sábado, 24 de outubro de 2015

A Linguagem Hermética


   Sobre a tarefa hermética se compreende basicamente um empreendimento que busca criptografar o máximo possível uma ideia, um segredo básico e fundamental, e que, por sua vez, é revelado apenas a alguns iniciados. Tudo feito com base na justificativa de garantir a proteção de um bem maior.

   Um exemplo clássico de um empreendimento com características herméticas pode ser visto na opção de Jesus pelas exposições parabólicas de suas doutrinas, o que tornava impossível a compreensão do seu discurso por pessoas que estavam em círculos afastados. Nestas parábolas Jesus utilizava o patrimônio simbólico e espiritual de Israel e elementos cotidianos afim de levar o ouvinte a contemplar uma razão de fundo, o que era basicamente a essência de seus ensinos. No entanto, uma comunicação mais direta, destituída de parábolas, era apenas utilizada no círculo mais restrito dos discípulos.

   Outro exemplo básico de um empreendimento hermético está no livro do Apocalipse, onde uma espetacular utilização de elementos simbólicos busca descrever o momento e fornecer, ao mesmo tempo, uma esperança imensurável para os cristãos de todos os tempos. A linguagem apocalíptica era acessível apenas ao grupo cristão iniciado nos ensinos de Jesus, possuindo, também, uma radical teoria crítica do presente que um cristão não poderia pregar aos quatro ventos, sem que lhe viesse a pena de retaliação direta de qualquer oficial romano que reconhecesse o "perigo cristão". A utilização da linguagem hermética, neste sentido, visava a proteção de dos cristãos, evitando o acesso da mensagem por qualquer um que estivesse fora da comunidade cristã, afastando um mal entendido que poderia, antes, gerar um efeito inverso à edificação espiritual daquele a quem a mensagem era direcionada - daí o princípio básico e espiritual do cristianismo impresso em sua literatura: não dar pérolas aos porcos.

   No entanto, uma outra face do princípio hermético - demoníaca em sua essência - está basicamente em propagar idéias que, antes de edificar, promovem uma verdadeira demolição psicológica, uma idiotização e vampirização da liberdade por meio de pressões e abusos de poder por parte de alguns charlatães autodenominados "mestres", cujas inspirações possuem a suas origens no mais profundo dos infernos.

   A covardia patente nesta espécie de empreendimento está, basicamente, em ela ser utilizada em uma massa psicologicamente fraca, intelectualmente incapaz de reagir à altura de um massacre retórico que, antes de provocar a edificação, acaba por forçar o colapso cognitivo daqueles que são alvos deste discurso, forçando a uma desconstrução que, se possível fosse, retiraria a certeza daqueles que ouvem que, de fato, são seres humanos, possuem dignidade, vida e consciências autônomas. Esta espécie de vampirização não é levada a cabo com base em argumentos lógicos, mas com base na "vontade de potência", que impressiona os ouvintes e os ganha não pela persuasão, mas pelo medo de, em negando a moral da "lição", serem estigmatizados como seres amputados da atividade do pensar. Não raro, um que, dentro do grupo, reconhecendo o ardil se levante contra tamanha tirania psicológica, é tratado com desprezo pelo "mestre" e também por seus companheiros de classe que, junto a ele, acompanham o discurso.

   Nisto podemos ver o sucesso da tirania psicológica que curva todos - como um verdadeiro rebanho - à uma traição das convicções pessoais, da sua fé, aceitando discursos como: relativização da fé; autoridade ilimitada de seus líderes, condescendência com relação ao adultério, pedofilia, a mentira como forma de proteger a verdade, aceitação do sexo antes do casamento, políticas dos mais diversos matizes, aceitação de múltiplas contradições em uma mesma linha de pensamento, a propagação da ideia de que correligionários que não possuem a mesma espécie de compreensão da realidade - ou melhor: corrupção da realidade - são, na verdade, uma casta inferior, retrógrados, reacionários, fundamentalistas - como se eles fossem os portadores do significado fundamental da fé evangélica e os salvadores da racionalidade cristã.

   O apela não é tanto para convencer a uma aderência a determinados paradigmas conceituais com o fim de responder de maneira mais coerente ao "espírito do tempo", mas simplesmente forçar a trair a sua consciência, deixando-se guiar por aqueles que, melhor do que nunca, agora se encontra em plenas luzes justamente nas suas cabeças limitadas, implantando o terror na mente dos ouvintes, fazendo-os aceitar contradições indescritíveis, reduzindo a consciência a uma faculdade biônica.

   Claro, discursos assim, as vezes, nunca são plenamente escancarados, pois muitas são as elucidações subliminares, indiretas e predicadas em um discurso que, ao longo do desenvolvimento, resultará fatalmente em um rebaixamento da moral e aceitação acrítica, injustificável, de um autoritarismo cego que leva o indivíduo à mais alta contradição, gerando o colapso psicológico.

   No fim da aula, afim de levar a cabo a implosão da consciência individual, eles sempre dizem: "não fale isto para ninguém". Eis aí um claro exemplo da outra espécie de um diabólico empreendimento hermético. 

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