sexta-feira, 23 de outubro de 2015

O Paradoxo; Ou: A Contradição Aparente

   

   Quando no sermão da montanha (Mateus 5-7) Jesus disse que "bem-aventurado são os mansos", logo depois afirmou, também, que "bem-aventurado são os que tem fome e sede de justiça", dando um ar um tanto paradoxal (algo que soa contraditório, mas não é) à sua doutrina, cuja resolução encontrava-se apenas na compreensão daquilo que fundava a sua personalidade e história.

   Aquele que defendeu a prostituta diante da avassaladora hipocrisia dos fariseus também foi aquele que chamou Pedro, o pastor dos apóstolos, de Satanás. Aquele que queria a proximidade dos pequeninos foi o mesmo que chamou o Tetrarca de raposa. Aquele que silenciou diante dos seus escarnecedores foi o mesmo que prometeu o inferno aos seus detratores. Estranho? Nem tanto.

   A verdade é simples, mas os homens não estão dispostos a se apegarem a simplicidade, pois quando ela se lança na história revoluções, queda de estrelas, guerras entre nações, aparições de bestas se dão por causa do seu advento. Um rei humilde montado em um jumentinho é capaz de por o universo inteiro de ponta-cabeça, já que a simplicidade foi tornada um segredo indiscernível; mas teorias contraditórias que lançam a consciência no mar do nada, hoje, são concebidas como antídotos redentores. Já não se conhece o que seja redenção. 

   É interessante notar este fato um tanto curioso, pois o máximo do esforço filosófico e científico dos últimos 300 anos tem como meta permanente convencer o homem da inexistência da verdade, prometendo com isto a paz e o fim das guerras, revoluções, morticínios, da opressão etc. Com a verdade se dá o contrário: basta alguém ver aquilo que se encontra diante dos olhos de maneira irrefutável, uma legião de demônios encarnados se precipitam ao mínimo sinal de certeza no mundo. Daí para diante, qualquer um que sustentar uma certeza poderá sentir tremer sob seus pés os pilares do mundo.

   Essa, para mim, é a razão pela qual o paradoxo nos ensinos Jesus se estabelece diante dos nossos olhos; e isso ocorre justamente porque aprendemos - de maneira errada - a não atravessar o véu da carne, entrando nas razões da alma. Por isso tomamos as formas exteriores, isoladas de suas histórias, ou o devir, as mutações e transformações como coisas em si mesmas. Divinizamos a aparência do mundo, mas não participamos das razões de sua alma e de seu real fundamento divino.

   Concebemos o amor como afeto, não entendendo que o amor se estica até ao infinito para dois lados distintos: o da indignação suprema e o da sentimentalidade constrangedora. E nós que enxergamos apenas as aparências temporais, compreendemos que tais ações são distintas, por estarem, no tempo, indo para direções opostas, mal percebendo que se elas se estendem até ao infinito, elas estão, na verdade, seguindo para um direção apenas: a eternidade.

   Por tanto, é difícil para a maioria compreender que aquele que prometeu derrubar o Sol, trazer juízo eterno para os homens e para os anjos seja o mesmo que chorava diante de coisas que lhe importavam. A simplicidade, honra, a lealdade e fidelidade são, deveras, emocionante. A mutabilidade constante das coisas é que coloca o mundo em um tédio terrível. A infidelidade é o mais do mesmo. Mas honra e verdade é terrível, abominável em meio a um Mundo arrebatadoramente medíocre, descrente na verdade porque autocentrado em seus vícios.

   Carecemos de uma alma grande; ao mesmo tempo temos medo dela (sinal paradoxal da manifestação da verdade): o conhecimento de algo elevado lança uma luz terrível sobre aquilo que há de pior em todos nós. Por isso, paradoxalmente: Cruz ao Bem do Mundo! 

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