quinta-feira, 19 de março de 2020

A Relação Indissolúvel entre Predestinação e Teontologia

Existe uma relação indissolúvel entre a doutrina da predestinação e a doutrina do Ser de Deus (teontologia) que poucas pessoas percebem, mas que explica também a razão pela qual muitos escolásticos - protestantes ou não - colocaram-na entre as doutrinas alcançadas pela razão: se, pela revelação, conhecemos que Deus salva, isso só pode se dar pela determinação absoluta por parte de Deus a respeito da concreção específica da salvação.

Não é difícil entender essa relação a partir do momento em que compreendemos o básico da doutrina de Deus que afirma em Deus a posse de todas as perfeições, incluindo aí a do conhecimento. Deus não pode saber mais do que sabe e nem menos. Deus é, em termos simples, o seu próprio conhecimento, não o recebendo de fora por qualquer informação (o que valeria afirmar a determinação exterior do seu Ser), pois se para Deus é possível tal conhecimento ser recebido de fora Ele pode saber mais do que sabia, ou pode ser mais perfeito do que atualmente é. Isso destruiria a ideia de uma posse da totalidade das perfeições, colocando potência passiva em Deus, implicando que ele pode ser mais do que agora é assim como menos do que sempre foi.

Vemos que o conceito de Deus impede qualquer acréscimo, o que nos leva a considerar que se o conhecimento divino do mundo não pode vir de fora, ele é estabelecido por Deus mesmo. Daí a doutrina dos decretos divinos a partir dos quais Deus, como causa primeira, estabelece toda realidade das coisas como causas segundas - determinando essas causas e não sendo determinado por nenhuma delas. Tendo em vista isso é importante destacar que nos decretos divinos se encontra, além do decreto sobre a criação, também o decreto sobre a predestinação - o que é consonante ao seu Ser.

Entendemos, portanto, que a eleição por presciência de tipo molinista ou arminiana não pode encontrar espaço aqui. A razão é simples: Deus não pode, em relação aos contingentes futuros, ter uma informação do que ocorrerá que não a estabelecida por Ele mesmo, mesmo por um suposto conhecimento por previsão futura a partir do qual Ele elaborará todas as nuances dos decretos, pois isso implicaria reconhecer recepção Deus, o qual é ato puro. É impossível que Deus elabore uma espécie de predestinação por previsão de méritos ou de fé, elegendo aqueles que de antemão sabe que irão crer, pois recebendo essa informação por presciência Deus a recebe fora do estabelecido por decreto, sendo esse conhecimento algo determinado não por Si mesmo, o que consequentemente levaria à afirmação de que Deus é causado naquilo que conhecerá. Colocar potência passiva em Deus é destruir o conceito de Deus.

Sendo causa primeiríssima, Deus também é aquele que determina o futuro certo tal como ocorrerá, e assim é não porque aprenda do mundo, mas porque, desde toda eternidade, determinou pelos decretos a totalidade particular de todas as coisas, incluindo aí quem obterá infalivelmente a graça da salvação.

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