terça-feira, 20 de outubro de 2015

Da Imitação de Cristo

   


   Hoje em dia temos um Evangelho boicotado por boas intenções. No entanto não existem boas intenções que se concretizem necessariamente em boas ações. O bem intencionado ou o idealista pode ser alguém profundamente prejudicial, pois confunde sentimento com realidade. O que eu quero dizer é que hoje em dia muitas pessoas se põe a ser integralmente amorosas e tolerantes, sem perceber que o excesso destas coisas pode fazer degenerar o mundo e os bons sentimentos em tirania. É necessário, também, dizer um não à perversidade pois é o NÃO ou a negação absoluta ao erro que conferem ao perdão consistência concreta (sem o erro reprovável o perdão não faz nenhum sentido), pois o NÃO faz parte da bondade e da justiça tanto quanto o SIM - da grande bondade e da grande justiça. 

   É interessante constatar algo muito interessante hoje com relação à espiritualidade cristã: todos ensinam a ser humildes e mansos como Jesus Cristo, no entanto existe uma fraca exigência de se indignar como Jesus Cristo. As pessoas geralmente falam que ser manso ou aceitar como Cristo é parte da espiritualidade, mas se indignar e rejeitar como Jesus não faz parte do cristianismo pois devemos imitar Jesus (?). Não ocorre, porém que se não é possível se indignar e manter uma postura evangelicamente indignada como a de Jesus tão pouco é possível ser manso como ele, pois, em ambos os casos a questão não está nem na indignação e tão pouco na mansidão - tais questões são fenômenos comportamentais, e, por tanto, de importância secundária quando considerados à margem da pessoa integral de Jesus -, mas especificamente nisto: em sua imitação.

   No entanto a questão da imitação é inteiramente mais profunda, pois trata-se de uma total conformação a Cristo (de tomar a forma de Jesus Cristo), de uma total integração da personalidade em Cristo onde nem a indignação cristã, tampouco a mansidão devem ser virtudes praticadas em si mesmas desconsideradas do fundo que as sustenta; tal fundo, tal base ou fundamento trata-se da verdade pura e simples, ou da verdade que traz consistência a todas as coisas, pois antes do Cristianismo ser escritura ele é, antes de tudo, uma pessoa, uma realidade humano-divina concreta na história, na nossa única história.

   É justamente aqui que temos um, digamos, princípio místico ou sacramental, que é o fundamento da união da alma com Deus, união esta que integra o ser humano no Sentido universal de Todas as Coisas - e não é por acaso que Jesus, no Evangelho de João, é chamado de Lógos (no original grego), que nada mais é, além de Verbo (João 1:1a), a Razão que fundamenta todas as coisas. Isto descarta, em primeiro plano, o culto de qualquer virtude isolada de Cristo, pois o culto da virtude isolada (que é uma doença do mundo moderno), sem considerar o Absoluto do qual tal virtude faz parte, é, de alto a baixo, negar a RAZÃO que sustenta a virtude. No entanto, é algo mais: idolatria: não podemos escolher qual parte de Cristo cultuar, pois é dever do Cristão cultuar o Cristo como um todo: em sua indignação, em sua paciência, em sua tolerância, em sua misericórdia, em sua disposição em perdoar, em seu desejo ardente por justiça e em sua obediência e fidelidade incondicionais a Deus.

   Com tudo isso, por tanto, não raro, se observarmos bem de perto algumas situações onde cristãos se vêem como que envergonhados de uma ação mais contundente de qualquer um que defenda valores autênticos ou cristãos, invariavelmente veremos um fundo de covardia, ou mesmo aquele envergonhamento de Cristo que reflete no coração não uma espécie de prudência (o que é um bem e deve ser integralmente desejada e praticada), mas uma espécie de idolatria, um medo de dizer um SIM integral à vontade divina que é também amor (o único amor), já que é reconhecido que a condição de Eleito não demanda a consideração do bom-mocismo ou da boa educação evangélica - principalmente a boa educação burguesa protestante - que enxerga apenas os benefícios da eleição, mas também a consideração integral dos deveres, da necessidade de carregar para fora do arraial a vergonha do Cristo crucificado como um bandido maldito aos olhos do Mundo (Hebreus 11:24-26; 13:12,13), não obstante manter a defesa intransigente de que tal Cristo é o imaculado e Santo Deus do mesmo Mundo (Hebreus 1:1,2).

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