quarta-feira, 5 de agosto de 2020

O Eu, o Corpo e o Gênero

   Eu realmente entendo que é dever de cada um ter compaixão com quem tem problemas de gênero; compaixão demonstrada em forma de cuidado e interesse concreto. Estamos falando de amor real, e como todo amor não deixamos de acrescentar a compreensão quanto à verdade da questão. O que não se pode deixar de falar é que essa questão é mais profunda - e também mais antiga - do que se pensa, e em um sentido mais profundo do que as reflexões que comumente vemos sobre esse tema.

   Essa questão de aversão ao corpo biológico, do insistente desejo de transcendê-lo para aterá-lo em sua substancialidade é obviamente intrigante e fruto de uma espécie de pesamento que tende a separar o "eu", a identidade pessoal, do corpo, estabelecendo aí um dualismo - de tipo cartesiano mesmo - que volta e meia ressurge para causar alguns tremores culturais.

   A percepção de pertencer a uma realidade inadequada, de pertencer a um cosmos errado, é algo que faz história. Se retrocedermos o bastante cairemos no problema gnóstico que isso suscita, no problema que compreende o corpo como a cova da alma, o que faz muitos lutarem por uma "desbinarização", o que, em termos lógicos, poderíamos classificar como o retorno da espécie para o gênero - o que é algo francamente impossível - ou um avanço para uma transcendência dos sexos - o que é algo também impossível.

   E é justamente aí que temos a mensagem cristã, que contrastando radicalmente com tudo isso afirma que sim, esse cosmos é o cosmos adequado, que esse corpo é o corpo bom, bom de tal forma que comporta o evento em que Deus se encarna em um homem, não em um "homem em geral", mas sim no homem específico, portador de um sexo específico e unido a essa natureza corpórea específica por toda a eternidade. O Cristianismo é aceitação mais radical da criação e a oposição mais potente à revolta violenta contra ela.

Nenhum comentário:

Postar um comentário