quinta-feira, 6 de agosto de 2020

Algumas Considerações sobre a Teoria do Resgate em Gregório de Nissa

    É interessante como as várias tentativas de explicar a expiação buscam equilibrar os atributos divinos. Por mais estranho que possa parecer, na teoria do resgate explanada por Gregório de Nissa (329-390) na obra A Grande Catequese, é afirmado que Deus manteve o equilíbrio de três atributos na execução da expiação. Tai atributos são: justiça, amor e sabedoria.

    É como segue:

    1) Na sua justiça: quando Deus não usou de poder tirânico contra Satanás, mas reconheceu seus direitos sobre o homem, e que portanto não poderia liberar o homem sem pagar um justo preço pela humanidade que voluntariamente se submeteu às trevas - o domínio do demônio - quando pecou.

    2) No seu amor: quando Deus não se contentou em ver a humanidade em seu estado deplorável, entregue ao poder do demônio, decidindo resgatá-la do poder do inimigo, realizando a economia da encarnação, livrando a humanidade ao dar a si mesmo (o Filho) como preço de resgate por ela.

    3) Na sua sabedoria: quando Deus, equilibrando a justiça e o amor, conduziu sabiamente a economia, e ocultando a sua divindade sob véu da carne, como um anzol é ocultado na isca, e assim fazendo captura o demônio na sua própria ganância (o enganador foi enganado justamente), já que não estando ciente do plano divino, o demônio mata Cristo na cruz, e quando ele pensa ter ganho acaba se destruindo, pois tem na morte de Cristo mais do que o preço que foi requerido. Então o preço é pago e, ao mesmo tempo, Satanás é destruído por ter se levantado contra o Filho imaculado de Deus.

    Os problemas evidentes dessa teoria do resgate são os seguintes:

    1) Ainda que o pecado seja uma criação diabólica, nada consta que ao submeter o homem pelo engano, seguiu-se daí um "direito do demônio", pois não há direito real que possa advir da usurpação. Não é estranho que a teoria do domínio siga essas premissa. E sim, ainda que os principados e potestades tenham subjugado a criação, não segue-se daí que haja nem virtual e nem atualmente um direito do demônio após o advento do pecado no mundo, que é o que é em virtude da defecção do pecado e da impossibilidade do homem de se voltar para o bem sobrenatural.

    2) A teoria do resgate, ao considerar a expiação, faz com que o problema do pecado seja um problema do homem com o demônio e não com Deus, ou melhor, um problema antropológico e metafísico que assinala a devida separação entre o homem e Deus.

    3) Ainda que reconheçamos que o pecado deixa o homem cativo sob o poder das trevas (o que é fato inescapável), o cativeiro é um cativeiro da vontade, pois o homem no pecado não pode não querer o mal, o que o torna sujeito ao diabo. Essa teologia nada tem a explicar sobre a defecção antropológica causada pelo pecado.

    4) No Oriente, onde essa teoria vingou majoritariamente, não é estranho que não tenha vingado também a teologia sobre o pecado original, pois essa teologia não se reporta em primeiro plano ao homem, senão a um conflito divino contra as potências demoníacas que adquiriram direitos sobre a criação. E ainda que essa teoria tenha uma verdade metafísica evidente, o drama da redenção se desenrola por sobre as nossas cabeças.

    5) Não consta que no Antigo Testamento os sacrifícios sejam transações entre Deus e os demônios. Aliás, essa é a característica de vários rituais pagãos em que os sacrifícios eram feitos também aos demônios para que eles não importunassem os viajantes, construtores, recém nascidos etc. Esse costume sobrevive em determinados setores das culturas orientais, xamânicas, indígenas e pagãs no geral.

    6) Nada há no Novo Testamento (e nem na Escritura como um todo) indicando que houvesse alguma transação dessa espécie, nem implícita e nem explicitamente.

    7) Mas para sermos justos, a verdade metafísica da teoria do resgate é que basicamente o mal trata-se de um acidente parasitário que não pode subsistir fora do bem, ou do ente. E sendo que o mal tende para o nada (não-ser), ao lograr o seu êxito o mal se destrói. Já o bem, por ser o que é, em sua essencialidade não pode ser destruído. Mas obviamente essa verdade pode subsistir em outras teorias da expiação, assim como subsiste não só na metafísica cristã como na sua ética como um todo.

    Eu poderia citar mais problemas, mas basicamente estes são os que por hora levanto nessas considerações.

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