construção meramente social", mas sim algo como uma demanda da natureza: mulheres tinham filhos, amamentavam e a necessidade das coisas vertia as mulheres para dentro dos lares enquanto que os homens realizavam tarefas fora dos lares - como a caça, a defesa armada do lar e a guerra. A força física deve ser computada aqui: qualquer tribo que, como regra, colocasse suas mulheres na linha de frente de batalha, por exemplo, simplesmente estava pedindo pela sua extinção. Homens são, majoritariamente, e por natureza, fisicamente mais potentes quanto à força física do que as mulheres - não estou falando de resistência, mas sim de força. Homens demandam mais energia para existir do que mulheres, e daí lidam obviamente com mais recursos, além de serem fisicamente mais produtivos quanto aos trabalhos que demandam força física pesada. Em um período sem máquinas, a força física - que continua a ser importante hoje - é fundamentalmente importante. Some-se a força física e o papel mais público e menos doméstico dos homens às demandas como guerra e governo. Podemos dizer que a natureza selecionou por necessidade os homens para papéis de liderança fora do lar, dando ao homem um papel mais público. Aqui também afirmamos que a providência divina é quem cria as leis impostas aos homens como necessidade de natureza, mas não somente a necessidade, pois a possibilidade de exaurir certas demandas segundo a constituição física e psíquica diferenciada de homem e mulher são também naturalmente estabelecidas para um determinado fim.  

    Após o colhimento desse tipo de evidência, passemos para as considerações da Escritura. Fizemos aqui um exercício de buscar um respaldo na realidade daquilo que é uma afirmação da Escritura. Contudo confessamos que esse trabalho é evidentemente um luxo diante de uma imposição mais imediata da Escritura. Seria errôneo considerar que não é justo e conveniente à natureza humana aquilo que as Escritura apregoa, contraditando ou violentando a razão. A Escritura não ordena um ilogismo, mas sim algo que é plenamente compatível com a natureza humana, tal como o mandamento da submissão das esposas aos maridos tem a sua razão de ser, não violentando nem a razão e nem mesmo a natureza humana, mas sim a realizando, ou a direcionando para a sua plena realização.     Assim diz a Escritura: As esposas (Αἱ γυναῖκες), obedecei (ὑποτάσσεσθε) aos [vossos] maridos (τοῖς ἀνδράσιν). Não nos ordenaria assim a Escritura se isso não fosse proveitoso para nós e para a nossa felicidade. A expressão obedecei (ὑποτάσσεσθε) é evidentemente clara e usada no Novo Testamento em outros textos, como é o caso em que, por exemplo, devemos obedecer ao Evangelho (2Co 9.3). Há evidente clareza na teologia do Apóstolo Paulo de que há um dimensão vertical ou hierárquica nas relações entre homens e mulheres. Entendamos que a questão aqui não entra na relação de valor, como se a alma do homem fosse a Deus mais cara do que a alma da mulher. Preste bem a atenção que a hierarquia aqui é mais funcional do que axiológica. Entendamos: O Pai não é mais do que o Filho, embora Deus seja o cabeça de Cristo2. Sendo assim, a mulher na Escritura foi criada para possibilitar a realização da humanidade comum ao homem e à mulher, sendo o homem o cabeça da mulher. Sabemos que muito teríamos o que dizer quanto a isso, mas o que afirmamos aqui está proporcionado ao bem, tanto do homem quanto à mulher, pois ao pai de família foi dado o papel representativo do lar como chefe da casa, ou como o responsável por colocar a casa sob certa ordenação a um determinado fim - cuja meta é o bem.     Por tanto afirmamos o que afirmamos como um direito divino do homem à submissão da mulher - mas não falamos isso aqui em termos absolutos, pois à mulher não está facultada nenhuma submissão que desonre a Deus, algo que viole seu corpo ou a sua honra, ou a algo que viole o fim. É por isso que afirmamos o que afirmamos segundo um estado de bondade essencial, pois à mulher foi concedida a inteligência pela qual o julgamento do certo e do errado é possível, pois sem inteligência não seria possível até mesmo a ordenação da mulher ao fim inteligível do qual ela mesmo é plenamente apta à participação. Nesse sentido, afirmamos o que afirmamos como uma submissão funcional, pois ela, a obediência, nem é um fim em si mesmo, e nem visa ao bem propriamente do homem em sentido total, o que seria egoísmo grosseiro, mas sim a uma condução divina das coisas, pois o homem, em termos bíblicos, necessita da mulher para o seu próprio bem, e esse necessitar confere honra e grandeza para a mulher, assim como certo poder da mulher sobre o homem. Também não afirmamos que a mulher é inábil para a decisão do bem público, que não tenha inteligência prática ou coisa parecida; o que afirmamos é que a justa harmonia humana passa pela consciência de que a mulher é portadora de uma potência que o homem não possui e que o homem detém também uma potência que a mulher não tem e que é nessa justa harmonia que as notas da humanidade resplandecem e se manifestam com uma sonoridade que, para o mundo, desenha o bem de forma concreta no mundo.

19) Οἱ ἄνδρες, ἀγαπᾶτε τὰς γυναῖκας καὶ µὴ πικραίνεσθε πρὸς αὐτάς. - "Maridos, amem as suas esposas e não sejam amargos para com elas".

   Se o homem, no casamento, possui real direito divino a que a mulher seja ordenada à missão que Deus lhe entregou, o homem deve honrar a mulher como membro fundamental desta missão e sem a qual tal missão nem mesmo seria possível. As palavras do Novo Testamento parecem diminuir a importância da mulher, mas seria falso pensar isso, pois o que Paulo faz é colocar as coisas em sua devida perspectiva. Portanto, se o homem tem o direito divino a que a mulher seja ordenada à finalidade à qual Deus o ordenou, a mulher, por sua vez, possui o pleno direito divino ao amor concreto do homem, amor concreto porque manifesto em atos e em sacrifícios. Tal direito é vitalício. Então, se a humanidade da mulher no casamento não pode ser aperfeiçoada sem passar pela humanidade do homem, da mesma forma a humanidade do homem não pode ser aperfeiçoada sem passar pela humanidade da mulher. Cada qual, homem e mulher, servem, e sempre servem naquilo que lhe é próprio, o que exige atos difíceis, porque atingir o fim é sempre o ato mais difícil para criaturas como nós, já que isso visa a realização da razão pela qual a humanidade é constituída. Nesse sentido não é a "servidão" o que é o visado, mas sim o aperfeiçoamento, pois tanto o exercício da autoridade (no caso do homem), tanto quanto a reclamação do direito (por parte da mulher) jamais são fins, mas sim meios pelos quais se atinge o fim.

    O texto bíblico diz: Maridos (Οἱ ἄνδρες), amem as [suas] esposas (ἀγαπᾶτε τὰς γυναῖκας), e não [sejam] amargos com elas (καὶ µὴ πικραίνεσθε πρὸς αὐτάς). Então vemos o Apóstolo lançar mão do seguinte recurso para fins de esclarecimento da ordem, já que é um recurso extremamente proveitoso elucidar um conceito pelo seu contrário. Ao ordenar que os maridos amem (ἀγαπᾶτε), o apóstolo ordena também que os maridos não tratem as esposas com rancor e amargura. A palavra πικραίνεσθε vem de πικραινω, que não significa apenas amargor, carregando também o sentido de aspereza, rudeza, rispidez e até mesmo, crueldade. Para o marido, o amor do qual ele é devedor para com a esposa exclui o πικραινω (pikrainô), a amargura ríspida que conduz ao trato com crueldade.     Aqui se faz importante falar mais extensamente sobre um conceito a respeito do qual falamos apenas de relance, que é sobre a questão da bondade essencial. Destacamos aqui a distinção entre existência e essência, distinção que também podemos fazer usando os termos ser e dever ser. Afirmamos a realidade de uma justiça paradigmática, ou de uma realidade essencial que na Escritura se refere ao estado puro do homem pré-lapso (pré-Queda). É justamente esse estado de justiça paradigmático, ou o estado de essência que se contrapõe ao estado de existência, ou o estado pós-lapso (pós-Queda), o nosso estado, o estado onde o ser, a realidade atual, se contrapõe ao dever ser, àquilo que deveríamos ser mas não somos. Afirmamos a realidade humana atual como uma realidade em estado fragmentário, um estado de fratura causado pelo pecado, estado onde estamos fora da realização do fim para o qual fomos por Deus ordenados. Obviamente que essa fratura da nossa natureza e da nossa unidade com Deus, onde realizamos o nosso fim absoluto, afeta todas as nossas relações, e não poderíamos deixar de abarcar aqui as relações entre homem e mulher, assim como entre pais, mães e filhos.

    A conclusão que em relação a isso podemos chegar é que tanto a submissão da mulher quanto o amor devido do homem permanecem como realidades paradigmáticas da verdadeira humanidade, e, enquanto tal, tanto é a esse paradigma a que se refere toda a ordenação paulina quanto é apenas pela cura da criatura que esse estado de essência e liberdade pode ser atingido. Ao homem permanece a realidade do dever ser pelo qual seus atos justos em relação à mulher são medidos, medida à qual o homem deve se submeter de forma incondicional, já que é a medida de Deus, sendo o realizar essa obediência algo possibilitado pela graça em Cristo.

20) Τὰ τέκνα, ὑπακούετε τοῖς γονεῦσιν κατὰ πάντα, τοῦτο γὰρ εὐάρεστόν ἐστιν ἐν κυρίῳ. - "Filhos, ouvi [e obedecei] aos seus pais em tudo, pois isto é agradável ao Senhor".

    Nesse ponto, os filhos também estão ordenados à obediência aos pais por amor a Deus, e para a realização de si mesmos. O texto diz: Filhos (Τὰ τέκνα), ouçam (τοῖς ὑπακούετε) aos [seus] genitores (γονεῦσιν) em tudo (κατὰ πάντα). E esse versículos, nesta parte, nos remete bastante a Pv 1.8, que diz: Ouça, filho meu, a disciplina do teu pai e não deixes a instrução da sua mãe. No caso de Provérbios, vemos que disso depende a sabedoria, e a boa vida, tal como é explicitado também no Quinto Mandamento, algo a respeito do qual já discorremos aqui.

    O mandamento paulino em relação aos filhos não pode deixar de ser visto como algo visceral, tal como vimos nos vs. 18 e 19. As palavras κατὰ πάντα (kata pánta), que significam segundo tudo ou em tudo, nos remetem a uma sensibilidade que já esteve mais presente em um tipo de sociedade mais verticalizada do que a nossa, palavras que nos levam ao que os romanos chamavam deveres de piedade. A piedade envolve obrigações e vínculos que não necessariamente escolhemos e em relação aos quais somos obrigados pela natureza das coisas. O dever dos filhos em relação aos pais, ou o dever dos homens em relação às suas mulheres, e das mulheres em relação aos seus esposos, têem uma natureza distinta das relações que convencionalmente estabelecemos, e englobamos aqui nesse gênero de obrigações aquelas que dizem respeito ao nosso país e mesmo aos nossas obrigações em relações a Deus. Tais obrigações - que envolvem o casamento -, são obrigações às quais estamos atados não porque escolhemos os termos da relação, mas sim porque essas obrigações derivam da realidade de sermos o que somos. A impiedade é a quebra dessas relações. Ainda que devamos estabelecer certas divisas sobre a piedade nesse tipo de relação, até mesmo quanto à viabilidade da quebra dessas relações, a palavra paulina sobre a obediência devida em tudo (κατὰ πάντα) enfatiza muito mais o tipo de relação viceral - e de obrigação também - que existe entre pais e filhos, pois é extremamente difícil - mas não impossível - sabermos quando não devemos obedecer aos pais. É Certo que segundo Jesus e a Escritura, há uma hierarquia de honra e obediência, quando, por exemplo, o dever a Deus, sob o qual o dever aos pais está subjugado, deve ser levado adiante independentemente da vontade dos pais (Dt 33.9; Mt 10.37).

   Entendida essa questão, devemos esclarecer o sentido de "pois isso é agradável no Senhor" (τοῦτο γὰρ εὐάρεστόν ἐστιν ἐν κυρίῳ). O critério da verdade do mandamento é que isso é intrínsecamente justo, como também agradável no Senhor (εὐάρεστόν ἐστιν ἐν κυρίῳ), pois e o nosso critério de juízo sobre o justo é o agrado do Senhor. E o que é agradável ao Senhor é naturalmente bom para nós, já que a vontade do Senhor é, por natureza, boa, perfeita e agradável (Rm 12.2). É por isso que insistimos que a submissão ao Senhor é o meio da realização da nossa humanidade, e permanece, acima de nós, a lei de Deus como paradigmática, porque a lei de Deus é a humanidade em forma de mandamento.
   
21) Οἱ πατέρες, µὴ ἐρεθίζετε τὰ τέκνα ὑµῶν, ἵνα µὴ ἀθυµῶσιν. - "Pais, não provoquem os seus filhos, para que eles não desanimem.

   Notamos no versículo a mesma estrutura de obrigações e direitos que já percebemos nas relações entre maridos e mulheres. Reafirmamos como cristã uma máxima do direito romano: suum cuique, ou seja: cada qual com o seu, o que significa, a cada um aquilo que lhe é devido. Afirmamos a obrigação de cada qual segundo a sua capacidade e segundo a sua natureza, e o direito de cada qual segundo aquilo que lhe é devido. Então, se o homem tem o direito a que a sua esposa seja ordenada segundo aquilo a quê, por Deus, ele foi ordenado, se afirma o direito da mulher a que o homem a ame, a respeite e por ela se sacrifique segundo a medida do amor de Cristo (Ef 5.25). De forma idêntica, tal como se afirma na Escritura o direito dos pais de serem ouvidos ou obedecidos pelos filhos, também afirmamos o direito dos filhos que os pais não os provoquem (ἐρεθίζετε), afim de que eles não desanimem (µὴ ἀθυµῶσιν).

    É nessa equalização entre direitos e deveres que o apóstolo monta o paradigma da relação harmoniosa e mesmo sinfônica no núcleo familiar, evitando abusos, abusos dos quais temos inúmeros exemplos por via da experiência. Paulo aqui não visa simplesmente estabelecer uma hierarquia, como se ela fosse um fim em si mesma, mas um meio para a realizações de um bem, pois o abuso ocorre onde há diretos sem deveres, assim como deveres sem direitos. Sabemos, que, como cristãos, tudo devemos uns aos outros. E em relação aos pais eles mesmo tem deveres de piedade para com os filhos (direitos intrínsecos ou naturais). E tal dever para com os filhos existem pelo simples fato de serem o que são, ou seja, pais. O texto aqui traz a palavra πατέρες, que se refere aos pais, e não diretamente às mães, embora isso seja suposto. Contudo, sabemos que a experiência de autoridade está muito vinculada à figura paterna, incluindo aí abusos de autoridade - e isso mesmo pela nossa cultura de hoje. Sendo assim, o versículo convida os pais a uma moderação no trato, algo que é fruto de uma inteligência que reconhece que a autoridade jamais pode ser compreendida como um fim, mas sim como um meio conducente a um fim, que é o bem, e é sempre tendo isso em vista que toda autoridade é estabelecida, assim como realizada.

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1] Se engana quem pensa que neste aspecto enquadramos a homossexualidade à exclusividade das práticas negadas segundo a S.Escritura. Há muitos mais modelos negados na Escritura, além do modelo de relação homossexual, se enquadrando aqui modelos que podem ser praticados por heterossexuais também, como é o caso das relações adulterinas, incestuosas não bígamas etc. 2] No livro "A Trindade", afim de equalizar a afirmação que Jesus fez do Pai, dizendo que Ele era "maior" (Jo 14.28), Agostinho faz o jogo dinâmico, característico da sua teologia, diferenciando a humanidade de Cristo em sua natureza e a divindade de Cristo quando à sua natureza. No livro I.7 Agostinho afirma estas palavras: "...quem há que não compreenda que na forma de Deus, ele é superior a si mesmo [como Deus é maior do que a humanidade] e, na forma de servo, é também inferior a si mesmo?" (Cf.), ou seja: sendo Cristo completamente Deus e completamente homem, sendo Deus Cristo é maior do que a sua humanidade; mas sendo homem ele é menor do que a sua divindade. Não obstante a isso Jesus é uma única pessoa completamente divina e completamente humana. Sendo Deus, é igual ao Pai, mas sendo homem, é menor do que o Pai (Cf. Jo 14.28).

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