quarta-feira, 10 de novembro de 2021

As Setenta Resoluções de Jonathan Edwards: 16ª Resolução

16ª Resolução: Resolvi jamais falar mal de qualquer pessoa, em qualquer grau de intensidade, ou em qualquer caso, de forma que haja a possibilidade de trazer-lhe desonra, a não ser que isso seja feito para bem real.    

    O falar mal é um assunto controverso e de difícil compreensão em função das várias lateralidades que a matéria possui. Quando falamos de lateralidade queremos dizer as nuances que um assunto comporta - ou os vários lados e ângulos pelos quais um assunto pode ser visto -, e principalmente quando observamos como a nossa própria mente funciona, pois é impossível passarmos a vida inteira sem que, ao menos mentalmente, façamos um juízo negativo ou depreciativo de alguém, e falo isso porque se falar mal de alguém é algo mal, a sua raiz, que é pensar mal, também será algo ruim. Mas será que as coisas são assim mesmo? Ou será que na Palavra de Deus há uma proibição absoluta sobre emitir qualquer juízo negativo sobre quem quer que seja? A resposta é não, e a razão disso tentarei expor no que segue.

    Um texto emblemático para essa discussão é o texto do Sermão da Montanha, tal como registrado em Mt 7.1-5: Não julguem, para que vocês não sejam julgados. Pois da mesma forma que julgarem, vocês serão julgados; e a medida que usarem, também será usada para medir vocês. Por que você repara no cisco que está no olho do seu irmão e não se dá conta da viga que está em seu próprio olho? Como você pode dizer ao seu irmão: 'Deixe-me tirar o cisco do seu olho', quando há uma viga no seu? Hipócrita, tire primeiro a viga do seu olho, e então você verá claramente para tirar o cisco do olho do seu irmão. Aqui existe aquilo que chamamos de conselho de prudência, que é muito diferente de uma proibição absoluta. A razão desse nosso juízo é que essa parte do sermão Jesus nos confronta com o fato de que a apreciação negativa que podemos fazer de alguém - ou o juízo negativo - é algo que também deve nos enquadrar para ser verdadeiro - o que condenamos em outra pessoa deve ser condenado em nós, se esse erro se fizer presente em nós mesmos. Jesus poderia apontar o pecado alheio sem que esse juízo recaísse sobre si, mas nós dificilmente podemos contar com essa vantagem, pois pecamos e somos pecadores. Bem interpretado o texto nos leva à consideração de que devemos ser cautelosos em nossas condenações em relação aos outros pois, como diz Jesus aqui no versículo citado: a medida que usarem, também será usada para medir vocês.

    Algo bem diferente de tudo o que foi dito é que devemos silenciar o nosso juízo quanto à consideração sobre a verdade das pessoas e o valor dos seus atos. Se numa ponta extrema existe o hipócrita que condena acaloradamente o pecado alheio enquanto que ele deliberadamente oculta todos os pecados que são seus, vindo a ser uma pessoa injusta por causa disso, numa outra extremidade está o comportamento de, a pretexto de bondade, ignorar tudo o que é nocivo em uma pessoa. Se de um lado temos o comportamento hipócrita e sem misericórdia, numa outra ponta temos o comportamento leniente e até mesmo covarde em evitar qualquer consideração sobre o mal de quem quer que seja. Em todos os casos temos um terreno fértil para a propagação de abusos e de injustiças. Não é assim que a Escritura nos orienta viver e pensar, e se prestarmos atenção nas palavras dos Apóstolos e dos Profetas é impossível que seus ensinos e profecias sejam como são se tirarmos deles os juízos negativos reais sobre pessoas específicas e mesmo sobre nações inteiras. Em 3Jo 1.9-10 o autor da epístola descreve o mal-proceder de Diótrefes. Não se trata de uma calúnia, mas sim de uma descrição de um fato. Nesse sentido estamos no mesmo espírito do 9º Mandamento, que em Êx 20.16 diz: Não darás falso testemunho contra o teu próximo. Falar a verdade, não é falar mal.

    Contudo, nem sempre é conveniente falar tudo sobre todas as coisas, nem mesmo sobre os pecados alheios - quem nisso se deleita está doente de espírito. O bom senso nos ensina que devemos ser moderados em nossas palavras, modulando-as com o amor devido. E aqui podemos entender o uso das nossas palavras, visto pelo ângulo vocação da Igreja, na exata proporção da vocação de Cristo, como em Lc 9.51-55: Aproximando-se o tempo em que seria elevado ao céu, Jesus partiu resolutamente em direção a Jerusalém. E enviou mensageiros à sua frente. Indo estes, entraram num povoado samaritano para lhe fazer os preparativos; mas o povo dali não o recebeu porque se notava em seu semblante que ele ia para Jerusalém. Ao verem isso, os discípulos Tiago e João perguntaram: "Senhor, queres que façamos cair fogo do céu para destruí-los?". Mas Jesus, voltando-se, os repreendeu, dizendo: "Vocês não sabem de que espécie de espírito são, pois o Filho do homem não veio para destruir a vida dos homens, mas para salvá-los". Assim, se a vocação de Cristo é salvar e não destruir, da mesma maneira as nossas palavras a respeito de que assunto for devem ter a finalidade de salvar e instruir e não de destruir. Também, a menção do pecado alheio, mesmo que venha carregada do peso da reprovação, deve antes de tudo nos alertar sobre os nossos próprios pecados, estando excluída qualquer forma de maledicência torpe.

    A partir de tudo isso podemos entender a resolução do pastor como evitar trazer infâmia para quem quer que seja, atribuindo ao outro aquilo que não lhe é devido. Quem assim procede destrói a imagem do próximo; tropeça e ainda faz tropeçar. Quem traz desonra gratuitamente sobre quem quer que seja está já sob juízo, pois aborrece sem necessidade o seu próximo, se portando como o mentiroso que por definição está excluído do Reino de Deus (Ap 22.15). Mas a descrição de um fato sobre alguém que em seu pecado se destrói e faz destruir não pode ser pecado, pois ilustra uma verdade que bem aproveitada pode salvar a todos nós, mesmo aquele de quem se fala, ou seja, aquele que comete o pecado.     

    Ajude-nos a ser sábios e a guiar as nossas palavras para o bem, Senhor!

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