sexta-feira, 5 de novembro de 2021

As Setenta Resoluções de Jonathan Edwards: 15ª Resolução

15ª Resolução: Resolvi jamais experimentar qualquer das menores manifestações de ira em relação aos seres irracionais.

    O trato relativo aos seres irracionais se insere na cadeia dos hábitos visados por aquele que busca uma certa relação com Deus, como também é um traço que mediante observação podemos perceber a saúde ou a degradação do coração do homem ou da mulher. A noção de que Deus, ao criar o homem, o colocou como jardineiro do mundo, ou para lavrar e cuidar do Éden (Gn 2.15) nos orienta quanto à relação do homem com a criação visada por Deus. E no que diz respeito à relação mais específica do homem com os animais, a primeira manifestação do assunto aparece em Gn 2.19, onde o Senhor conduziu todos os animais dos céus e da terra para ver como o homem os chamaria. A passagem parece não falar muita coisa, mas quando tomamos nota do significado de dar nomes, ela implicitamente traz a noção de domínio de uma coisa sobre outra. O fato de o homem nomear os animais, por assim dizer, traz a noção de uma autoridade que o homem exerceria sobre os animais - e certamente toda autoridade, porque querida por Deus, é para trazer bem aos animais e aos homens, ou seja, à Criação.

    Outra menção da Escritura a respeito da relação entre o homem e os animais se dá quando o Senhor orienta Noé a introduzir os animais na Arca (Gn 6.19-7.16). Noé é, por assim dizer, uma espécie de Novo Adão, aquele que inauguraria um Novo Mundo. E a sua relação com os animais é importante nesse contexto justamente porque em Noé o Senhor iria como que restaurar o Éden e, com isso, a reta relação do homem com o Mundo e consigo mesmo (Deus). A devastação do mundo pelas águas do Dilúvio iria trazer fim ao antigo mundo, e Deus para a reconstrução do Novo Mundo orientou Noé a trazer exemplares de cada um dos animais. É importante notar a comunhão não hostil de Noé com os animais - e dos animais entre si -, nota da restauração das relações entre Deus e o homem, como até mesmo anunciaram os profetas, em específico em Is 11.6-8: O lobo conviverá com o cordeiro e o leopardo repousará junto ao cabrito. O bezerro, o leão e o novilho gordo se alimentarão juntos pelo campo; e uma criança os guiará. A vaca e o urso pastarão juntos, seus filhotes dormirão lado a lado e o leão comerá palha como o boi. Os bebês brincarão tranquilos próximos ao esconderijo da cobra, a criança colocará a mão no ninho da víbora.

    É segundo esse modelo que também devemos entender a convivência de Jesus com as feras durante o período em que passou 40 dias no deserto (Mc 1.13). Por esse ângulo, a convivência de Jesus com as feras não deve ser entendida como algo e agressivo a si, como o é o fato de ele ser tentado por todo esse período por Satanás; antes, deve demarcar conosco que, tal como Jesus ali mesmo tinha uma relação de amizade com os anjos que o serviam, Jesus, como Segundo Adão, é em quem a criação está reconciliada - algo que foi vislumbrado em Noé -, sendo essa reconciliação visível na relação amigável entre ele e os animais do deserto.

    O que estou querendo dizer é que toda relação agressiva entre os homens e os animais deve ser visualizada pelo ângulo da Queda, e por isso pelo ângulo da deformação da alma provocada pelo pecado. Para clarear o que estou querendo dizer, tomemos o texto de Provérbios 12.10, onde temos: O justo olha pela vida dos seus animais, mas as misericórdias dos ímpios são cruéis. Em uma tradução mais literal o que vai escrito é que o justo (צַדִּיק) conhece seus animais, mas que as vísceras (רַחֲמִי), ou seja, os afetos do ímpio são cruéis. O termo vísceras no Antigo Testamento tem relação com o centro dos sentimentos, como nós usamos para designar a mesma coisa a palavra coração. Assim os ímpios possuem afetos deformados em relação aos seus animais, sejam esses afetos tanto um afeto de descaso, como também um afeto de violência. E aqui podemos entender a resolução do pastor em não experimentar nenhum sentimento de ira com relação às criaturas irracionais, ou aquelas criaturas que não podem dispor da razão completamente, pois elas não podem ser tratadas como aqueles dos quais podemos exigir certa postura que convém aos que são racionalmente capazes - o que seria crueldade da nossa parte. Essa resolução, no entanto, em tudo, é um apelo à disposição benigna e misericordiosa.

     Que o Senhor conduza nossos corações para uma relação mais afetuosa com os homens e com o Mundo. Amém!

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