segunda-feira, 19 de outubro de 2015

A Origem do Mal




   A questão relacionada ao mal, hoje, está profundamente circundada de equívocos grosseiros, assim como distanciado do melhor pensamento que discorreu de maneira magistral sobre o referido tema; e quando digo isso tenho um nome em mente: Agostinho de Hipona. 

   Agostinho tinha uma forma toda peculiar - que também remonta a Platão e mesmo a Plotino, de quem Agostinho herdou o Neo-Platonismo -, discorrendo sobre o mal não como se ele fosse uma contraposição a peso de igualdade do bem. Bem e mal pertencem a gêneros distintos. É esta a razão de sua vitória sobre o Maniqueísmo, cuja explicação sobre o bem e o mal se dava sobre tudo na ideia de que ambos eram opostos, o que, no fundo, filosoficamente falando, dava a ambos o peso de equivalência. Não, não são opostos e nem mesmo equivalentes. 

   Para Agostinho o mal é dependente do Bem, mas o oposto não é verdadeiro, por exemplo: a liberdade é um bem, mas o mal tem justamente a sua origem na liberdade; é no abuso do livre-arbítrio que temos a origem dos vícios. Assim também o sexo é um bem, mas mal vai para quem abusa do sexo, destituindo-o dos critérios que conferem a ele legitimidade. Assim também a força física e a inteligência são um bem para o homem, mas é por meio disso que vemos a tirania, a violência contra o inocente etc. Por tanto o bem é a raiz absoluta de tudo, assim também é um bem a liberdade que Deus concedeu ao coração dos filhos dos homens para que estes pudessem amara a Ele livremente, já que Deus comporta em si apenas a Verdade e deseja a mesma de maneira livre e consciente dos homens.

   Mas isto comporta um risco para que a liberdade seja verdadeiramente liberdade: a possibilidade da negação do bem e do próprio Deus que é a origem de todo o bem e de toda a liberdade. Sem o risco da conversão do bem em maldade a liberdade não seria, por tanto, liberdade. Mas conversão não seria a melhor palavra para descrever esse processo, mas sim degeneração. A possibilidade da degeneração está na própria inversão da constituição da realidade das coisas, já que liberdade também implica no risco da auto-destruição como possibilidade. Por tanto palavras como traição, mentira, inveja sempre corresponde a uma ideia de que coisas boas estão implícitas e que foram malversadas. Mas o mesmo não se dá com palavras como amor, verdade, justiça, bondade e fidelidade, pois tais coisas são atualizações da essência verdadeira das coisas e que correspondem à própria estrutura da realidade e hierarquia das coisas, assim como no desejo de replicação da vida, ou no desejo de continuidade ou eternidade, que é uma reprodução absoluta, e não uma degeneração da vida, já que essa reprodução é afirmação incondicionada e não a corrupção de algo.  

   Esse pequeno ensaio de filosofia tende a compreender algo que é enigmático: a origem do mal. Por tanto, deixa parcialmente de ser um mistério quando compreendemos que não existe uma equivalência entre o bem e o mal ou entre a verdade e a mentira, mas que o Bem e a Verdade são elementos fundamentais para a existência daquilo que se contrapõe a eles, sem um sentido de equivalência, mas no sentido de dependência, preservando a hierarquia dos valores intacta. Sendo assim, a origem do mal está, por exemplo, no abuso do bem, ou na malversação do bem a partir da própria liberdade humana que tem na degeneração uma possibilidade para que a própria liberdade seja, por tanto, completa. É como compreendêssemos a razão pela qual no próprio Paraíso Deus tivesse colocado próximo da Árvore da Vida, a árvore da perdição: a Árvore do Conhecimento do Bem e do mal.

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