quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Última Reflexão do Ano: Fatos de uma realidade sombria e o Cristo Vencedor

     O ano nos deixa, e com ele permanece o dever de refletir o seu legado afim de que, no mínimo, possamos saber onde estamos e, compreendido isso, para onde vamos. Seria mais do que as minhas forças me possibilitam refletir sobre a totalidade do ano que se vai, mas a fim de uma conveniência maior, faço um determinado recorte a respeito da agressividade de um evento que nos assusta no apagar das luzes de 2020. Com isso me refiro à legalização do aborto na Argentina, nosso vizinho de continente. 

    Muito se evidenciou para a contradição evidente entre a existência de um papa argentino e a aprovação do aborto. Isso não deveria assustar à luz da realizada de que na existência de papas europeus, isso nem sempre foi problema na Europa. Obviamente que em um contexto moral aparentemente mais seguro como o da América Latina, mesmo à luz da decadência visível do poder de influência da Igreja Católica Romana, uma mudança na legislação  coloca à luz do dia a violência corrosiva do ethos moderno. Sempre será percebido com um susto esse tipo de virada, principalmente no campo do direito o qual tem se tornado cada vez mais impermeável à moral cristã.

    É hora de admitir o que se perdeu, para não nos tronarmos cegos a respeito dos lugares que o cristianismo não ocupa mais. Não estou propondo aqui uma elegia, mas sim dar a entender que lá se vão os tempos em que Churchill poderia apelar, por exemplo, à necessidade de defesa de um Ocidente cristão diante da ameaça nazista. Lá se vão os tempos em que Karl Barth, na eminência da segunda guerra, compunha um texto refletindo em que medida a justificação concedida por Cristo, a paz e a justiça do Reino de Deus poderiam estabelecer um direito humano, para logo depois convocar por um raciocínio teológico a Suíça para a defesa das fronteiras contra o ataque nazista.

    Entendamos um ponto nessa questão: mesmo na Alemanha Nazista, período de notória apostasia e avassalado avivamento do paganismo, mesmo ali era necessário um apelo quase alucinante à heresia. Em 1933 a questão do "bispo do Reich" virou assunto do ano com várias reviravoltas. O estabelecimento de uma "Igreja do Reich", que para nós parece uma abominação incompreensível, nada mais queria do que ser um processo de unificação de uma igreja nacional - algo que parecia, ao olhos da época, até bem uma preocupação espirituosa para o povo longe do centro dos eventos, já que a intervenção assídua do governo nazista nessa questão não deixou os mais avisados no engano. Mesmo discursos teológicos sinistros e aberrantes, como a exclusão dos judeus da "Igreja do Reich" era algo dissimulado, falsamente se apelando para a Escritura. Nem mesmo a aberta pregação do paganismo poderia deixar alguns teólogos mais cínicos se desperceberem do fato de que a construção de um abominável "Kristo" nacional com "K" era algo necessário. Bons tempos de heresia em que a maldade flagrante deveria ser camuflada com um cristianismo deturpado para obter a aprovação nacional. Hoje se faz tudo às claras. 

    O poder cultural do cristianismo vem esmaecendo, e mesmo o avivamento do sentimento cristão nos últimos 20 anos no Brasil não pode nos deixar confiante, pois a tentação pelo poder vem capitulando esse sentimento cristão para desvia-lo em favor do poder político que, em não poucas partes, se mostra abertamente hostil ao conteúdo da fé cristã. Nas eleições passadas todos os espectros políticos dos presidenciáveis teve que se mostrar, ao menos em parte, um pouco cristão. Mas a capitulação a esse tipo de engodo por grande parte dos evangélicos já dá certo vislumbre da degradação porvir.

    Por hora o que nos cabe é orar e celebrar a fé, mantendo certa tensão e estado de vigília, afim de que não escorreguemos, com a nossa própria anuência, e força da nossa própria negligência, para dentro da boca da besta que, ao fazer um acordo conosco, no fim das contas, tem o evidente desejo de nos direcionar a um falso paraíso que nada mais é do que um matadouro.

    Mas Cristo é o nosso Deus, ele é a nossa esperança feliz e bem-aventurada; Cristo é o Sim para nossa vida diante do pequeno não do nosso mundo. Cristo nosso Deus, o Deus-homem que se Deus para todo o homem. A fé aqui recebe a sua luz diante do nosso presente, que ainda que sombrio, envolto em luto, tem sobre si a promessa da glória que não pode ser detraída em função do clamor profano dos nossos tempos. Não são fatos como os listados acima que poderá nos deixar de sobressalto, mais do que nos conforta a esperança que nos dá o Cristo que aceitou a cruz por todos nós. Ainda que aqui eu faça à constituição dos tempos uma oposição radical e inflexível, é sempre bom conservar em mente que é das trevas que nasce a luz, e nasce não por uma qualidade especial nas trevas, mas sim porque apesar delas Deus é constante em sua realidade de Ser Deus. Nada pode ser mais pesado, poderoso, triunfante e inexorável como Deus quando opõe a sua Palavra ao nosso mundo.

    Sendo assim podemos dizer confiantemente: Sua misericórdia onipotente sobre nós triunfará!

    É aqui que me é dada a possibilidade de dizer: Feliz ano novo e um próspero 2021.

    Que Deus abençoe a todos nós.

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