quinta-feira, 14 de outubro de 2021

Comentário a Isaías 4.2-6: (בְּר֥וּחַ מִשְׁפָּ֖ט וּבְר֥וּחַ בָּעֵֽר) O Espírito de Juízo, Espírito Purificador e a Criação da Glória

Texto de Isaías 4.2-6:

2 בַּיֹּ֣ום הַה֗וּא יִֽהְיֶה֙ צֶ֣מַח יְהוָ֔ה לִצְבִ֖י וּלְכָבֹ֑וד וּפְרִ֤י הָאָ֨רֶץ֙ לְגָאֹ֣ון וּלְתִפְאֶ֔רֶת לִפְלֵיטַ֖ת יִשְׂרָאֵֽל׃
3 וְהָיָ֣ה׀ הַנִּשְׁאָ֣ר בְּצִיֹּ֗ון וְהַנּוֹתָר֙ בִּיר֣וּשָׁלִַ֔ם קָדֹ֖ושׁ יֵאָ֣מֶר לֹ֑ו כָּל־הַכָּת֥וּב לַחַיִּ֖ים בִּירוּשָׁלִָֽם׃
4 אִ֣ם׀ רָחַ֣ץ אֲדֹנָ֗י אֵת צֹאַ֣ת בְּנוֹת־צִיֹּ֔ון וְאֶת־דְּמֵ֥י יְרוּשָׁלִַ֖ם יָדִ֣יחַ מִקִּרְבָּ֑הּ בְּר֥וּחַ מִשְׁפָּ֖ט וּבְר֥וּחַ בָּעֵֽר׃
5 וּבָרָ֣א יְהוָ֡ה עַל֩ כָּל־מְכֹ֨ון הַר־צִיֹּ֜ון וְעַל־מִקְרָאֶ֗הָ עָנָ֤ן׀ יוֹמָם֙ וְעָשָׁ֔ן וְנֹ֛גַהּ אֵ֥שׁ לֶהָבָ֖ה לָ֑יְלָה כִּ֥י עַל־כָּל־כָּבֹ֖וד חֻפָּֽה׃
6 וְסֻכָּ֛ה תִּהְיֶ֥ה לְצֵל־יוֹמָ֖ם מֵחֹ֑רֶב וּלְמַחְסֶה֙ וּלְמִסְתֹּ֔ור מִזֶּ֖רֶם וּמִמָּטָֽר׃ פ

Tradução e Comentário: 

2)

בַּיֹּ֣ום הַה֗וּא יִֽהְיֶה֙ צֶ֣מַח יְהוָ֔ה לִצְבִ֖י וּלְכָבֹ֑וד וּפְרִ֤י הָאָ֨רֶץ֙ לְגָאֹ֣ון וּלְתִפְאֶ֔רֶת לִפְלֵיטַ֖ת יִשְׂרָאֵֽל׃

    Naquele dia o Renovo do Senhor será como ornato e glória; e o fruto da terra como orgulho e esplendor para aqueles em Israel que receberem o livramento.

    Essa parte não é o início de uma nova profecia. É a mesma profecia que continua desde 2.1 no geral, e especificamente é o prolongamento da perícope que vai de 3.16 a 4.6. O texto aqui se refere ao processo que sucede o terrível juízo sobre as filhas de Sião. Após o abatimento e o despojamento dessas mulheres, da humilhação extrema, um tipo de disposição radicalmente oposta àquela que é visto, contrária àquela percebidas nessas mulheres em seu auge. Toda segurança e luxo são incinerados pelo fogo dos acontecimentos, a altivez dá espaço para a petição desesperada: sete mulheres agarram um homem e pedem apenas para serem chamadas pelo nome dele. Não são mulheres no auge de sua beleza; são mulheres destituídas das vestes caras, feridas na sua pele e vestidas com roupas de penitência. Podemos traçar um paralelo soteriologico aqui: as mulheres no extremo da carestia, sem beleza para atrair qualquer atenção, são como nós, que na nossa degradação nada temos para oferecer a Deus, somos resgatados com amor gratuito pelo nosso Salvador. O paralelo é pertinente porque todo o contexto sugere uma regeneração salvadora de Israel.

    A mensagem sobre o renovo (צֶ֣מַח) não é incomum na profecia isaiânica. Renovo é aquele broto que surge de um tronco, o restante de uma árvore decepada. Esse Renovo, o restante daqueles que sobreviverem à sega do juízo, é visto como glória (כָּבוֺד); também o fruto da terra (פְרִ֤י הָאָ֨רֶץ֙) é esplendor (תִפְאֶ֔רֶת). Aqui é o fruto da terra o esplendor, não como em 3.18 onde os ornamatos das vertes e adereços eram o esplendor, esplendor esse destruído por vontade de YHWH. Aqui o Renovo, a regeneração é o verdadeiro ornamento, e aquilo que é realmente útil. Também o fruto da terra é verdadeiro orgulho, visto ser graça e criação de Deus. Não temos como não nos lembrar de 1Pe 3.3-4: O enfeite delas não seja o exterior, no frisado dos cabelos, no uso de jóias de ouro, na compostura dos vestidos. Mas a pessoa encoberta no coração; no incorruptível traje de um espírito manso e quieto, que é precioso diante de Deus. Assim seria a glória de Israel, não aquela baseada em uma glória visível e perecível, mas aquela baseada na virtude invisível e imperecível. Esse será o esplendor glorioso para aqueles que receberem o livramento da devastação.  

3, 4)

וְהָיָ֣ה׀ הַנִּשְׁאָ֣ר בְּצִיֹּ֗ון וְהַנּוֹתָר֙ בִּיר֣וּשָׁלִַ֔ם קָדֹ֖ושׁ יֵאָ֣מֶר לֹ֑ו כָּל־הַכָּת֥וּב לַחַיִּ֖ים בִּירוּשָׁלִָֽם׃
אִ֣ם׀ רָחַ֣ץ אֲדֹנָ֗י אֵת צֹאַ֣ת בְּנוֹת־צִיֹּ֔ון וְאֶת־דְּמֵ֥י יְרוּשָׁלִַ֖ם יָדִ֣יחַ מִקִּרְבָּ֑הּ בְּר֥וּחַ מִשְׁפָּ֖ט וּבְר֥וּחַ בָּעֵֽר׃

    E será que do remanescente de Sião e do restante em Jerusalém será dito: santo! Todos os que estão inscritos para a vida. Quando 'Adonay lavar o excremento das filhas de Sião e enxaguar os sangues de Jerusalém desde o interior delas com Espírito de Justiça e com Espírito purificador.

    Isaías segue falando de um contexto de purificação mediante um juízo sobre a casa de Israel. E de todo aquele que sobreviver em Jerusalém será chamado santo (קָדֹ֖ושׁ); aqueles que estão inscritos para a vida. Aqui não temos como ignorar que a sobrevivência está relacionada à inscrição para a vida (כָּל־הַכָּת֥וּב לַחַיִּ֖ים) e depende de modo absoluto dela. Temos em mente com isso a teologia da determinação absoluta por parte de Deus a respeito dos contingentes futuros; pois quem são os salvos senão aqueles designados pela vontade absoluta de Deus? A realidade da salvação é contingente quando nos referimos ao homem, pois o homem pode ser salvo e também pode não ser salvo - mas em um caso ou n'outro, ele ainda é homem. A salvação é acidental ao homem e, portanto, contingente. É na dependência da determinação de Deus que o homem pode ser salvo, já que é a Deus a quem pertence a determinação dos contingentes futuros de todas as coisas, incluindo a salvação. Dizemos que a eleição divina é a única preparação eficaz para a graça salvadora, o que inclui a graça santificadora. Assim, o remanescente, os eleitos por vontade divina, os inscritos para a vida serão chamados santos; mas além de santo será igualmente santificado.

    No dia do Renovo 'Adonay (אֲדֹנָ֗י) lavará os excrementos das filhas de Sião e também enxugará os sangues de Jerusalém (דְּמֵ֥י יְרוּשָׁלִַ֖ם) desde o interior dela com Espírito de Julgamento (בְּר֥וּחַ מִשְׁפָּ֖ט) e com Espírito Calcinador (וּבְר֥וּחַ בָּעֵֽר) ou Espírito de Purificação pelo fogo. O juízo e a purificação mediante calcinação são analogias interessantes, tanto como o lavar a imundice quanto o enxugar o sangue. No novo Testamento essas são analogias usadas para a purificação e regeneração operadas pelo Espírito Santo no interior do cristão (Mt 3.11; Tt 3.5), mas aqui se subentende também um batismo de extremo sofrimento, uma purificação mediante a aplicação de um juízo consumidor e de um fogo calcinador. Entendemos que esse é o procedimento divino na aplicação de um duro juízo (ou disciplina) que extirpará as impurezas e os crimes de sangue de Israel/Jerusalém. Esse é um maravilhoso testemunho a respeito da pneumatologia do Antigo Testamento.

5, 6)

וּבָרָ֣א יְהוָ֡ה עַל֩ כָּל־מְכֹ֨ון הַר־צִיֹּ֜ון וְעַל־מִקְרָאֶ֗הָ עָנָ֤ן׀ יוֹמָם֙ וְעָשָׁ֔ן וְנֹ֛גַהּ אֵ֥שׁ לֶהָבָ֖ה לָ֑יְלָה כִּ֥י עַל־כָּל־כָּבֹ֖וד חֻפָּֽה׃
וְסֻכָּ֛ה תִּהְיֶ֥ה לְצֵל־יוֹמָ֖ם מֵחֹ֑רֶב וּלְמַחְסֶה֙ וּלְמִסְתֹּ֔ור מִזֶּ֖רֶם וּמִמָּטָֽר׃ פ

E o Senhor criará sobre todo o lugar do Monte Sião e sobre todas as suas convocações solenes uma nuvem de dia e fumaça e brilho de fogo à noite, porque sobre tudo se estenderá um véu de glória, servindo como área coberta e como sombra de dia por causa do calor e como refúgio e esconderijo de noite contra a chuva torrencial.

    A ação regeneradora torna apta a manifestação da glória divina (כָּבֹ֖וד). Há muito o que ser explorado nessa compreensão do Antigo Testamento a respeito da presença manifesta de Deus mediante certas intervenções visíveis. A passagem obviamente guarda um paralelo com o evento paradigmático do Êxodo, o qual continua a ser para Israel um momento privilegiado onde a Eternidade de Deus toca o Tempo de uma forma singular. É importante pensar nessa predição isaiânica no contexto de um pós-juízo purificador. Por assim dizer a aflição, a penitência radical, antecedem a manifestação da glória pois tornam o homem apto para uma relação com Deus. Estamos aqui no desfecho de uma profecia que se estende desde 2.1, onde nos últimos dias a Casa do Senhor se estabelecerá no alto do monte Sião. Aqui, após a reviravolta divina, após o terrível juízo purificado aplicado aos líderes de Judá/Jerusalém, aos idólatras, à nulidade das filhas de Sião, inaugura-se o novo αιων.

    A linguagem no início do vs.5 se refere a uma ação que pertence exclusivamente a Deus. Quando o profeta afirma que o Senhor criará ele usa o verbo בָּרָא que significa criar ou criará. Não existe nenhuma ação humana no Antigo Testamento designada como בָּרָא. Essa ação é exclusivamente reservada à designação do ato criativo de Deus. Assim a criação da fumaça, da nuvem e do fogo nos remetem aos sinais da presença divina no Êxodo (Ex 13.21, 22). E sobre toda assembleia solene o sinal da presença seria criado, seja no fogo, seja na nuvem. A glória de Deus cobriria visivelmente a Israel como um véu (חֻפָּֽה), servindo de proteção contra o calor do dia e de refúgio noturno contra a tempestade. A noção de que a glória de Deus protegerá a Israel é evidente. Assim o sinal da glória é o sinal do favor e, por isso, da reconciliação com Deus ao cabo da aplicação do juízo purificador.

Essa é a profecia dos últimos dias.

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