quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Justificação Declarativa e Concupiscência; Ou: Simul Justus et Peccator

   Existe uma lógica muito interessante sobre a questão da imputação da justiça relacionada à justificação pela fé - a partir da unidade mística com Cristo e da salvação dada.

   O ataque à teologia da Substituição Penal - teologia essa que no luteranismo tem o nome de "Satisfação Vicária" - tem poder para subverter tudo aquilo que se entende por justificação pela fé a partir daquilo que percebemos nos textos dos reformadores, assim como a ideia paulina de que a Abraão foi imputada a justiça justamente porque creu (Rm 4.3) - independentemente de obras. A palavra 'élogístê' significa justamente um "depósito" de algo em uma conta.

   Na teologia dos reformadores a "declaração da justiça" segue a lógica de que mesmo após a justificação, após a extinção da culpa, os sinais do pecado, como a concupiscência, permanecem no homem não apenas como "nódoas", ou como "feridas" do pecado original, como pensa a velha teologia católica romana. Antes a concupiscência é pecado, e não apenas uma "ferida". A teologia protestante, no geral, leva o pecado mais a sério e é mais consequente do que o catolicismo romano nessa área.

   Daí a afirmação da teologia da justiça imputada, ao mesmo tempo que o homem luta contra essas feridas. Não é outra a razão pela qual Lutero afirmou categoricamente que o justificado é "simmul justus et peccator", ou seja: ao mesmo tempo justo e pecador. Justo por causa da declaração em função da incorporação do cristão ao corpo místico de Cristo - passado a compartilhar dos méritos de Cristo; e pecador, justamente por causa da permanência das nódoas da concupiscência.

   Diante disso, também opomos como falsa a alegação de que não há no protestantismo a "infusão da justiça". Em especial, a teologia reformada afirma uma progressividade da santidade do cristão na medida em que as nódoas do pecado vão sendo saradas em um progresso de santificação a partir do qual não só somos declarados justos, mas que vamos realmente nos tornando justos efetivamente (no sentido ontológico mesmo) mediante o arrependimento contínuo e a apropriação dos remédios da graça. E isso casa com a noção de uma graça que vai sendo colocada em alguém independentemente dos seus méritos reais. O paradoxo da justificação não pode ser deposto sem que com isso não se destrua a coluna do pensamento protestante.

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