quarta-feira, 5 de agosto de 2020

O Uso dos Pais da Igreja no Labor Teológico

   Em teologia, se você quiser tanto refutar como afirmar algum pensamento teológico com base em textos patrísticos é necessário ter alguns cuidados, os quais exponho logo abaixo:

   1) Evite dizer, de primeira, que algum pai concorda com aquilo que é uma doutrina que chegou à sua diferenciação no sécs. XIX, XVII, XVI, ou até mesmo do XIII. Geralmente pais dos sécs. I, IV etc. lidavam com tópicos que apenas chegariam à sua diferenciação nos séc. XIII, XV, XIX etc. Evite discussão partidária com base em teólogos como Crisóstomo, Atanásio, Orígenes, Tertuliano, Agostinho, etc.

   2) Pelos mesmos motivos, evite dizer que tal teólogo patrístico "abomina" teologias do séc XIX, XVI, ou que ele "negou" uma configuração teológica que chegou à sua forma nos séc. XV, XVI etc.

   3) Não tente ser um "teólogo patrístico", pois muitas questões de teologia ao longo do tempo chegaram a uma configuração mais determinada e complexa, e portanto retroceder a configurações menos diferenciadas não agrega em nada à teologia. Tal comportamento frente a teologias antigas geralmente sinaliza apenas um truque psicológico fundado em uma fuga de questões atuais apenas porque alguém quer estar estreitado a um "pai", sem olhar para as demandas do hoje, fugindo delas, aliás. Nem mesmo esses pais se comportaram dessa forma, avançando em temas e buscando a exaustão do trabalho iniciado por teólogos mais antigos justamente porque tinham um hoje ao qual se reportar.

   4) Esse último ponto é a razão pela qual podemos buscar na história da teologia, no pais, nos comentadores bíblicos que realizaram o seu devido trabalho ao longo da história, ideias seminais que podem corroborar com algum pensamento teológico mais diferenciado, ou que constitua a base mesma desse pensamento teológico mais diferenciado, mas que carece, ela própria, de diferenciação. Um exemplo disso está no uso - por vezes partidário - de fontes patrísticas por muitos que querem afirmar ou negar teologias modernas da expiação, coisa que por vezes beira o cômico. Podemos dizer que há uma "ideia seminal", mas não que há uma teologia realmente "pronta" com base na qual você possa sair, sem mais cuidados, fazer do oposição a configurações teológicas mais modernas.

   5) O uso de ideias seminais pode levar a conclusões que os próprios pais não chegaram, mas que certamente chegariam caso levassem até à exaustão as consequências das premissas que adotaram em sua tarefa teológica. E é justamente aqui que está o trabalho mais difícil por parte daqueles que não apenas são arqueólogos de ideias, ou historiadores de teologia, mas que atualizam o sentido de tal premissa teológica realizando de fato a tarefa de descompacta-la e levá-la para um nível superior de diferenciação.

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