sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

Pápias, a Tradição Oral e a Fraqueza Apologética

    Não é incomum que apologistas católicos se fiem na tradição oral contra o protestantismo. E nem é incomum citar teólogos ou presbíteros antigos para afirmar o alto valor da tradição oral. Entre os teólogos citados está Pápias, que por ter vivido entre o fim do séc. I e a primeira metade do séc. II ( por volta dos anos 70 d.C a 140 d.C), pode ser evocado como testemunha de imenso valor.

    De fato essa é um dito de Pápias preservado na citação de Eusébio de Cesaréia em HE III.XXXIX.4: "Não pensava serem tão úteis os ditos provenientes dos livros quanto o que deriva de uma palavra viva e permanente". E a intenção da apologia católica romana é com isso dizer que há mais valor para a transmissão da informação de viva voz do que a transmissão por palavras registradas em qualquer livro. Mas aqui há certa confusão.

    Não negamos que no caso de Cristo a transmissão oral da doutrina seja infinitamente superior em unção e transmissão da realidade do que o registro escrito. A questão nem é essa. A questão é se a cadeia ininterrupta de transmissão pode se sustentar desse modo. Como diz o adágio: verba volant, scripta manent (palavras faladas voam, a escrita permanece). E justamente o próprio Pápias pode disso ser um testemunho, ao menos contra as pretenções da apologética católica na defesa da tradição oral.

    Mas para explicar a questão, vou recorrer aos fragmentos assinalados comentados por Eusébio.

    Diz Eusébio:

    O mesmo Pápias, contudo, acrescenta outras coisas que lhe teriam sido transmitidas por tradição oral, certas parábolas estranhas atribuídas ao Salvador, determinados ensinamentos esquisitos e outras coisas um tanto fabulosas.
    Afirma, por exemplo, que haverá mil anos após a ressurreição dos mortos e que o reino de Cristo se realizará materialmente aqui na terra. Penso que assim opinou por ter entendido erroneamente as narrações dos apóstolos, e não ter apreendido o que eles disseram figurada e simbolicamente.
    Na verdade ele parece ter tido pouca inteligência, como é possível constatar por seus livros; contudo, foi causa de que grande número de escritores eclesiásticos posteriores tenham adotado a sua opinião, fiados em sua antiguidade. Isso aconteceu a Irineu [de Lyon] e a outros que tiveram idêntico parecer (EUSÉBIO - História Eclesiástica. III.XXXIX.11-13).
    De duas uma: 1) ou Pápias está certo, e a Tradição oral é válida; 2) ou a teologia católica está certa, pois tem a condenação ao milenarismo como coisa de fé.
    Se 1 estiver certo, e a tradição oral for invicta, a teologia católica estará errada; se 2 estiver certo a tradição oral é impotente para transmitir a "verdade de sempre", e a teologia católica que é contra o milenarismo estará também errada por afirmar a realidade invicta de algo francamente falho como a tradição oral.
    Nos dois casos a apologética católica romana ao se valer de Pápias para fortalecer a tese sobre a tradição oral tem o efeito reverso de, na verdade, enfraquecer ou a tradição oral ou a dogmática católica. Mas em todos os casos é a pretensão católica romana que sai enfraquecida.
    Em suma, o que eu pretendi mostrar com o texto é basicamente o seguinte: 1) Pápias é tido como o grande defensor da "tradição oral"; 2) no entanto ele acreditava em milenarismo; 3) A escatologia católica romana considera o milenarismo heresia; 4) Se Pápias estiver certo, a dogmática católica romana está errada; 5) se a condenação ao milenarismo estiver certa, a defesa da tradição oral padece de imensa fraqueza e o catolicismo tem em suspeição doutrinas defendidas à margem da Escritura.

Um comentário:

  1. Não é uma questão de erro ou de acerto,no século l e ll estavam sendo escritos os livros do novo testamento, começando pela primeira Carta de Paulo aos Tessalonicenses,ano 50,seguido depois o evangelho de Marcos,e outros muitos escritos,como evangelho de Pedro, evangelho de Tomé,Atos de Paulo história de Maria,etc havia muitas misturas de doutrinas, principalmente dos antigos judeus convertidos,o catálogo ou Canon irá acontecer bem mais tarde.A obra de Papias tem seu valor, enquanto esclarece assunto importantes da época, contribuindo em alguns aspectos e outros não,como é o caso do milenarismo que mais tarde será interpletado não como um período de 1000 anos e sim um algo simbólico da Igreja primitiva.
    Outro caso é o conceito de Trindade Santa,que era aceito por uns e negado por outros e claro em alguns textos de Mateus e mais definido no evangelho de João,um dos últimos livros livros do cânon.
    Cabe ressaltar que esses escritos: Papias e outros não são inspiração pura e Apostólica,tem fontes de referência da Igreja da época em formação.
    A Tradição Oral não está acima da bíblia e sim ao lado junto com o Sagrado Magistério Apostólico.
    A Bíblia nasceu da Tradição Oral e do Tesmunho dos Apóstolos,a esses três pilares está a Igreja Católica.

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