quinta-feira, 4 de novembro de 2021

As Setenta Resoluções de Jonathan Edwards: 14ª Resolução

14ª Resolução: Resolvi jamais fazer coisa alguma motivado por vingança.

   A resolução em pauta tem como base um controle absoluto do espírito para que ela, a resolução, possa vir a ser algo concreto em nossa vida. A virtude requerida para que a resolução seja algo concreto em nós é algo próprio mesmo da mensagem do Evangelho, e a reflexão sobre a matéria pode jogar luz sobre a verdadeira natureza dos atos e dos hábitos honestos cuja presença se exigem na vida de um cristão. Mas é sabido que a matéria não é de fácil discernimento porque muita confusão há sobre a natureza da vingança, se ela é lícita ou é ilícita, se justa é justa ou injusta.

    Antes de mais nada devemos entender a natureza daquilo que chamamos de justiça, e como isso é significado no Evangelho. Para o esclarecimento dessa questão, as palavras de Jesus no Sermão da Montanha podem vir em nosso auxílio. Assim Jesus diz em Mt 5.38-41: Ouvistes que foi dito: Olho por olho, e dente por dente. Eu, porém, vos digo que não resistais ao mau; mas, se qualquer te bater na face direita, oferece-lhe também a outra; E, ao que quiser pleitear contigo, e tirar-te a túnica, larga-lhe também a capa; E, se qualquer te obrigar a caminhar uma milha, vai com ele duas. Esses versículos devem ser analisados à luz da submissão de Israel a Roma, uma potência estrangeira - o que, em tudo, se constituía como uma humilhação extrema ao povo de Israel. Como posto avançado do império Romano, Israel era, à época de Jesus, também povoada de autoridades romanas. O dito de Jesus aqui antagonizava também contra certa resistência nacionalista formada por uma facção de resistência chamada de Zelotes. O zelitismo era uma ideologia religiosa que apregoava a resistência armada em nome de YHWH (o Senhor). Mas tal resistência teria que se confrontar com o exército mais poderoso do mundo, que era o Romano. Assim, uma resistência armada era quase uma aposta no suicídio. Incrivelmente aqui Jesus, no mesmo espírito da profecia de Jeremias (Jr 27), aconselha sujeição e a não resistência à potência romana. Certamente podemos extrapolar o sentido do conselho de Jesus para vários âmbitos da nossa vida. Mas tanto em um caso como em outro algo é requerido: a submissão da nossa ira e da disposição reativa diante das injustiças.

    Mas outro texto pode iluminar o que estamos querendo refletir aqui: Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo, e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem; para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus; porque faz que o seu sol se levante sobre maus e bons, e a chuva desça sobre justos e injustos. Pois, se amardes os que vos amam, que galardão tereis? Não fazem os publicanos também o mesmo? E, se saudardes unicamente os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem os publicanos também assim? (Mt 5.43-47). Aqui Jesus nos incita a orar pelos que nos perseguem, e a fazer bem aos que nos odeiam. Tal orientação de Jesus deve ser bem compreendida pois tem múltipla relevância, já que nos oferece um norte em relação ao modo de procedermos em várias situações que se apresentam em nossas vidas.

    E para ampliarmos a nossa compreensão a respeito dessa matéria, lancemos mão de certas passagens, como Cl 3.8a: agora, despojai-vos também de todas as coisas, ira, indignação, maldade... O versículo em questão é precedido por um preceito de Paulo, que é: Façam morrer os vossos membros [que estão] sobre a terra (Cl 3.5a); aqui Paulo identifica como membros sobre a terra a disposição irada e mesmo a disposição indignada. Em uma tradição mais conhecida, essas coisas são conhecidas como obras da carne (cf. Gl 5.16-21), Em específico as palavras ira e indignação são traduções das palavras οργην e θυμον, a primeira indicando uma excitação violenta que conduz a atos reativos de violência característicos do homem irado. A palavra θυμον tem sentido semelhante, com a especificação de que essa palavra também pode ser permutada por coração, indicando uma violenta comoção que desestabiliza a pessoa desde a fonte das emoções. Assim podemos aqui discorrer sobre a expressão importante da nossa 14ª Resolução, onde o pastor se propõe a nada fazer motivado por desejos de vingança. Por motivo entendemos algo que impulsiona, tanto que a palavra motivo tem relação com a palavra motor, ou seja, com aquilo que concede força e movimento. Assim, a vingança, que é um ato que pressupõe a presença da ira, da indignação, ou os desejos de vingança, não podendo, portanto, oferecer o princípio de movimento adequado de uma ação, já que esse parte, no mais das vezes, de uma mente desestabilizada pelo ódio. Reações motivadas por vingança tendem a ser desproporcionais, fugindo da medida da razão e, por isso, da medida da justiça que caracteriza os filhos de Deus.

    No mais, sempre devemos tem em mente que afastar essa ira e refrear a desestabilidade da nossa natureza - quando ela é incendiada pelo ódio -, é algo que nos permite ver as coisas mais claramente, pois o ódio tende a turvar o nosso juízo, e geralmente pessoas viciadas em ações reativas tendem, geralmente, à prática de atos injustos e desmedidos. O desejo de vingança, o ódio, não são bons conselheiros, pois esses não costumam nos oferecem uma medida justa para a nossa ação. Assim, a orientação de Jesus mais acima, quando nos aconselha prudência, também tem a sua importância para nós no fato de que em função da fraqueza do nosso juízo não visualizamos sempre a medida justa das coisas. Assim, não agir e não revidar é melhor do que agir e exceder a medida, promovendo agravo e injustiça.

    Mas outra questão importante é que o não agir motivados por vingança não é a única parte da ação aconselhada por Jesus. Junto a esse preceito negativo de não agir vem também um preceito positivo de orar pelo bem, pelo arrependimento e também conceder perdão. Para nós isso significa, ao contrário de agir motivado pela vingança, agir motivado pela medida do bem. Mas qual a razão disso? A razão é que o padrão de medida da nossa ação é o próprio Deus. Citando alguns versículos que já citamos, mas acrescentando outros, temos o padrão de ação de Jesus dado aos discípulos em Mt 5.45-48: Porque faz que o seu sol se levante sobre maus e bons, e a chuva desça sobre justos e injustos. Pois, se amardes os que vos amam, que galardão tereis? Não fazem os publicanos também o mesmo? E, se saudardes unicamente os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem os publicanos também assim? Sede vós pois perfeitos, como é perfeito o vosso Pai que está nos céus. Assim, se Deus nos perdoou em Cristo, também devemos oferecer o perdão; se Deus nos deu um bem enquanto retribuíamos ele o mal, devemos nós mesmos oferecer um padrão justo, enquanto outros agem contra nós segundo um padrão injusto. Assim, devemos ser motivados em nossas ações tendo em vista o bem que Deus nos fez mais do que o agravo que os homens nos fazem. Mesmo quando agimos exigindo justiça e reparação - dentro da medida divina -, também devemos nos lembrar da misericórdia. Devemos ser motivados pelo bem de Deus e não pelo mal dos homens, pois assim nos tornaríamos os monstros que nos destroem.

    A resolução aqui não implica que devamos ser tolos, fingindo ser amigos de quem só nos quer o mal. Não se trata disso; Deus não nos deu um preceito pelo qual sejamos obrigados a nutrir sentimentos de amizade por quem nos destrói - esse seria o extremo oposto de agir motivado por vingança. O preceito apenas visa refrearmos o ódio vingativo para que jamais percamos de vista o padrão divino da nossa humanidade, o que impedirá de sermos deformados pelo ódio causado pela injustiça alheia. Deus, assim, deseja que não nos percamos em meio à provocação do mal, mas deseja nos preservar da tentação do ódio que travestido pelo desejo de justiça, torna aquele que dele se alimenta igual ou talvez pior do que o seu inimigo. Assim Paulo nos ensina: Não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar à ira, porque está escrito: Minha é a vingança; eu recompensarei, diz o Senhor. (Rm 12.19), o que é um motivo para a oração, deixando certas coisas a juízo do Senhor. E ao lado disso Paulo nos indica um caminho para sermos melhores do que aqueles que nos destroem: Portanto, se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber; porque, fazendo isto, amontoarás brasas de fogo sobre a sua cabeça. Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem. (Rm 12.20,21)

Enfim, que o Senhor nos ajude a eliminarmos o ódio das nossas ações e que elas tenham por padrão as perfeições de Deus, sua generosidade e seu bem e não a injustiça dos homens e o seu mal. Amém!

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