terça-feira, 14 de setembro de 2021

A Ética Cristã e Linguagem Aristotélica

    Dias atrás eu estive conversando com colegas e estava comentando a razão pela qual a linguagem da filosofia aristotélica fornece um ferramental fundamental para a discussão a respeito de questões éticas, o que, por óbvio, inclui a ética cristã, pois nos permite distinguir atos que, por certo ângulo, materialmente possuem o mesmo constitutivo, embora por outro ângulo formalmente sejam plenamente distinguíveis. Nesse sentido, aqui temos um ferramental profundamente importante pelo qual podemos empreender uma investigação da natureza dos atos humanos e daí sacar um discernimento importante na análise dos mesmos, nos livrando de considerações truncadas a respeito do universo da ética, assim como de interpretações bíblicas fundamentalistas e obtusas, as quais ao invés de nos levar instrução nada mais provocam do que confusão.

    Um exemplo bem óbvio está na distinção formal entre matar e assassinar; pois, no abstrato, embora tais atos possam conter semelhante constituição material, que é o ser daquele que assim procede matando e o ser de que procede assassinando, ambos são absolutamente distintos segundo o seu constitutivo formal. É por isso que distinguimos a auto-defesa do assassinato premeditado, pois embora os atos do matar e assassinar possam contar com semelhante constitutivo material na mera consideração da entidade dos agentes, ambos são formalmente distinguíveis em seus atos segundo o constitutivo formal da ação, ou seja, a intenção lícita de que pratica a auto-defesa e a intenção ilícita de quem mata para obter algo de modo vil. O mesmo vale para a relação sexual adulterina, pois embora no abstrato um certo homem e uma certa mulher possam contar com o constitutivo material semelhante no ato sexual de certo homem e mulher casados, o ato adulterino é formalmente marcado pela ilicitude por uma infinidade de boas razões, diferentemente do que ocorre no ato sexual praticado licitamente no contexto do matrimônio. Assim, o ato sexual e mesmo o ato de matar considerados em si mesmos são neutros e possuem a bondade meramente consideradas em função da sua entidade atual, embora possam ser formalmente marcados pela ilicitude ou pela licitude segundo o constitutivo formal dos atos dos agentes, ou seja, segundo o tipo de intenção dos mesmos.
    Da mesma forma, dizemos que Deus concorre materialmente na sustentação dos atos pecaminosos - pois sem a criação, sustentação, preservação do ser daqueles que cometem pecados, e sem a concorrência pela qual Deus sustenta a ação pecaminosa no trânsito da potência ao ato, o ato pecaminoso é absolutamente impossível -, mas não se segue daí que Deus concorra formalmente na produção do ato mal, pois essa concorrência cabe quando Deus, incoando a graça pela qual o ato honesto se torna possível, fornece a entidade da graça ao agente que assim é habilitado a atuar formalmente na produção do ato honesto, pois o bem do ato honesto Deus realmente quer, contudo o constitutivo formal do ato desonesto, que é a maldade intencionada, Ele repugna, ainda que Ele, ou seja, Deus, possa querer os efeitos do ato mal para daí sacar um bem maior, como assim faz quando entrega à morte um mártir que glorifica seu nome, ou quando ele entrega Seu Filho ao aviltamento e à morte na cruz, trazendo ao mundo a realidade da salvação.

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