quarta-feira, 5 de agosto de 2020

A Especulação, a Revelação e a Teologia dos Nomes de Deus

   Quando Tomás de Aquino afirma que os nomes de Deus são para nós possíveis por causa de um termo médio que se encontra entre a ordem predicamental e a ordem transcendental - o que fundamenta a possibilidade mesma da analogia -, seguindo a especulação do Pseudo-Dionísio, tudo o que ele faz é uma especulação adequada para esclarecer o conhecimento que podemos ter dos atributos de Deus, os quais podem ser analogados segundo a experiência que temos do mundo, mundo este causado por Deus.

   De Deus não podemos ter um conhecimento apropriado a não ser a partir dos efeitos dos quais ele é a causa. Então diz Tomás que ainda que tais efeitos sejam inferiores à sua causa, é necessário que entre efeito e causa haja alguma semelhança; portanto a forma do efeito está na causa que a excede - ainda que, para fugir do univocismo e do panteísmo, no que discordará fortemente Scotus, Tomás afirme que a relação entre a causa e o seu efeito seja equívoca, pois a causa é maior do que o efeito, tal como uma pegada no barro é menos perfeita do que a forma da bota que a produz: a virtude que faz da bota um marcador do barro é distinta da virtude que faz da pegada uma pegada que está no barro, embora haja relações de semelhança entre elas, e mesmo semelhança quanto ao gênero da virtude que pertence a ambas nessa relação (a forma da bota cravada no barro), não obstante não pertencendo a ambas do mesmo modo; assim também há diversidade quanto ao ser de ambas, que para elas é distinto, embora a bota seja a causa da forma da pegada. É justamente nessa relação que podemos encontrar o termo médio que possibilita a analogia, o que afasta o equivocismo absoluto e o univocismo.

   Dessa forma, os vários nomes de Deus se justificam para Tomás em função dos vários efeitos dos quais Deus é causa; e por não conhecermos a Deus em sua essência, são justificados os vários nomes de Deus pelas várias causas pelas quais conhecemos suas perfeições, pois se conhecêssemos a Deus em sua essência um só seria o nome de Deus para nós. Dizemos que Deus é bom pela experiência da bondade no nível da vida, e por ser Deus pleno de todas as perfeições é justificado que designemos Deus como o Sumo Bem - já que nele a bondade está, como diriam escolásticos, de forma eminente; da mesma forma damos a Deus o nome de poderoso etc.

   A divisa dessa questão é que, mesmo que adequada à teologia especulativa e à epistemologia, a teologia de Tomás e do Pseudo Dionísio ainda não contemplam a totalidade da significação que a Escritura dá aos nomes de Deus, e nem seguem a sua principal significação na dinâmica própria da revelação, onde os nomes de Deus desempenham uma significação específica na vida de fé daqueles para os quais o nome de Deus foi relevado. E é altamente improvável que seja possível descobrir essa significação a partir de uma teologia exclusivamente especulativa, e um dos exemplos é como se segue: quando a escritura nomeia Deus como o "Deus de Abraão, Deus de Isaque e Deus de Jacó" isso não poderia ser permutado pelo "Deus de Hamurabi, Deus de Nabucodonosor e Deus de Ninrode", pois embora saibamos que Deus é um para todos, na Escritura a primeira formulação do nome de Deus se encontra não como uma simples descrição inteligível (ainda que parcial) de um ente, pois embora seja algo para ser entendido tal nome vale como uma invocação de Deus. Deus revela um nome porque por ele Deus permite ser invocado, já que tal nome é um signo sob o qual dormita uma decisão, decisão essa que nada mais é do que uma aliança especial que não pode ser alcançada pela simples especulação (Ex 3:6). Isso ultrapassa o sentido de um conhecimento natural, pois nesse sentido entramos na esfera de um conhecimento especial de Deus, ou seja: De Deus tal como ele se revela ao mundo.

   Um dos rumos que a teologia filosófica tomou, já nos padres gregos, ao associar a revelação mosaica do nome de Deus à especulação, é um dos exemplos de eclipsação do sentido real da revelação especial de Deus. O nome YHWH, revelado a Moisés no Horebe (Ex 3:14), não serve necessariamente a uma especulação ontológica - ainda que isso possa ser feito -, mas revela o nome divino que sinaliza o profundo mistério do Deus, o Deus que formulou e que estava cumprindo sob o nome YHWH a sua aliança com Abraão, Isaque, Jacó e sua descendência. E outro exemplo da revelação do nome de Deus que está relacionado à sua liberdade quanto à sua soberania, livre eleição e graça (Êx 33:9), está obviamente em um contexto de revelação divina concernente aos propósitos de proteção singular do Senhor prestados ao povo de Israel, e não à especulação de Seus atributos, já que aqui há um transbordamento na história da essência divina calcado não apenas na Sua natureza imutável, mas na Sua vontade aplicada, na Sua revelação especial.

   Conquanto o conhecimento de Deus pela luz natural da razão tenha o seu lugar próprio, ainda assim tal via jamais será suficiente para nos garantir o conhecimento divino completo do que Deus é para nós, e se acharmos que tal conhecimento pode ser possível de forma integral sem os benefícios da graça e da revelação, erraremos terrivelmente em matéria não pouco importante. Em primeiro lugar o pecado nos priva da visão de Deus, sendo a mente humana ferida pelo pecado. Só a cura da nossa vontade e a providência divina podem nos ajustar para um real conhecimento de Deus, visto que não ignoramos que haja a necessidade de uma certa postura para tal conhecimento que, em verdade, jamais pode ser realizada sem a graça da cura das nossas deformações e sem o restabelecimento de um vínculo apropriado entre nós e Deus realizados pela graça. Os demônios tem uma "informação" de Deus, mas jamais um conhecimento no sentido escriturístico de "participação privilegiada", de "experiência em" que somente aos regenerados e santificados está disponível - mesmo que o demônio seja potencialmente apto para esse conhecimento -, e é por isso que apenas na fé e no Espírito é que está facultado ao homem dizer e compreender realmente o significado da invocação "Jesus é o Senhor" (I Co 12:3).

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