quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Justificação, Santificação e a Substituição Penal

   A substituição penal na teologia não afirma que a morte de Cristo extingue a morte do homem. E isso é tão verdade que a defecção da natureza, incluindo a morte e a concupiscência, continuam mesmo após a justificação e adoção - como ensina a própria teologia da substituição penal.

   E ainda que haja um desconforto quanto à linguagem "judicial" dessa teologia, a justificação tem a ver não com a infusão da justiça e de superqualidades no homem, mas sim com a absolvição do homem que, pela fé em Cristo, passa a não ter dívida de condenação com Deus. Como os reformadores ensinaram extensamente, não somos livres pela expiação da totalidade das negatividades que pesam sobre a vida - também continuamos sujeitos à Ira de Deus, mas não do mesmo modo -, pois Cristo morreu no nosso lugar também para desfazer a culpa e a pena, para extinguir a vigência do império da morte, extinguindo a condenação do pecado e não fato de morte.

   Justificação não é santificação, mas é a mudança de uma relação entre o homem e Deus a partir da qual, na adoção, o homem é aceito como filho de Deus "apesar de".

   Segue-se que pela adoção somos aceitos como filhos, e não tendo nós os pecados imputados passamos à mortificação dos pecados que é possibilitada pela habitação do Espírito pelo qual somos renovados dia-após-dia. Se assim não fosse, confundiríamos santificação com justificação, fazendo da fé a obra mais terrível de todas e caindo no mais terrível e espantoso legalismo. Obviamente que Deus cria em nós o ser que será salvo, mas o progresso em santidade não é justificação, a justificação é algo criado no homem, algo que é graça, graça essa alçada subjetivamente pela fé onde o homem se abre para o fato de que é aceito por Deus pela obra de Cristo, ainda que o homem se ache, mesmo no ato da fé, em estado fragmentário, mesmo "apesar de".

   A justificação pela fé não ocorre por causa de uma superqualidade moral daquele que crê (ainda que na regeneração - que não é justificação e nem santificação - recebamos o poder para amar e crer em Deus e em sua obra realizada Cristo), mas sim por causa da dignidade do objeto da fé, objeto pelo qual somos tornados filhos de Deus, aceitos ainda que em estado fragmentário, aceitos apesar de. A justificação é o paradoxo onde o homem é feito justo ainda que pecador, pois aqui seu pecado não é imputado; é a entrada na condição onde o homem é achado ao mesmo tempo justo e pecador (simul justus et peccator) em função justamente de sua natureza fragmentada, que ainda assim é aceita por Deus em Cristo e apenas em Cristo.

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