segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

Bultmann e a Linguagem Existencial do Novo Testamento

    Inegavelmente a Teologia do Novo Testamento de Rudolf Bultmann é um dos trabalhos teológicos mais brilhantes produzidos no século passado. E é possível dizer isso a despeito de sua proposta hermenêutica ser problemática de alto a baixo. Assim, se faz necessário separar o Bultmann exegeta do Bultmann teólogo sistemático.

    Mas seguindo o fio condutor de sua descrição da Teologia Paulina é visível que ele segue de perto a ortodoxia luterana, oferecendo, não obstante, uma chave interpretativa extremamente criativa a partir da qual se torna possível detectar a estrutura típica da revelação do Antigo Testamento (AT) por trás da linguagem grega do Novo Testamento.
    Um exemplo disso é como Bultmann esclarece como o termo mundo (kosmō) é usado por Paulo, pois diferentemente do uso grego o termo kósmos não se refere, para Paulo, a uma "grandeza cósmica", assim o termo não é usado majoritariamente para se referir a uma grandeza física objetiva que engloba o universo, os homens e os deuses aí incluídos; antes o termo kósmos se refere a um espaço de relações e possibilidades de ação assim como os atos dos entes aí incluídos. Assim, em Paulo, o kósmos se "entristece", tem um "espírito", é cegado, sofre o juízo, anseia e é reconciliado.
    A estrutura formal do mundo (kósmos) inclui uma intencionalidade e, nesse sentido, é sujeito, sendo a sua compreensão possível se sua realidade é visualizada não a partir da categoria do espaço, mas sim do tempo. Qualquer um que conheça um pouco de filosofia sabe que essa forma de leitura é atravessada pelo existencialismo que muitos consideram ser a forma da própria "mentalidade hebraica" (ou do Antigo Testamento).
    Aqui não importa muito se você concorda ou não com essa filosofia, pois o trabalho exegético de Bultmann te coloca diante de uma interpretação bíblica que demanda em muitos pontos esse tipo de "mentalidade", justificando a noção de que Paulo joga com categorias "existenciais" típicas de revelação israelita.
    Uma deixa aqui: Dooyeweerd evidentemente leu Bultmann e muitas categorias de sua filosofia exigem esse tipo de interpretação bultmanniana em sua filosofia, a exemplo da conclusão de que termos como "sōma, nous, sarx, psyqué e kardia" (corpo, entendimento, carne, alma e coração) são termos que, ainda diferenciados em sua estrutura formal própria, se referindo por vezes a aspectos diferentes do "antrōpós" (homem), não obstante são termos que possuem um uso sinonímico se referindo ao "eu".
    Segundo essa concepção da antropologia Paulina levantada por Bultmann, não há um princípio superior no homem pelo qual outros elementos constitutivos sejam subordinados como inferiores tal como vemos no pensamento grego, onde o "nous" ou a "psyché" se referem ao verdadeiro "eu" com a exclusão da corporalidade (sōma ou sarx) formada pela matéria, ou a hylē - ainda que seja possível para Bultmann, ao contrário de Dooyeweerd e Barth (não pelos mesmos motivos), uma "teologia natural".

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