quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

A Apologética Católica, o Método Histórico-Crítico e a Verdade da Fé

    Uma das estratégias interessantes que alguns apologistas católicos tem usado recentemente contra protestantes/evangélicos - apesar de essa estratégia ser usada de forma mais assertiva desde a conclusão do Concílio Vaticano II - é usar o método de pesquisa histórico-crítico para apontar contradições na Escritura Sagrada, assim como levantar a hipótese de que o cânon do Novo Testamento não pode ter sua autoria comprovada por métodos de pesquisa histórica, impossibilitando dar certeza plena de sua origem apostólica.

    A questão é que com isso os apologistas tentam inocular um profundo ceticismo no protestante médio, minando certos pressupostos básicos que fundamentam sua fé: 1) Considerando que para o protestante a Escritura é a Palavra de Deus e isso por ser a palavra dos Apóstolos e Profetas, os quais constituem o "fundamento da igreja" (Ef 2.20), minada a confiabilidade na bíblia o protestante, em tese, como que "perderia o chão" no qual apoia sua fé; 2) Assim, o princípio "Sola Scriptura" ruiria também, já que necessitamos, para sermos cristãos, de uma autoridade que confirme a veracidade do conteúdo da Escritura para a validação da fé; 3) O método histórico-crítico assim é posto como uma "apoché" cartesiana, pois enfraquece a certeza na autoridade objetiva da Escritura, pois se valendo de um gênio satânico a por em dúvida toda confiabilidade na Escritura, no fim, o apologistas católico oferece o papa como uma espécie de cogito a iluminar todas as coisas, pondo-o como a única autoridade objetiva capaz de confirmar a fé do cristão - coisa que o papado pré-Vaticano II desde ao menos de Bonifácio III não se casava de dizer.

    Esse tipo de estratégia é uma faca de dois gumes para os apologistas, pois para agir assim, além de ignorar a resposta que os protestantes deram a essa questão - levando em consideração que foram os próprio protestantes que primeiramente aplicaram esse método de pesquisa ao estudo da bíblia -, eles precisam implodir a tradição da Igreja que colocou como critério de canonicidade a origem apostólica e profética das Escrituras, assim como a consideração antiga da Igreja de que o cânon não foi "definido", mas "recebido", como afirma São Serapião segundo Eusébio de Cesaréia. Mas resta óbvia a razão pela qual eles agem como agem: Destruindo a confiabilidade que possuímos na Escritura, ou tornando "impossível" justificar a sua autoridade como autoridade apostólica, teríamos que confessar que a base da nossa fé na Escritura tem que estar além da Escritura, ou seja, na Igreja e, por fim, no papado que confirma as Escrituras (como diria Tomás de Aquino).

    Essa forma de consideração tem vários vícios, pois jamais o protestantismo negou a autoridade da igreja a começar pelo fato de que cremos nos apóstolos e nos profetas, os quais são também a Igreja. Além do mais a Escritura só tem autoridade para nós por ser a Palavra expirada por Deus pelos apóstolos e profetas, tal como sempre creu a Igreja - e assim: ou isso é verdade ou não é, e não será mais verdade porque a igreja disse e nem menos verdade se a igreja isso negar. À Igreja de Cristo cabe receber na fé sua a Escritura, se ela é cristã. Além do mais a Escritura também é o kerygma apostólico, e seu sentido teológico (que para nós importa) sempre esteve patente na Igreja, mesmo quando não se possuía o Cânon completo - isso é rastreável nos vários testemunhos que temos dos pais da Igreja e apologistas mais antigos -, significando que a fé que ilumina a Escritura deve estrar presente no Cristão se ele de fato deve crer em Cristo como Cristo-para-si, pois Cristo não será Cristo-para-nós a não ser que digamos SIM a Cristo por meio do Espírito que testemunha com o nosso espírito que somos filhos de Deus (Rm 8.16).

    De certo modo uma forma de fé "kerygmática" está presente no próprio Lutero que via na posse do Espírito Santo a posse da fé apostólica - e devemos dar anuência a isso a não ser que sejamos céticos quando ao trabalho providencial do Espírito e já não sejamos mais cristãos. Também a fé reformada aponta para um elemento subjetivo inalienável pelo qual recebemos como autoridade a palavra divina, pois a bíblia é devidamente reconhecida como "Palavra de Deus para nós" na fé, pois o Espírito disso nos dá testemunho, e não seria razoável deixar de crer assim só para mudarmos a consideração sobre a autoridade (passando da fé na Escritura para uma mera fé na Igreja tal como os apologistas entendem), e isso apenas para chegarmos à mesma conclusão, ou seja, que a Escritura é a Palavra de Deus. No fim o protestante crê no testemunho da Igreja e concede fé a esse testemunho, e a Escritura vale para o cristão porque vale para a sua fé, e ciência histórica alguma pode destruir isso (a Escritura é onde o Logos se torna letra, ou, como diria Schelling, é o nosso "mito fundador").

    Como diria Kierkegaard no "Pós-Escrito", a ciência histórica chega muito tarde para responder pela veracidade da fé. A igreja nunca teve real necessidade disso, e não precisamos esperar pela conclusão do parênteses eterno aberto pelos históricos-críticos para crer, pois a Escritura é verdade para o cristão porque antes de tudo é verdade na fé a qual testemunha nos nossos corações o conteúdo do kerygma da igreja: Cristo é o nosso Senhor e Salvador. Essa é a verdade da Escritura sustentada pelo Espírito, e esse é o objeto da nossa fé.

Nenhum comentário:

Postar um comentário