sábado, 5 de fevereiro de 2022

Comentário de Habacuque 1.1-17: (לָ֤מָּה תַבִּיט֙ בֹּֽוגְדִ֔ים תַּחֲרִ֕ישׁ) Por que olhas os que procedem perversamente e silencias?

Texto Hebraico de Habacuque 1.1-17:

1 הַמַּשָּׂא֙ אֲשֶׁ֣ר חָזָ֔ה חֲבַקּ֖וּק הַנָּבִֽיא׃
2 עַד־אָ֧נָה יְהוָ֛ה שִׁוַּ֖עְתִּי וְלֹ֣א תִשְׁמָ֑ע אֶזְעַ֥ק אֵלֶ֛יךָ חָמָ֖ס וְלֹ֥א תוֹשִֽׁיעַ׃
3 לָ֣מָּה תַרְאֵ֤נִי אָ֨וֶן֙ וְעָמָ֣ל תַּבִּ֔יט וְשֹׁ֥ד וְחָמָ֖ס לְנֶגְדִּ֑י וַיְהִ֧י רִ֦יב וּמָדֹ֖ון יִשָּֽׂא׃
4 עַל־כֵּן֙ תָּפ֣וּג תּוֹרָ֔ה וְלֹֽא־יֵצֵ֥א לָנֶ֖צַח מִשְׁפָּ֑ט כִּ֤י רָשָׁע֙ מַכְתִּ֣יר אֶת־הַצַּדִּ֔יק עַל־כֵּ֛ן יֵצֵ֥א מִשְׁפָּ֖ט מְעֻקָּֽל׃
5 רְא֤וּ בַגּוֹיִם֙ וְֽהַבִּ֔יטוּ וְהִֽתַּמְּה֖וּ תְּמָ֑הוּ כִּי־פֹ֨עַל֙ פֹּעֵ֣ל בִּֽימֵיכֶ֔ם לֹ֥א תַאֲמִ֖ינוּ כִּ֥י יְסֻפָּֽר׃
6 כִּֽי־הִנְנִ֤י מֵקִים֙ אֶת־הַכַּשְׂדִּ֔ים הַגֹּ֖וי הַמַּ֣ר וְהַנִּמְהָ֑ר הַֽהוֹלֵךְ֙ לְמֶרְחֲבֵי־אֶ֔רֶץ לָרֶ֖שֶׁת מִשְׁכָּנֹ֥ות לֹּא־לֹֽו׃
7 אָיֹ֥ם וְנוֹרָ֖א ה֑וּא מִמֶּ֕נּוּ מִשְׁפָּטֹ֥ו וּשְׂאֵתֹ֖ו יֵצֵֽא׃
8 וְקַלּ֨וּ מִנְּמֵרִ֜ים סוּסָ֗יו וְחַדּוּ֙ מִזְּאֵ֣בֵי עֶ֔רֶב וּפָ֖שׁוּ פָּֽרָשָׁ֑יו וּפָֽרָשָׁיו֙ מֵרָחֹ֣וק יָבֹ֔אוּ יָעֻ֕פוּ כְּנֶ֖שֶׁר חָ֥שׁ לֶאֱכֹֽול׃
9 כֻּלֹּה֙ לְחָמָ֣ס יָבֹ֔וא מְגַמַּ֥ת פְּנֵיהֶ֖ם קָדִ֑ימָה וַיֶּאֱסֹ֥ף כַּחֹ֖ול שֶֽׁבִי׃
10 וְהוּא֙ בַּמְּלָכִ֣ים יִתְקַלָּ֔ס וְרֹזְנִ֖ים מִשְׂחָ֣ק לֹ֑ו הוּא לְכָל־מִבְצָ֣ר יִשְׂחָ֔ק וַיִּצְבֹּ֥ר עָפָ֖ר וַֽיִּלְכְּדָֽהּ׃
11 אָ֣ז חָלַ֥ף ר֛וּחַ וַֽיַּעֲבֹ֖ר וְאָשֵׁ֑ם ז֥וּ כֹחֹ֖ו לֵאלֹהֹֽו׃
12 הֲלֹ֧וא אַתָּ֣ה מִקֶּ֗דֶם יְהוָ֧ה אֱלֹהַ֛י קְדֹשִׁ֖י לֹ֣א נָמ֑וּת יְהוָה֙ לְמִשְׁפָּ֣ט שַׂמְתֹּ֔ו וְצ֖וּר לְהוֹכִ֥יחַ יְסַדְתֹּֽו׃
13 טְהֹ֤ור עֵינַ֨יִם֙ מֵרְאֹ֣ות רָ֔ע וְהַבִּ֥יט אֶל־עָמָ֖ל לֹ֣א תוּכָ֑ל לָ֤מָּה תַבִּיט֙ בֹּֽוגְדִ֔ים תַּחֲרִ֕ישׁ בְּבַלַּ֥ע רָשָׁ֖ע צַדִּ֥יק מִמֶּֽנּוּ׃
14 וַתַּעֲשֶׂ֥ה אָדָ֖ם כִּדְגֵ֣י הַיָּ֑ם כְּרֶ֖מֶשׂ לֹא־מֹשֵׁ֥ל בֹּֽו׃
15 כֻּלֹּה֙ בְּחַכָּ֣ה הֵֽעֲלָ֔ה יְגֹרֵ֣הוּ בְחֶרְמֹ֔ו וְיַאַסְפֵ֖הוּ בְּמִכְמַרְתֹּ֑ו עַל־כֵּ֖ן יִשְׂמַ֥ח וְיָגִֽיל׃
16 עַל־כֵּן֙ יְזַבֵּ֣חַ לְחֶרְמֹ֔ו וִֽיקַטֵּ֖ר לְמִכְמַרְתֹּ֑ו כִּ֤י בָהֵ֨מָּה֙ שָׁמֵ֣ן חֶלְקֹ֔ו וּמַאֲכָלֹ֖ו בְּרִאָֽה׃
17 הַ֥עַל כֵּ֖ן יָרִ֣יק חֶרְמֹ֑ו וְתָמִ֛יד לַהֲרֹ֥ג גּוֹיִ֖ם לֹ֥א יַחְמֹֽול׃ ס

Tradução e Comentário:

1-4)

1 הַמַּשָּׂא֙ אֲשֶׁ֣ר חָזָ֔ה חֲבַקּ֖וּק הַנָּבִֽיא׃
2 עַד־אָ֧נָה יְהוָ֛ה שִׁוַּ֖עְתִּי וְלֹ֣א תִשְׁמָ֑ע אֶזְעַ֥ק אֵלֶ֛יךָ חָמָ֖ס וְלֹ֥א תוֹשִֽׁיעַ׃
3 לָ֣מָּה תַרְאֵ֤נִי אָ֨וֶן֙ וְעָמָ֣ל תַּבִּ֔יט וְשֹׁ֥ד וְחָמָ֖ס לְנֶגְדִּ֑י וַיְהִ֧י רִ֦יב וּמָדֹ֖ון יִשָּֽׂא׃
4 עַל־כֵּן֙ תָּפ֣וּג תּוֹרָ֔ה וְלֹֽא־יֵצֵ֥א לָנֶ֖צַח מִשְׁפָּ֑ט כִּ֤י רָשָׁע֙ מַכְתִּ֣יר אֶת־הַצַּדִּ֔יק עַל־כֵּ֛ן יֵצֵ֥א מִשְׁפָּ֖ט מְעֻקָּֽל׃

Peso que enxergou Habacuc, o profeta.
Até quando, YHWH, gritarei por socorre e não escutarás? Gritarei a ti: Violência! e não salvarás? Porque me fazer ver a injustiça e contemplar o infortúnio? A devastação e a violência ocorrem diante de mim; a discussão e a contenda se levantam. Por isso enfraquece a lei e a justiça nunca sai, porque o ímpio fica ao derredor do justo e a justiça é torcida.

    A palavra que inicia o livro de Habacuque (חֲבַקּ֖וּק) é הַמַּשָּׂא֙ (hamaxxa'), cuja tradução mais literal é o peso, uma das palavras que no contexto do gênero literário profético indica uma profecia. Em seu uso específico no gênero profético o termo מַשָּׂא indica geralmente um juízo, um peso do Senhor. Também o profeta Habacuque recebeu esse peso, essa profecia mediante uma visão, como indica a palavra חָזָ֔ה (hazah). Nem todos os profetas são visionários, mas Habacuque, como indica o texto, está dentro dessa classe específica.

    O texto que temos em vista aqui é o capítulo 1, e dos vs. 1-4 não estamos diante da profecia propriamente, mas sim diante de uma oração do profeta. E essa oração não aparece de forma isolada no livro, mas junta com outras como em 1.12-17, 2.1, e no breve salmo que constitui todo o cap. 3; e assim como 1.5-11 é uma resposta à oração de 1.1-4, também 2.2-5 é no livro uma resposta à oração feita em 2.1, muito embora em 2.1 o conteúdo da oração não apareça propriamente, mas ao que tudo indica toda resposta se refere à queixa proferida em 1.12-17.

    Nos vs. 1.2-4 a oração/queixa do profeta é muito direta na exposição da sua angústia para com Deus. Sua queixa está em que ele grita por socorro, assim como grita a Deus violência, mas sem resposta . A não resposta de Deus está em que ele é exposto à injustiça e ao infortúnio, à devastação e ao litígio, lançado em meio à prosperidade ímpio que obsta o livre curso da torá (lei). Ao anunciar o litígio e a torá (תּוֹרָ֔ה) somos informados que o profeta não está se queixando de uma agressão vinda de fora, de algum país estrangeiro etc., mas sim de dentro, desde Judá. Somos informados com isso do caos e da situação de violência cavada pelos membros na nação judaica que se agridem mutuamente, violência que o profeta diz que YHWH o obriga a ver (תַרְאֵ֤נִי). O profeta se queixa da violência entre os seus, a contenda que se levanta, assim como do assédio que o justo sofre nas mãos do ímpio. Nesse estado de coisas, nesse ambiente deletério consumido pelo litígio e pela agressão mútua a lei nunca sai, e a justiça que sai vem deformada. Esses dados serão importantes para compreendermos o que se desenrolará nos vs. 5-11.  

5-11)

5 רְא֤וּ בַגּוֹיִם֙ וְֽהַבִּ֔יטוּ וְהִֽתַּמְּה֖וּ תְּמָ֑הוּ כִּי־פֹ֨עַל֙ פֹּעֵ֣ל בִּֽימֵיכֶ֔ם לֹ֥א תַאֲמִ֖ינוּ כִּ֥י יְסֻפָּֽר׃
6 כִּֽי־הִנְנִ֤י מֵקִים֙ אֶת־הַכַּשְׂדִּ֔ים הַגֹּ֖וי הַמַּ֣ר וְהַנִּמְהָ֑ר הַֽהוֹלֵךְ֙ לְמֶרְחֲבֵי־אֶ֔רֶץ לָרֶ֖שֶׁת מִשְׁכָּנֹ֥ות לֹּא־לֹֽו׃
7 אָיֹ֥ם וְנוֹרָ֖א ה֑וּא מִמֶּ֕נּוּ מִשְׁפָּטֹ֥ו וּשְׂאֵתֹ֖ו יֵצֵֽא׃
8 וְקַלּ֨וּ מִנְּמֵרִ֜ים סוּסָ֗יו וְחַדּוּ֙ מִזְּאֵ֣בֵי עֶ֔רֶב וּפָ֖שׁוּ פָּֽרָשָׁ֑יו וּפָֽרָשָׁיו֙ מֵרָחֹ֣וק יָבֹ֔אוּ יָעֻ֕פוּ כְּנֶ֖שֶׁר חָ֥שׁ לֶאֱכֹֽול׃
9 כֻּלֹּה֙ לְחָמָ֣ס יָבֹ֔וא מְגַמַּ֥ת פְּנֵיהֶ֖ם קָדִ֑ימָה וַיֶּאֱסֹ֥ף כַּחֹ֖ול שֶֽׁבִי׃
10 וְהוּא֙ בַּמְּלָכִ֣ים יִתְקַלָּ֔ס וְרֹזְנִ֖ים מִשְׂחָ֣ק לֹ֑ו הוּא לְכָל־מִבְצָ֣ר יִשְׂחָ֔ק וַיִּצְבֹּ֥ר עָפָ֖ר וַֽיִּלְכְּדָֽהּ׃
11 אָ֣ז חָלַ֥ף ר֛וּחַ וַֽיַּעֲבֹ֖ר וְאָשֵׁ֑ם ז֥וּ כֹחֹ֖ו לֵאלֹהֹֽו׃

    Vede entre as nações e olhai; olhai com verdadeiro espanto uns para os outros, pois realizo em vossos dias uma obra entre vocês que não acreditarão quando ela for contada. Porque eis que eu levanto os caldeus, nação amarga, que apressadamente anda pela largura da terra para se apossar de casas que não são deles. Nação pavorosa e temível; eles cria seu próprio direito e dignidade. Seus cavalos são mais rápidos que os leopardos, seus cavalos mais ferozes que os lobos do entardecer; seus cavaleiros chegam de longe, voando como a águia que se apressa para abater a presa. Todos vem para provocar violência e destruição e reúnem como areia seus cativos. Escarnece de reis, zomba de seus dignitários e se ri de toda a fortificação, amontoando terra e passando sobre ela. Então passam como o vento e seguem; tornam-se culpados aqueles que fazem da sua força seu deus.

    Os vs. de 5-11 são constituídos pela resposta divina à queixa do profeta. Nela está toda a terrível resposta de Deus à situação degradante de Judá. A revelação da escritura deixa patente algo importante aqui: o Senhor não é indiferente à injustiça, ou à degradação que os homens submetem uns aos outros. Aqui por essa profecia já nos distanciamos muito daquela mentalidade deísta que concebe a Deus como um relojoeiro, o qual construiu todo universo, deu nele corda e agora o deixa funcionar sem intervir em nada, deixando as coisas se desdobrarem livres até o dia do juízo final; também o Senhor não é um deus tipo epicurista, alguém indiferente ao assuntos humanos. Ao contrário disso, Deus, YHWH, é alguém que intervém diretamente nos assuntos humanos e no fluxo dos acontecimentos que se desenrolam entre o seu povo.

    Deus anuncia ao profeta e pede: Prestem atenção, e continua: Olhem com espanto uns para os outros. YHWH promete nos versículos listados realizar uma obra inacreditável. Etiquetar a obra como inacreditável é importante para os propósitos do texto, incluindo para sinalizar um evento desse tipo diante do clima de opinião vigente na época do profeta Habacuque, profeta cujo ministério se desenrola lá pela primeira metade do séc. VI a.C. É bom lembrarmos que Habacuque atua paralelamente à segunda metade do ministério do profeta Jeremias também, e se formos avaliar os espectadores da profecia de Habacuque pelas reações violentas à profecia de Jeremias (pois os espectadores era rigorosamente os mesmos), veremos que qualificar a sua profecia como inacreditável faz todo o sentido levando em consideração a deformação moral e a insensibilidade espiritual dos ouvintes à presença divina.

    O profeta segue dizendo em 6.ss que YHWH levantará (מֵקִים֙) os caldeus. Levantar (מֵקִים֙ de קוּם qûm = levantar) é, no Antigo Testamento, quando usado para se referir ao levantamento de pessoas com poder, uma concessão ativa do poder de agir. Deus levanta reis, profetas, juízes e os põe em posição de eminência para atuar segundo aquilo que propôs em si mesmo - e não importa se o atuar seja necessariamente bom ou mal, e sim o que será colhido dessa atuação. Dessa maneira, efetivando na história o desígnio que elaborou segundo a sua providência (προνοια), Deus agirá em relação à situação, e, neste caso em específico, estabelecerá um juízo. É impossível não nos lembrarmos da profecia de Deuteronômio 28.49-58, onde uma das maldições da desobediência seria a invasão estrangeira e todos os males decorrentes dessa invasão. Aqui Deus mostra a fidelidade à sua Palavra, e a história confirmaria que a ameaça à desobediência não era vazia.

    O profeta qualifica esse povo terrível de uma forma que ilustra o abandono divino do povo de Judá a esses poderes anti-divinos. YHWH qualifica os caldeus (כַּשְׂדִּים = kaxdîm) como uma nação amarga (גֹּ֖וי הַמַּ֣ר) que vai anexando territórios (apossando casas que não são suas) apressadamente, o que indica sua violência. São um povo pavoroso (אָיֹ֥ם) e terrível (נוֹרָ֖א). Após esses qualificativos a profecia acrescenta que a partir dela (מִמֶּ֕נּוּ) o seu direito e a sua dignidade saem (יֵצֵֽא). O que a profecia quer denotar é que, por assim dizer, a matéria da qual a justiça dos caldeus é feita são os próprios caldeus. Eles elaboram seu próprio conceito de justiça a partir da sua própria visão de mundo. Aqui estão dois mundos distintos, pois a justiça e o direito proclamados na escritura tem sua origem não no próprio judeu, mas em Deus que ao povo concede a sua lei. Se Deus é a medida da justiça para o judeu, para o caldeu sua medida de justiça é a do homem mais poderoso, e é difícil não entendemos o que seria um tipo de justiça originada de um povo que pilha as nações, que cultua sua própria força (como veremos no versículo 11) e que é terrível e amargo.

    Dos vs. 8-10 é feita uma exposição de violência da pilhagem caldaica contra as nações. Seus cavalos e cavaleiros violentos são analogados a leopardos e lobos que caçam a presa como uma águia, reunindo como um monte seus cativos. Em sua violência eles escarnecem de reis e dos dignitários, tamanho o poder de destruição. Também nos informa a profecia que eles amontoam a terra (עָפָ֖ר) e captura (וַֽיִּלְכְּדָֽהּ), indicando aqui uma técnica de guerra da qual os babilônios (caldeus) foram precursores, ou seja, a técnica de amontoar terra em frente às muralhas das cidades fortificadas para permitir a passagem das tropas e o seu assalto. Em toda a sua capacidade superior de guerra existe uma deformação da consciência caldaica, ou ao menos do poder soberano que os rege. E no vs. 11 Deus diz no oráculo que: torna-se culpado (וְאָשֵׁ֑ם) aquele cujo vigor é Deus para ele (לֵאלֹהֹֽו). A noção de culpa (אשם) é importante para a boa interpretação do versículo, uma vez que dificilmente seria culpado aquele cujo vigor é "para o Deus dele", imponto a nós a interpretação de que o vigor é para ele Deus.

    Aqui vemos o vaticínio divino contra uma Judá que foi abandonado aos poderes anti-divinos, poderes cujo critério de justiça são eles mesmos, ou seja, Judá foi abandonada à arbitrariedade daqueles que unem poder à ausência do temor de Deus, e cujo critério de validade do bem e do mal é a força, não e lei divina, e esse é castigo da desobediência e revolta contra Deus daqueles que já de ante-mão decidiram por abandonar Deus.    

12-17)

12 הֲלֹ֧וא אַתָּ֣ה מִקֶּ֗דֶם יְהוָ֧ה אֱלֹהַ֛י קְדֹשִׁ֖י לֹ֣א נָמ֑וּת יְהוָה֙ לְמִשְׁפָּ֣ט שַׂמְתֹּ֔ו וְצ֖וּר לְהוֹכִ֥יחַ יְסַדְתֹּֽו׃
13 טְהֹ֤ור עֵינַ֨יִם֙ מֵרְאֹ֣ות רָ֔ע וְהַבִּ֥יט אֶל־עָמָ֖ל לֹ֣א תוּכָ֑ל לָ֤מָּה תַבִּיט֙ בֹּֽוגְדִ֔ים תַּחֲרִ֕ישׁ בְּבַלַּ֥ע רָשָׁ֖ע צַדִּ֥יק מִמֶּֽנּוּ׃
14 וַתַּעֲשֶׂ֥ה אָדָ֖ם כִּדְגֵ֣י הַיָּ֑ם כְּרֶ֖מֶשׂ לֹא־מֹשֵׁ֥ל בֹּֽו׃
15 כֻּלֹּה֙ בְּחַכָּ֣ה הֵֽעֲלָ֔ה יְגֹרֵ֣הוּ בְחֶרְמֹ֔ו וְיַאַסְפֵ֖הוּ בְּמִכְמַרְתֹּ֑ו עַל־כֵּ֖ן יִשְׂמַ֥ח וְיָגִֽיל׃
16 עַל־כֵּן֙ יְזַבֵּ֣חַ לְחֶרְמֹ֔ו וִֽיקַטֵּ֖ר לְמִכְמַרְתֹּ֑ו כִּ֤י בָהֵ֨מָּה֙ שָׁמֵ֣ן חֶלְקֹ֔ו וּמַאֲכָלֹ֖ו בְּרִאָֽה׃
17 הַ֥עַל כֵּ֖ן יָרִ֣יק חֶרְמֹ֑ו וְתָמִ֛יד לַהֲרֹ֥ג גּוֹיִ֖ם לֹ֥א יַחְמֹֽול׃ ס

    Acaso tú não és deste toda eternidade, YHWH, meu Deus, meu Santo? Não morreremos! YHWH, para julgamento puseste este povo; para repreender, óh Rocha, tú o fundaste. O Senhor é tão puro de olhos que não podes contemplar o mal e o infortúnio. Então por que olhas os que procedem perversamente e silencias, ou quando o ímpio devora aquele que é mais justo do que ele? Por que fazes do homem como os peixes do mar, como os répteis que não tem sobre si um governo? Ele puxa a presa com o anzol e a colhe com a rede, e por isso se alegra e se rejubila. Por isso ele sacrifica para a sua rede e queima incenso para a seu varredoura, porque por ela fez crescer a sua porção e cevou a sua comida. Acaso continuará esvaziando a sua rede, matando povos sem piedade?

    Após a queixa e resposta o profeta se dirige em oração novamente a Deus. A oração inicia com uma adoração a YHWH em forma de pergunta, se referindo a Deus como um (אַתָּ֣ה), um alguém, indicando a relação pessoal do profeta com Deus, qualificando-o também como o meu Deus (אֱלֹהַ֛י), como meu Santo (קְדֹשִׁ֖י), perguntando se Ele não é Aquele desde sempre (מִקֶּ֗דֶם), desde os tempos antigos, ou desde o princípio (cf. Pv 8.23).

    Após essa mescla de oração personal e doxologia o profeta ainda faz uma declaração de confiança àquele que nomeia como meu Deus (אֱלֹהַ֛י): não morreremos! (לֹ֣א נָמ֑וּת). A declaração confiante pode possuir dois níveis de sentido, um que desliza sobre a superfície da declaração e outro que subjaz oculto sob ela. No primeiro sentido o profeta pode estar declarando sua confiança em que, mesmo diante da catástrofe, Deus não permitiria a destruição daqueles que n'Ele confiam; no segundo sentido pode ser vislumbrado algo mais profundo, ou seja, que o profeta confiava que o fiéis não seriam destruídos - possivelmente no sentido da ressurreição dos mortos? De qualquer maneira a declaração cai no texto sinalizando expressa confiança do profeta na fidelidade de Deus.

    Ao tomar nota do desígnio providencial de Deus, o profeta segue com a compreensão completa do porquê Deus fará o que fará, o que ilumina toda a profecia que vai dos vs. 5-11. Habacuque reconhece que YHWH pôs os caldeus para juízo. Há evidente resposta à aflição do profeta exposta nos vs. 2-5; contudo a resposta divina não causa alívio, mas empurra o profeta para uma espiral de angústia, de maneira que ele sente certo pavor da resposta para sua oração. Na resposta, o mal desencadeado por Deus é o remédio para o mal, ambos se chocando em Judá, como que sinalizando que Deus deixou seu povo abandonado a mercê do mal que escolheu para si, ao poder que está em estágio avançado daquele tipo de degradação que Judá escolheu, e que parece ser o destino a que levianamente caminha. É por isso que o profeta reclama que Judá caiu nas mãos daqueles que são piores do que a própria Judá.

    O juízo de Deus é histórico, se dá no curso dos acontecimentos, e espanta o profeta. Há certo desconcerto da parte de Habacuque que, ao que parece, não consegue digerir a resposta divina, ainda que declare ser YHWH seu Deus e seu Santo. É interessante a fé e a confiança expressas pelo profeta, mesmo ao lado do desconforto ocasionado durante a assimilação do desígnio divino. Mas qual é sua atitude diante do estranhamento? Habacuque ora, procurar entender em Deus, subir na torre de vigia, esperando a Sua resposta, mesmo que não possua em vista alguma. O profeta supera o hiato entre seu estado de espírito e a providência divina, expressa em momentânea dúvida, pela fé. Não se trata de dúvida cética, destrutiva, alienante, mas sim da que parece resultar do contraste entre seu entendimento atual e o desígnio de Deus. Não é o estado perfeito de coisas, evidentemente, mas o fosso entre a mente de Habacuque e a divina é superado pela atitude confiante do no seu Deus e no seu Santo do qual provém o desígnio por hora ininteligível.

    A dificuldade do profeta está no modo da disposição providencial de Deus que, ao seu ver, decidiu deixar o homem como os peixes do mar (כִּדְגֵ֣י הַיָּ֑ם), como o réptil (כְּרֶ֖מֶשׂ) que não tem quem os governe entre eles (לֹא־מֹשֵׁ֥ל בֹּֽו), que não tem quem exerça o maxal (מָשַׁל), sugerindo que os homens estão jogados heideggerianamente no mundo, como se não tivessem sentido e nem propósito, sem uma liderança para governar e cuidar, e ainda a mercê do joguete de poderes imperiais contra os quais nada podem fazer. Habacuque não fala apenas da situação de Judá, sujeita àqueles que são piores do que ela própria, mas da história humana no geral. Dessa forma o homem (אָדָ֖ם), ou melhor, a humanidade, parece ser esvaziada de sentido vagando como pó na ventania, sem poder para resistir aquele que a leva. Eles são uma presa dos que fazem da força um deus, sendo tão sujeitos quanto um peixe pego em uma rede, impotente quanto um animal fisgado pelo anzol, caindo nas malhas não do bom e do justo, mas dos que oferecem sacrifício à sua força e queimam incenso ao seu instrumento de guerra com o qual conquistou poder e domínio. O questionamento de Habacuque não só gira em torno do porquê dos maus triunfarem, mas sim o porquê dos piores dentre eles alçarem domínio - fazendo com que alcancem poder sobre os que são mais justos do que eles (embora não verdadeiramente justos, como é o caso de Judá). Aqui Habacuque pergunta a YHWH: Acaso continuará esvaziando a sua rede, matando povos sem piedade?

    Toda esse questionamento se dá na ciência de que tal poderio perverso foi arremetido contra Judá como instrumento de disciplina. Mas sob ele está um questionamento ainda maior, que seria: Como um Deus puro de olhos (טְהֹ֤ור עֵינַ֨יִם֙) pode ver aqueles que procedem perfidamente e silencia? Quando Deus porá um freio à campanha dos ímpios? Acaso o mundo ficará para sempre a mercê das potências das trevas? Como veremos no próximo comentário, Deus não oferece de pronto uma resposta como buscou oferecer Leibniz com a sua Teodiceia, tentando justificar a realidade do mal em um mundo criado por um Deus bom, e Deus não ofereceu um recurso teórico para que por ele a mente de Habacuque pudesse ser apaziguada na tomada de uma ciência a respeito dos caminhos de Deus, antes ofereceu um princípio prático pelo qual o justo pude superar o conflito constituído pela presença do mal em um mundo criado por um Deus bom: Deus pediu e confiança, que são princípios pelos quais o justo viverá.

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