quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

O Novo Pacto Civilizatório Contra a Unidade Entre a Mente e a Realidade

   Certa vez eu vi um jornalista falando de "pacto civilizatório", entendendo isso à maneira daqueles neokantianos que fundaram o constitucionalismo jurídico moderno, ou juspositivismo, onde o direito é constituído segundo a "norma hipotética fundamental", sendo essa norma aquilo que está positivado na Constituição dos países, que por sua vez é formada pelos "valores norteadores de uma civilização ou nação". Essa linguagem técnica pode parecer excessivamente complicada para você, mas ela é potencialmente perigosa a depender do tipo de "valores civilizacionais" nos quais a constituição de um país se funda.

Quando esse jornalista falou de "pacto civilizatório" ele estava falando basicamente dos novos "direitos sexuais" e das agendas ligadas à "ideologia de gênero". Recentemente a J. K. Rowlin criticou uma nova tomada de atitude da polícia Scotland que decidiu que iria passar a registrar agentes que comentem estupro com o genital masculino segundo a percepção de gênero desses estupradores. Essa atitude sinaliza um sinal dos tempos no sentido bem específico de que o niilismo, a destruição de qualquer forma de objetividade agora é uma constante civilizatória a ponto de nortear o juízo dos policiais de Scotland. Já há tempos que o ódio à realidade, e a tentativa de fazer prevalecer o puramente subjetivo, a fantasia, é uma das forças propulsoras principalmente do mundo ocidental. E esse tipo de atitude, digamos, espiritual dessa civilização, anuncia tempos trabalhosos.

Algo importante a ser destacado: essa questão transcende questões sexuais, pois um homossexual ou um transexual não tem a mínima necessidade para ser o que é de cair na concepção extremada da ideologia de gênero. Não é importante aqui questões de "gênero" simplesmente, já que essas questões atuais são apenas uma forma de manifestação de algo realmente mais profundo, pois se trata de uma forma de compreensão das coisas, de uma atitude que pode ser projetada sobre outros assuntos que envolvam uma relação saudável ou doentia entre a mente e o objeto, entre as pessoas e a realidade. Revoluções modernas envolvem um comportamento fanático que implica em um egoísmo atrofiado perante tudo o que existe. Quando a fantasia toma o lugar da realidade, ou quando o real é considerado meramente como um "julgamento pessoal", qualquer noção de verdade vira jogo de poder, ou a "verdade do mais forte", pois não existe mais uma verdade a nortear o juízo e a mediar as relações entre um homem e outro. O logos da realidade cai, e tudo o que sobra é puro poder. Esse é um sintoma de uma politização extrema de todos os assuntos humanos. Nesse sentido, todas as "políticas de gênero" passam a ser a mera luta para impor sua subjetividade contra qualquer evidência, ou digamos, contra a subjetividade do "outro". Tudo vira questão de narrativa. A coisa não deixa ter seu tom de ironia quando reacionários anti-vacinas defendem a liberdade de forma extremada contra evidências científicas diante dos revolucionários de gênero, sendo que esses por sua vez acusam os reacionários de serem "irracionais" na exata proporção que seu tipo de defesa também envolve um apego à liberdade imaginativa contra toda experiência, ou seja: biologicamente alguém que nasceu com um corpo dotado de órgão genital viril é um homem independentemente de sua consideração, mas é o seu julgamento pessoal contra toda evidência quem vai decidir se isso é ou não assim.

As fantasias extremadas tendem a torcer a realidade. Na literatura algo assim é exemplificado na toada de Dom Quixote, que saudoso da época da cavalaria - coisa decadente em seu tempo - se punha a viver histórias fantásticas lutando contra um moinho de vento querendo crer que se tratava de um dragão. Sua brincadeira inocente tornou-se perigosa na medida em que ele começou a ser levado a sério, se tornando até ameaçador àqueles que evitavam embarcar no seu delírio. E nesse ponto não é impossível perceber o quão problemático pode ser um delírio coletivo, e isso porque toda toada dessa natureza pode vir a se tornar um "valor civilizacional" a constituir um "novo pacto civilizatório", e, por fim, orientar o direto penal, selecionando os "indesejáveis para o novo mundo", os exotando com páreas da "nova civilização". Pois quando o diversionismo escapa da esfera da fantasia, se tornando um movimento histórico, os primeiros a serem esmagados, a exemplo da J. K. Rowling, são os que se recusam a separar a razão do objeto ou a mente da realidade, vendo a coisa tal como ela é e não como os outros querem que a coisa seja.

Ver o óbvio sempre foi a sina do profeta, e esse, quando vocacionado à profecia, é também chamado para o sofrimento do mártir. Assim, o novo pacto civilizatório é uma armadilha construída - talvez inconscientemente - para caçar quem se recusa a não ver a realidade.

Nenhum comentário:

Postar um comentário