quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Picco dela Mirandola, a Metamorfose Espiritual e a Dialética Simbólica

    Até mesmo a mais secreta teologia hebraica, de facto, transforma ora Enoch santo no anjo da divindade, ora outros noutros espíritos divinos. E os pitagóricos transformam os celerados em bestas e, a acreditar em Empócledes, até mesmo em plantas. Imitando isto, Maomé repetia várias vezes e com razão: "quem se afasta da lei divina se transforma em uma besta". De fato, não é a casca que faz a planta, mas a sua natureza entorpecida e insensível; não é o couro que faz a jumenta, mas a alma bruta e sensual; não é a forma circular que faz o céu, mas a recta razão; nem é a separação do corpo que faz o anjo, mas a inteligência espiritual. Por isso, se virmos alguém dedicado ao ventre rastejar por terra como serpente, não é homem o que vê, mas planta; se alguém cego; se alguém cego, como calipso, por vãs miragens da fantasia, seduzido por sensuais engodos, , escravo dos sentidos, é uma besta o que vemos, não é um homem. Se é um filósofo que discerne com reta razão todas as coisas, venerá-lo-emos, é animal celeste, não terreno. Se é um puro ser contemplante, ignaro do corpo, todo embrenhado no âmago da mente, este não é animal terreno, nem mesmo celeste: é um espírito mais elevado, revestido de carne humana. Quem pois não admirará o homem? Que não por acaso nos textos mosaicos e cristãos é chamado ora com o nome de cada ser de carne, ora com o de cada criatura, precisamente porque se forja, modela e transforma a si mesmo segundo o aspecto de cada ser e a sua índole segundo a natureza de cada criatura*.

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*] GIOVANNI PICO DELLA MIRANDOLA - Discurso sobre a Dignidade do Homem; ed. 70. p. 61

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