sexta-feira, 10 de setembro de 2021

Comentários no Livro de Isaías 2.1-5: (וְלֹא־יִלְמְד֥וּ עֹ֖וד מִלְחָמָֽה) E não mais aprenderão a guerra.

Texto Hebraico de Isaías 1.1-5:

1 הַדָּבָר֙ אֲשֶׁ֣ר חָזָ֔ה יְשַֽׁעְיָ֖הוּ בֶּן־אָמֹ֑וץ עַל־יְהוּדָ֖ה וִירוּשָׁלִָֽם׃
2 וְהָיָ֣ה׀ בְּאַחֲרִ֣ית הַיָּמִ֗ים נָכֹ֨ון יִֽהְיֶ֜ה הַ֤ר בֵּית־יְהוָה֙ בְּרֹ֣אשׁ הֶהָרִ֔ים וְנִשָּׂ֖א מִגְּבָעֹ֑ות וְנָהֲר֥וּ אֵלָ֖יו כָּל־הַגּוֹיִֽם׃
3 וְֽהָלְכ֞וּ עַמִּ֣ים רַבִּ֗ים וְאָמְרוּ֙ לְכ֣וּ׀ וְנַעֲלֶ֣ה אֶל־הַר־יְהוָ֗ה אֶל־בֵּית֙ אֱלֹהֵ֣י יַעֲקֹ֔ב וְיֹרֵ֨נוּ֙ מִדְּרָכָ֔יו וְנֵלְכָ֖ה בְּאֹרְחֹתָ֑יו כִּ֤י מִצִּיּוֹן֙ תֵּצֵ֣א תוֹרָ֔ה וּדְבַר־יְהוָ֖ה מִירוּשָׁלִָֽם׃
4 וְשָׁפַט֙ בֵּ֣ין הַגּוֹיִ֔ם וְהוֹכִ֖יחַ לְעַמִּ֣ים רַבִּ֑ים וְכִתְּת֨וּ חַרְבוֹתָ֜ם לְאִתִּ֗ים וַחֲנִיתֹֽותֵיהֶם֙ לְמַזְמֵרֹ֔ות לֹא־יִשָּׂ֨א גֹ֤וי אֶל־גּוֹי֙ חֶ֔רֶב וְלֹא־יִלְמְד֥וּ עֹ֖וד מִלְחָמָֽה׃ פ
5 בֵּ֖ית יַעֲקֹ֑ב לְכ֥וּ וְנֵלְכָ֖ה בְּאֹ֥ור יְהוָֽה׃

Tradução e Comentário:

1)                                                                     הַדָּבָר֙ אֲשֶׁ֣ר חָזָ֔ה יְשַֽׁעְיָ֖הוּ בֶּן־אָמֹ֑וץ עַל־יְהוּדָ֖ה וִירוּשָׁלִָֽם׃
A Palavra que viu Isaías, filho de Amoz, sobre Judá e Jerusalém.

    Aqui temos, ao que parece, uma segunda introdução da profecia de Isaías; e se repararmos bem, essa profecia aqui, dos vs.1-4, é idêntica à profecia registrada no livro de Miquéias em Mq 4.1-3. E isso não é incrível, levando em consideração que ambos os profetas exerceram seu ministério no séc. VIII a.C. Isso nos ajuda a termos uma pista sobre o clima da época, nos auxiliando na compreensão da profecia.

    No começo temos a afirmação: A Palavra que viu Isaías. É um frase semelhante, mas não igual, a Isaías 1.1, onde temos חֲזוֹן֙ יְשַֽׁעְיָ֣הוּ, e que significa Visão de Isaías, mais אֲשֶׁ֣ר חָזָ֔ה que significa que viu. O segundo conjunto de palavras (אֲשֶׁ֣ר חָזָ֔ה) encontramos em ambos os versículos; assim, a distinção é que em 1.1 se diz que o que via a seguir se tratavam das visões que viu de Isaías, e em 2.1 era a palavra que viu Isaías. A distinção, por tanto, não deve nos impressionar e nem nos levar a maiores especulações. O fato é que tanto a visão que viu quanto a palavra que viu assinalam a origem sobrenatural da profecia, consignando a ela a autoridade devida. Da mesma maneira, a profecia diz respeito a um certo contexto geográfico: Judá (יְהוּדָ֖ה) e Jerusalém (וִירוּשָׁלִָֽם). E como afirmei no comentário a Isaías 1.1-9, ao apontar para o lugar específico para qual a Palavra de Deus se manifesta, isso só pode significar que Deus tem interesse nas realidades particulares como o Deus da história, ou como alguém que se manifesta na história e através da história.

2)            וְהָיָ֣ה׀ בְּאַחֲרִ֣ית הַיָּמִ֗ים נָכֹ֨ון יִֽהְיֶ֜ה הַ֤ר בֵּית־יְהוָה֙ בְּרֹ֣אשׁ הֶהָרִ֔ים וְנִשָּׂ֖א מִגְּבָעֹ֑ות וְנָהֲר֥וּ אֵלָ֖יו כָּל־הַגּוֹיִֽם׃
E acontecerá no fim dos dias que a casa de Yahweh será estabelecida no cume das montanhas e afluirão para ela todos os povos.

    A profecia é escatológica, ou seja, se refere às últimas coisas. Assim, ele se refere ao fim dos dias (בְּאַחֲרִ֣ית הַיָּמִ֗ים), e aponta para uma posição geográfica que, por natureza, também possui certo significado simbólico. O fato de a casa de Yahweh (בֵּית־יְהוָה֙) se estabelecer no cume dos montes (בְּרֹ֣אשׁ הֶהָרִ֔ים) indica tanto a posição de destaque, quanto a sua autoridade que se alteia acima de tudo o mais, tal como a Palavra de Deus se alteia acima de todos os homens e de tudo o que existe. Assim, à Cidade dos Montes afluirão os povos, sendo ela estabelecida como o centro e o fim (τέλος) das nações no sentido de atraí-las todas a si, movendo suas intenções e afetos na busca pela orientação da sua razão para a realização das coisas que às nações mais importam.

3)   'וְֽהָלְכ֞וּ עַמִּ֣ים רַבִּ֗ים וְאָמְרוּ֙ לְכ֣וּ׀ וְנַעֲלֶ֣ה אֶל־הַר־יְהוָ֗ה אֶל־בֵּית֙ אֱלֹהֵ֣י יַעֲקֹ֔ב וְיֹרֵ֨נוּ֙ מִדְּרָכָ֔יו וְנֵלְכָ֖ה בְּאֹרְחֹתָ֑יו כִּ֤י
                                                                                             מִצִּיּוֹן֙ תֵּצֵ֣א תוֹרָ֔ה וּדְבַר־יְהוָ֖ה מִירוּשָׁלִָֽם׃
E irão muitas nações e dirão: Vamos, subamos ao monte da casa do Deus de Jacó, para que nos instrua acerca dos seus caminhos e andemos em suas veredas. Porque de Sião sairá a Lei e a Palavra de Yahweh de Jerusalém.                                                                

    Muitos povos ou nações (עַמִּ֣ים) irão ao encontro de Yahweh, apontando para ponto da instrução que se encontra no cume dos montes. Assim ocorrerá para que Yahweh instrua (וְיֹרֵ֨נוּ֙) nos caminhos dele (מִדְּרָכָ֔יו) e andemos (וְנֵלְכָ֖ה) nas veredas d'Ele (בְּאֹרְחֹתָ֑יו). Então o ensino e o caminho atrairão os povos. Mas cada qual é atraído por aquilo que ama e deseja no mesmo sentido de que muitos profetas e justos desejaram ouvir as palavras de Cristo (Mt 13.17). Assim, eles serão atraídos a Sião. E eis a razão: Porque (כִּ֤י) de Sião (מִצִּיּוֹן֙) sairá (תֵּצֵ֣א) a Lei (תוֹרָ֔ה) e a Palavra de Yahweh (וּדְבַר־יְהוָ֖ה) de Jerusalém (מִירוּשָׁלִָֽם).     É importante nos concentrarmos nessas palavras, dado tudo o que ainda se seguirá. Assim, Sião, como metáfora do locus de ensino de Yahweh, é, assim, a instrutora dos povos e está nisso a razão de ela ser o local da atração dos povos, pois em Sião eles encontram o seu τέλος, ou seja, o seu fim, a sua razão fundamental do como existir verdadeiramente. É na ciência da Lei e nas Palavras de Yahweh que eles podem achar a razão do seu repouso.

4) וְשָׁפַט֙ בֵּ֣ין הַגּוֹיִ֔ם וְהוֹכִ֖יחַ לְעַמִּ֣ים רַבִּ֑ים וְכִתְּת֨וּ חַרְבוֹתָ֜ם לְאִתִּ֗ים וַחֲנִיתֹֽותֵיהֶם֙ לְמַזְמֵרֹ֔ות לֹא־יִשָּׂ֨א גֹ֤וי אֶל־גּוֹי֙
                                                                                                         חֶ֔רֶב וְלֹא־יִלְמְד֥וּ עֹ֖וד מִלְחָמָֽה׃ פ
E julgará entre as nações e repreenderá muitos povos. E transformarão as espadas deles em enxadas e as lanças deles em podadeiras; e não erguerá a espada nação contra nação e nem aprenderão mais a guerra.

    Assim procederá Yahweh no fim dos dias: E julgará (וְשָׁפַט֙) entre (em meio) (בֵּ֣ין) as nações (הַגּוֹיִ֔ם) e repreenderá (וְהוֹכִ֖יחַ) muitos (רַבִּ֑ים) povos (לְעַמִּ֣ים). O Senhor no uso de sua plenipotência fará como se procede o juiz em sua própria corte: julga, repreende, retifica. No caso do Todo-Poderoso, ele próprio é a sua Justiça, já que ele é a instrução (תוֹרָ֔ה) e o julgamento (שׁפט).

    Podemos a partir de agora expor elementos para uma síntese importante, síntese que expressará o tom de muito da mensagem característica da profecia de Isaías em relação à política teológica das nações, se assim podemos nos expressar. Sim, e como a profecia de Isaías não tem razão de ser se não há implicações morais, e como a mensagem se dirige ao povo de Deus constituído em uma comunidade política, todos os assuntos morais importam à profecia, o que não exclui a política. Nesse sentido podemos caracterizar um fim no sentido pleno de um ideal inspirador e poderoso que se constitui na condição plena e última dos povos ensinados pelo Senhor, assim como ideal desejado pelo Senhor às nações. Portanto, nas ações do Senhor Ele ensinará e os povos transformarão (וְכִתְּת֨וּ) as espadas deles (חַרְבוֹתָ֜ם) em enxadas (לְאִתִּ֗ים) e as suas lanças (וַחֲנִיתֹֽותֵיהֶם֙) em podadeiras (לְמַזְמֵרֹ֔ות). A palavra hebraica que traduzimos por e transformarão (וְכִתְּת֨וּ) pode ser traduzida mais especificamente por e triturarão. Assim, a ideia é de que as armas de guerra seriam destruídas, e de seus restos seriam feitos instrumentos de plantio. A metáfora é maravilhosa, e faz lembrar, a título de exemplo, que o gás mostarda usado como uma das armas mais letais na Primeira Guerra, sendo posteriormente seu uso proibido nos campos de batalha, serviu como um poderoso fertilizante, aumentando drasticamente o rendimento das lavouras - assim, a ciência quer produz a arma é neutra, importando para o seu bom ou mau uso a disposição dos corações, ali onde o Senhor pode atuar e transformar.

    De tudo o que foi dito, ainda resta a complementação do versículo que deixará a síntese ainda mais evidente: e não levantará (לֹא־יִשָּׂ֨א) a espada (חֶ֔רֶב) nação (גֹ֤וי) contra nação (אֶל־גּוֹי֙) e nem aprenderão (וְלֹא־יִלְמְד֥וּ) mais (עֹ֖וד) a guerra (מִלְחָמָֽה). À guisa do que foi dito, aqui temos também um exemplo da profecia pacifista de Isaías. Resta óbvio que a cidade, modelo último como guia dos povos e estabelecida no cimo dos montes, está fundada em uma proposta avessa à guerra. Assim, tal paz foi conquistada mediante a repreensão, o juízo e o ensino do Senhor, em cuja sombra nenhuma nação irá mais levantar a espada uma contra a outra. É importante perceber nessa visão de Isaías o fundamento da sua profecia, cuja mensagem irá reverberar em toda sua atuação e intervenção como profeta. E se no capítulo anterior fomos defrontados com uma Jerusalém que traiu a sua vocação torcendo o direito, aqui estamos diante do cume da realização do propósito da cidade sobre os montes que foi absorvida absolutamente pela plenitude da perfeição no cumprimento total da sua vocação.

5)                                                                                                    בֵּ֖ית יַעֲקֹ֑ב לְכ֥וּ וְנֵלְכָ֖ה בְּאֹ֥ור יְהוָֽה׃
Vamos à casa de Jacó e andemos na luz de Yahweh.

    Assim como no Apocalipse de João, aqui quem ouve diz: "Vem!" (Ap 22.17b). E o povo persuadido pela altitude absoluta do ensino proferido na Cidade sobre os Montes, chama outro povo para lhe ouvir a voz e andar na luz (בְּאֹ֥ור) do Senhor (יְהוָֽה) o qual guiará a razão e a vontade dos povos na direção da sua paz e do verdadeiro repouso. Como pastor, o Senhor há de guiar a razão e o desejo dos povos para o seu fim último, e a guiará para a sua perfeição, à visão eterna de Deus, pois na comunhão entre aqueles que deram fim à guerra entre a mente e da vontade com a realidade, guerra gerada pelo pecado que conduz o homem para a discórdia interna (em sua alma) e externa (entre os homens), não há mais razão ou possibilidade para o conflito entre aqueles que são concordes entre si e Deus. Assim, livre dos pecados, agora repousam, sem conflito, em Deus. Assim, aqui é realizada a concreção absoluta da paz dos povos que desfrutarão da bem-aventurança eterna, pois estes alcançaram a comunhão plena com o seu fim último na visão eterna do Senhor.

    Amém!

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