segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

Citações das Obras de N. T. Wright a Respeito do Evento da Crucificação e a Substituição Penal

"Você se pergunta, por que Deus me abandonou nesse momento? E a resposta vem: nesses momentos, meu filho, eu o estava carregando.

É importante dizer, logo no início dessa [sic] seção, que esta não é uma boa forma de entender esta história. Quando Jesus exclamou as palavras iniciais do Salmo 22, perguntando por que Deus o abandonara, Mateus não pretende que pensemos de forma reconfortante: "Tudo bem, ele apenas sentiu como se isso tivesse acontecido". De fato, Deus o estava carregando." Parte de toda a questão da cruz é que o peso de toda a maldade do mundo realmente concentrou-se sobre Jesus eclipsando a luz do amor de Deus, assim como a luz do dia foi eclipsada por três horas. [...] Jesus está aqui dando a sua vida "em resgate por muitos" (20:28), e o pecado de muitos que ele carrega sobre si fez com que, pela primeira e única vez em sua experiência, uma nuvem ficasse entre ele e o Pai, a quem amava e obedecia, aquele que se agrada com ele"1.

"Assim como em um álbum de fotografia, Marcos constrói a história da crucificação de Jesus por meio de pequenos retratos [...]. Em nenhum tempo ele permanece muito tempo em um tema particular, exceto em se tratando do tema principal, que emerge durante todo o tempo: o tema de que Jesus é crucificado como rei dos judeus, É porque ele carrega consigo o destino e a sorte de Israel como o seu representante ungido que sua morte tem significado para Marcos. Israel está onde a violência e a perversidade do mundo parecem ter se concentrado [...]; mas o messias, o rei, já as tomou [a violência e a perversidade] sobre si e, assim, abriu um caminho de resgate, de salvamento, para todo aquele que o seguir."2

"Nem Jesus, em Marcos, alivia seu sofrimento bebendo vinho como sedativo. Ele escolhe, ao contrário, beber os resíduos do cálice que seu Pai lhe deu (10:30; 14:36)"3.

"No caso de Jesus, o 'crime', aos olhos da lei romana, foi o fato de ele afirmar ser o rei dos judeus. [...] Para reforçar ainda mais o argumento, Jesus foi crucificado entre dois bandidos, ou bandoleiros: novamente, eles não eram ladrões ou golpistas insignificantes, mas revolucionários. No centro da imagem e do pensamento de Marcos, está uma profunda reflexão: Jesus está morrendo uma morte que pertencia apropriadamente às pessoas violentas do reino, aos guerrilheiros nacionalistas"4.

"Mateus explica o véu que foi rasgado como um terremoto; Marcos afirma que se trata de um mistério, embora presumivelmente nos sugira, à luz dos quatro capítulos anteriores, que, de agora em diante, o Templo está acabado. Seu propósito foi superado pelo evento que acabara de ocorrer. De agora em diante, o acesso à presença do Deus vivo está aberto a todos através da morte de seu filho.

E tudo acontece por causa do abandono de Deus ao filho de Deus. O horror que inundou Jesus no Getsêmani e, então, parece ter recuado por algumas horas, voltou em todo o seu espanto, o horror de beber o cálice da ira de Deus, de compartilhar a a profundidade do sofrimento, mental, emocional e físico que caracterizou o mundo em geral e Israel em particular. A nuvem negra do mal, o mal de Israel, o mal do mundo, o mal em si, maior que a soma de suas partes, o isolou daquele a quem ele chamou de 'Aba' de uma maneira que ele nunca conhecera antes. E, brotando de sua vida inteira de oração baseada na escritura, chegou, como que por um reflexo, um grito não de rebelião, mas de desespero e desalento, ainda que um desespero que, tendo perdido contato com Deus, ainda pergunta a ele porque tinha que ser assim. O filho rejeitado pelos lavradores olha em vão para o seu pai e pergunta o porquê. A questão de Jó - por que um inocente sofre? - mistura-se com a questão não apenas dos salmistas, mas de milhões no mundo antigo e no mundo moderno, e se torna a pergunta, para usar a linguagem cristã posterior, que o próprio Deus usa quando vê abandonado por Deus, que Deus, o Filho usa quando se vê abandonado, de forma inconcebível, por Deus, o Pai; A menos que lutemos com essa pergunta, não apenas ficaremos isolados da compreensão do mistério cristão central; também desvalorizaremos o evangelho que encontra o mundo em seu ponto mais profundo de necessidade"5.

"Devemos reparar que Jesus, o revolucionário santo, sabe que está recebendo a morte de um ladrão. Isso faz parte do xis da questão. Ele está carregando em si mesmo o destino que pronunciara tantas vezes `nação voltada para a guerra; os ais que anunciou contra Jerusalém e seus habitantes (p. ex.; 13:1-5) estavam se cumprindo nele. Um só homem estava carregando os pecados de muitos"6.

"Mas, se muitos recusarem, mesmo agora a se voltar para ele e segui-lo, arrepender-se de seus atos de violência, então o destino que lhes está reservado fará com que a crucificação de Jesus, em comparação, pareça leve [...].

Isso explica o restante da passagem sobre as mulheres, incluindo a 'bem-aventurança' confusa e horripilante descrita nela. Lá no início do evangelho, Jesus pediu a bênção de Deus para os pobres, os mansos, os que têm fome e os que choram. Agora, ele diz às mulheres que elas logo pedirão essa mesma benção para as que não tiverem filhos, que normalmente ficavam muito envergonhadas por causa disso [...]. Essas mães verão os próprios filhos crescerem e se revoltarem contra Roma, e irão vê-los sofrer o destino que Roma sempre infligiu aos rebeldes. Jesus combina a clara declaração de sua própria intenção - de sofrer o destino de Israel - com o aviso claro, fazendo eco às advertências ao longo de todo o evangelho, para aqueles que não o seguem.

Lucas apresenta o mesmo argumento de um modo diferente ao comparar os dois que foram crucificados um de cada lado de Jesus. Um zomba, mas o outro expressa a visão de Lucas sobre toda a cena. Jesus, mais uma vez, está sofrendo a morte apropriada ao rebelde, ao ladrão, ao criminosos; por mais inocente que seja, ele está carregando o pecado de muitos"7.

"Em todos os quatro evangelhos, não apenas em João, a cruz é a vitória que conquista o mundo. Estou cansado de explicá-la apenas em termos de Christus Victor, visto que historicamente, essa interpretação tem sido associada com outros tipos de desenvolvimento e colocada em contraposição a outras teologias da expiação. Entretanto, a ideia de vitória messiânica como nova interpretação de um antigo tema judaico é precisamente o que os quatro evangelhos tem em mente.

Segundo argumentei exaustivamente em outro lugar, Jesus entendia sua morte segundo várias vertentes do testemunho bíblico, principalmente Is 40-55 e, no contexto dessa passagem, a grande sessão sobre a substituição vicária, a Quarta Canção do Servo (Is 52:13-53:12). Quanto aos quatro evangelhos não devemos ter dúvidas de que seguem essa linha. Para eles, Jesus morre uma morte penal em lugar do culpados, isto é, no lugar dos culpados Israel e da culpada humanidade.

Tudo isso faz sentido não por jogarmos a 'substituição' contra a 'representação', como tem sido prática comum, mas por meio do papel de Jesus precisamente como Messias representativo de Israel, pelo qual ele está perfeitamente posicionado para ser o substituto de Israel e do mundo"8

"Em particular, está implícito quando Jesus fala da galinha que reúne pintinhos debaixo das asas; sua intenção era ver o perigo se aproximar e absorver, em si mesmo, sua força plena (Mateus 23:37; Lucas 13:34). A ideia está presente, mais uma vez, quando ele fala do 'cálice' que deve beber; a alusão remete ao 'cálice da ira de Deus', operando por intermédio da violência destrutiva do Império Romano contra o que para os pagãos parecia ser a rebelião de súditos e um rei rebelde"9.

"[...] a morte de Jesus também foi, em certo sentido, penal. Jesus anunciou o juízo iminente de Deus sobre o seu povo rebelde, um juízo que consistiria em devastação nas mãos de Roma. Ele então vai adiante do seu povo e toma precisamente esse juízo — literal, física e historicamente — sobre si mesmo. “Não apenas em verdade teológica, mas em fato histórico, um único homem carregou o pecado de muitos”. Trata-se de uma morte penal e substitutiva, embora mais ampla e menos aberta a objeções do que outras expressões dessa teoria"10.

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[1] WRIGHT, N. T: Mateus para Todos. Mateus 16-28, II Parte. Ed. Thomas Nelson, Rio de Janeiro - RJ, 1ª edição, 2020. p. 227, 228.

[2] Idem. Marcos para Todos. Ed. Thomas Nelson, Rio de Janeiro - RJ, 1ª edição, 2020. p. 363

[3] Ibid. p. 265

[4] Ibidem.

[5] Ibid. p. 269, 270

[6] Idem. Lucas para Todos. Ed. Thomas Nelson, Rio de Janeiro - RJ, 1ª edição, 2020. p. 343

[7] Ibid. p. 343, 344

[8] Idem. Como Deus se Tornou Rei. Ed. Thomas Nelson, Rio de Janeiro - RJ, 1ª edição, 2019. p. 255

[9] Idem. Simplesmente Jesus. Ed. Thomas Nelson, Rio de Janeiro - RJ, 1ª edição, 2020. p. 224

[10] Ibid. p. 231, 232

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