quarta-feira, 17 de novembro de 2021

Platão e a Relação entre a Geografia e as Virtude

    Platão é aquele filósofo que vai te oferecer uma explicação genética (de origem) dos costumes (ethos) dos povos, e de sua constituição política, tendo como pano de fundo a relação entre esse povo e sua posição geográfica - proximidade ou distância do mar, estabelecimento em lugares planos ou montanhosos, desertos ou lugares férteis etc. Esse é um discernimento comum dos povos antigos e que na modernidade ganhou uma atenção renovada em Jean Bodin (em sua filosofia política), em Kant e também em Hegel no seu livro "A Razão na História".

    Na minha infância era muito comum eu ouvir que o Brasil era um país que tinha tudo para dar certo pela ausência de situações naturais adversas, ou seja, sem terremotos, furacões ou climas extremos, contando ainda com terras extremamente férteis. Platão diria que, em certo sentido, essa ausência de adversidades é algo péssimo para o exercício da virtude, pois certa adversidade oferece a ocasião para o fortalecimento do caráter, enquanto que a ausência de adversidades cria ocasião para a frouxidão moral, gerando a degradação dos povos.

    Mas uma dúvida pode ter surgido diante da descrição da realidade do Brasil como um país sem situação natural adversa, pois: o Brasil não é um país onde há abundante sofrimento? Temos que discernir algumas coisas aqui:

    1) A realidade do Brasil sem maiores situações adversas diz respeito à sua geografia e condição climática na grande parte do seu território, e não à sua situação cultural degradada. A própria realidade de uma condição geográfica, em seu sentido mais lato, não adversa pode criar situações de cupidez, avareza, melancolia e desencorajar a amizade política, quando em uma situação difícil toda a população se une em um propósito comum.

    2) A condição natural adversa cria a ocasião para a produção de algo que é fundamental como categoria das ciências políticas em Platão, que é a "amizade", a "solidariedade", o que resulta naquele elemento fundamental da unidade política que Aristóteles chamou de "homonoia" (pensamento comum). A homonoia evidentemente pode ser criada sem tais situações adversas. Platão não é um determinista, muito embora sua reflexão não deva cair no ouvido. Hegel e Kant já refletiram amplamente sobre a relação entre geografia e virtude, e esse tipo de reflexão é interessante tomarmos nota, muito embora - verdade seja dita - ela possa cair em certo tipo de rigidez negativista que, em certo sentido, é uma face muito abjeta do senso comum europeu.

    3) A debacle cultural a que o Brasil está sujeito é o resultado natural de certo caráter que Platão chamaria de "tirânico" das maiores potências entre nós (a nossa elite), as quais não possuem senso de missão, e que visando apenas interesses particulares criam uma situação de dificuldades imensas (econômicas e culturais). E tal sofrimento gerado por esse tipo de tirania gera ódio, ausência de amor à pátria e portanto destrói a possibilidade do surgimento da amizade política. Incrivelmente para Platão a situação de pobreza vil (até a riqueza extrema) e o sofrimento crônico geram uma ocasião adversa contra o surgimento da própria virtude política (princípio que podemos sacar em Provérbios 30.8b-9).

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