terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Valei-me Deus, Jailson Serafim.

    Esse é um artigo (que pode ser acessado aqui) de um rapaz chamado "Jailson Serafim". Tem tantos e tantos erros nesse artigo que para corrigi-los seria necessário escrever uma teologia sistemática inteira para dar conta das afirmações enviesadas, mal-refletidas e das colocações pobres desse rapaz.

    Entre as enormidades que ele diz está na afirmação de que o título "O Calvinismo Explicado" do querido "Francisco Tourinho" é um problema. O Jailson se apega à afirmação do Spurgeon que diz que "Calvinismo é evangelho", e que seria muita arrogância, por isso, explicar o "próprio evangelho". Eu vou explicar algo sem entrar no mérito da afirmação do Spurgeon de que "O Calvinismo é o Evangelho". Pelo amor de Deus, deixem isso para lá.

    A toada infantil infantil do Jailson segue texto adentro: "Pasmem, (sic) vocês. O nome do livro é "O Calvinismo Explicado". Nos chama a atenção a afirmação de Spurgeon, dizendo que "o calvinismo é o evangelho e nada mais"(Verdades Chamadas Calvinistas), e se tomarmos e levarmos em consideração esta afirmação como absolutamente verdadeira, ortodoxa e reformada, o título do livro se torna inviável, para não dizermos pretencioso, diante de Paulo que falou "do evangelho, as riquezas incompreensíveis de Cristo"(Ef 3:8 ACF), dizendo ainda: "Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis os seus caminhos!"(Rm 11:33 ACF). Nesse sentido, como podemos explicar aquilo que é 'inexcrutável' (sic),'insondável' e 'incompreensível'? Quanta pretensão do autor, não?"

    Eu vou "explicar" (sem querer ser arrogante) algo para o rapaz. A própria palavra evangelho (ευαγγελιον), além de ser formada pelo termo "ευ", é também formada pelo termo αγγελια que traz em sim o sentido de "anúncio" e "notícia". A palavra "notícia" é interessante para os nossos propósitos, pois guarda o sentido de "notitia", ou seja, informação, conhecimento, nota. Assim é constitutivo ao sentido de evangelho a noção de informação, e uma informação não teria sentido de ser para nós se ela não fosse para ser apreendida pela mente. Portanto, longe de ser uma digressão vazia o que eu faço aqui, nota-se que a questão da relação ao entre o conhecimento e o evangelho é algo fundamental para a compreensão da própria noção de evangelho, sendo isso patente tanto na escritura como respaldado pelo melhor da produção teológica. Devido a isso peço que me acompanhem aqui e me concedam a paciência de vocês para que possa esclarecer essa questão - que não é de pouca importância.

    Geralmente fazemos na teologia a distinção entre duas formas de teologia (que em sentido lato é o que chamamos de "conhecimento de Deus"). Essas duas formas tem a ver com o conhecimento do que Deus é em sua essência e aquilo que Deus é para nós (em sua revelação). O primeiro tipo de teologia é aquele conhecimento que Deus tem de si (e que lhe é exclusivo, pois em sua totalidade só Deus conhece a Deus). Essa teologia nem os anjos a possuem, e, desse modo, em sua essência mesma Deus é incognoscível (Jó 11.7). Contudo, se não temos acesso exaustivo ao conhecimento da essência divina, temos não obstante acesso a uma segunda teologia que é aquela que nos vem ao conhecimento enquanto conhecimento da vontade e dos "atributos" de Deus revelados tanto na natureza (Rm 1.19ss), quanto no evangelho (Jo 1.18). Assim temos uma teologia arquetípica, que é o conhecimento que Deus tem de si, e uma teologia ectípica, que é o conhecimento, a notícia que temos daquilo que Deus é para nós - em suas operações e atributos.

    É nesse sentido que João Calvino mesmo diz: "Entretanto, simplesmente em frívolas especulações se recreiam tantos quantos se propõem insistir nesta pergunta: Que é [Quid sit] Deus, quando nos deve antes interessas que tipo [Quali sit] [de pessoa] e quê à natureza lhe convém" (Inst. I.II.2.). Ao fazer a distinção entre o "quid sit" (o que é) e o "quali sit" (que tipo é - para nós), Calvino faz a distinção que colocamos acima. Nesse sentido, a contragosto do Jailson Serafim, Calvino segue a distinção já usada pelos escolásticos que afirmavam a insondabilidade do que Deus É, cabendo a nós conhecer certos aspectos da essência divina naquilo que ela se manifesta a nós.

    Quanto ao texto bíblico de Ef. 3.8, na tentativa do Jailson provar arrogância de "explicar o evangelho" temos um exemplo de eisegese, pois justamente nos versículos que se seguem (vs. 9, 10) Paulo fala de "manifestar" (φωτισαι = trazer à luz) a dispensação do mistério oculto em Deus, para que, pela igreja a multiforme sabedoria de Deus se torne "conhecida" (γνωριθη = seja dada a conhecer). Ou seja, as riquezas "insondáveis" e "incompreensíveis" de Cristo estavam sendo agora manifestas pela pregação, para que pela igreja esses mistérios fossem tornados conhecidos para os principados e potestades. Nada aqui se prova da "inexplicabilidade" do evangelho, mas é absolutamente o contrário, pois dizer que o evangelho é inexplicável nada mais é do que um oximoro.
    O resto do texto é um show de ilações e uma coleção de erros do mesmo tipo - como na questão a respeito da imperfectibilidade de Adão, que mais parece, com diria Calvino, uma λογομαχια, uma "briga de palavras" -, além da confusão tremenda que ele faz da relação entre a "teologia de Santo Tomás" e a "escolástica", como se ambos fossem sinônimos, não se tratando, antes, de uma relação do tipo que existe o gênero e a espécie, ou seja, nem toda teologia que se vale do método escolástico é "tomasiana". Talvez se o Jailson se preocupasse mais em entender a respeito do que escreve do que buscar detratar um discordante ele faria melhor teologia, e uma teologia para a glória de Deus.

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