Texto de Isaías 4.2-6:
Tradução e Comentário:
2)
Naquele dia o Renovo do Senhor será como ornato e glória; e o fruto da terra como orgulho e esplendor para aqueles em Israel que receberem o livramento.
Essa parte não é o início de uma nova profecia. É a mesma profecia que continua desde 2.1 no geral, e especificamente é o prolongamento da perícope que vai de 3.16 a 4.6. O texto aqui se refere ao processo que sucede o terrível juízo sobre as filhas de Sião. Após o abatimento e o despojamento dessas mulheres, da humilhação extrema, um tipo de disposição radicalmente oposta àquela que é visto, contrária àquela percebidas nessas mulheres em seu auge. Toda segurança e luxo são incinerados pelo fogo dos acontecimentos, a altivez dá espaço para a petição desesperada: sete mulheres agarram um homem e pedem apenas para serem chamadas pelo nome dele. Não são mulheres no auge de sua beleza; são mulheres destituídas das vestes caras, feridas na sua pele e vestidas com roupas de penitência. Podemos traçar um paralelo soteriologico aqui: as mulheres no extremo da carestia, sem beleza para atrair qualquer atenção, são como nós, que na nossa degradação nada temos para oferecer a Deus, somos resgatados com amor gratuito pelo nosso Salvador. O paralelo é pertinente porque todo o contexto sugere uma regeneração salvadora de Israel.
A mensagem sobre o renovo (צֶ֣מַח) não é incomum na profecia isaiânica. Renovo é aquele broto que surge de um tronco, o restante de uma árvore decepada. Esse Renovo, o restante daqueles que sobreviverem à sega do juízo, é visto como glória (כָּבוֺד); também o fruto da terra (פְרִ֤י הָאָ֨רֶץ֙) é esplendor (תִפְאֶ֔רֶת). Aqui é o fruto da terra o esplendor, não como em 3.18 onde os ornamatos das vertes e adereços eram o esplendor, esplendor esse destruído por vontade de YHWH. Aqui o Renovo, a regeneração é o verdadeiro ornamento, e aquilo que é realmente útil. Também o fruto da terra é verdadeiro orgulho, visto ser graça e criação de Deus. Não temos como não nos lembrar de 1Pe 3.3-4: O enfeite delas não seja o exterior, no frisado dos cabelos, no uso de jóias de ouro, na compostura dos vestidos. Mas a pessoa encoberta no coração; no incorruptível traje de um espírito manso e quieto, que é precioso diante de Deus. Assim seria a glória de Israel, não aquela baseada em uma glória visível e perecível, mas aquela baseada na virtude invisível e imperecível. Esse será o esplendor glorioso para aqueles que receberem o livramento da devastação.
3, 4)
E será que do remanescente de Sião e do restante em Jerusalém será dito: santo! Todos os que estão inscritos para a vida. Quando 'Adonay lavar o excremento das filhas de Sião e enxaguar os sangues de Jerusalém desde o interior delas com Espírito de Justiça e com Espírito purificador.
Isaías segue falando de um contexto de purificação mediante um juízo sobre a casa de Israel. E de todo aquele que sobreviver em Jerusalém será chamado santo (קָדֹ֖ושׁ); aqueles que estão inscritos para a vida. Aqui não temos como ignorar que a sobrevivência está relacionada à inscrição para a vida (כָּל־הַכָּת֥וּב לַחַיִּ֖ים) e depende de modo absoluto dela. Temos em mente com isso a teologia da determinação absoluta por parte de Deus a respeito dos contingentes futuros; pois quem são os salvos senão aqueles designados pela vontade absoluta de Deus? A realidade da salvação é contingente quando nos referimos ao homem, pois o homem pode ser salvo e também pode não ser salvo - mas em um caso ou n'outro, ele ainda é homem. A salvação é acidental ao homem e, portanto, contingente. É na dependência da determinação de Deus que o homem pode ser salvo, já que é a Deus a quem pertence a determinação dos contingentes futuros de todas as coisas, incluindo a salvação. Dizemos que a eleição divina é a única preparação eficaz para a graça salvadora, o que inclui a graça santificadora. Assim, o remanescente, os eleitos por vontade divina, os inscritos para a vida serão chamados santos; mas além de santo será igualmente santificado.
No dia do Renovo 'Adonay (אֲדֹנָ֗י) lavará os excrementos das filhas de Sião e também enxugará os sangues de Jerusalém (דְּמֵ֥י יְרוּשָׁלִַ֖ם) desde o interior dela com Espírito de Julgamento (בְּר֥וּחַ מִשְׁפָּ֖ט) e com Espírito Calcinador (וּבְר֥וּחַ בָּעֵֽר) ou Espírito de Purificação pelo fogo. O juízo e a purificação mediante calcinação são analogias interessantes, tanto como o lavar a imundice quanto o enxugar o sangue. No novo Testamento essas são analogias usadas para a purificação e regeneração operadas pelo Espírito Santo no interior do cristão (Mt 3.11; Tt 3.5), mas aqui se subentende também um batismo de extremo sofrimento, uma purificação mediante a aplicação de um juízo consumidor e de um fogo calcinador. Entendemos que esse é o procedimento divino na aplicação de um duro juízo (ou disciplina) que extirpará as impurezas e os crimes de sangue de Israel/Jerusalém. Esse é um maravilhoso testemunho a respeito da pneumatologia do Antigo Testamento.
5, 6)
E o Senhor criará sobre todo o lugar do Monte Sião e sobre todas as suas convocações solenes uma nuvem de dia e fumaça e brilho de fogo à noite, porque sobre tudo se estenderá um véu de glória, servindo como área coberta e como sombra de dia por causa do calor e como refúgio e esconderijo de noite contra a chuva torrencial.
A ação regeneradora torna apta a manifestação da glória divina (כָּבֹ֖וד). Há muito o que ser explorado nessa compreensão do Antigo Testamento a respeito da presença manifesta de Deus mediante certas intervenções visíveis. A passagem obviamente guarda um paralelo com o evento paradigmático do Êxodo, o qual continua a ser para Israel um momento privilegiado onde a Eternidade de Deus toca o Tempo de uma forma singular. É importante pensar nessa predição isaiânica no contexto de um pós-juízo purificador. Por assim dizer a aflição, a penitência radical, antecedem a manifestação da glória pois tornam o homem apto para uma relação com Deus. Estamos aqui no desfecho de uma profecia que se estende desde 2.1, onde nos últimos dias a Casa do Senhor se estabelecerá no alto do monte Sião. Aqui, após a reviravolta divina, após o terrível juízo purificado aplicado aos líderes de Judá/Jerusalém, aos idólatras, à nulidade das filhas de Sião, inaugura-se o novo αιων.
A linguagem no início do vs.5 se refere a uma ação que pertence exclusivamente a Deus. Quando o profeta afirma que o Senhor criará ele usa o verbo בָּרָא que significa criar ou criará. Não existe nenhuma ação humana no Antigo Testamento designada como בָּרָא. Essa ação é exclusivamente reservada à designação do ato criativo de Deus. Assim a criação da fumaça, da nuvem e do fogo nos remetem aos sinais da presença divina no Êxodo (Ex 13.21, 22). E sobre toda assembleia solene o sinal da presença seria criado, seja no fogo, seja na nuvem. A glória de Deus cobriria visivelmente a Israel como um véu (חֻפָּֽה), servindo de proteção contra o calor do dia e de refúgio noturno contra a tempestade. A noção de que a glória de Deus protegerá a Israel é evidente. Assim o sinal da glória é o sinal do favor e, por isso, da reconciliação com Deus ao cabo da aplicação do juízo purificador.
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