domingo, 30 de janeiro de 2022

A Benção e a Maldição

     Após o Dilúvio Noé e sua família, como os únicos da espécie humana, receberam uma aliança divina, uma benção que possuía as famosas duas partes de benção/direitos e deveres. Entre as bênçãos/direitos estavam: a fecundidade, o domínio sobre os animais e o direito de se alimentar de toda erva e carne. Entre do deveres estavam: a proibição de comer o sangue e a proibição do assassinato sob pena da morte do assassino. Esse último dever desenha algo importante sobre o valor do sangue no Antigo Testamento como o portador da vida, e já explica os ritos de expiação dos pecados que se tornarão determinantes no Antigo Testamento. Assim, a pena pelo derramamento do sangue seria o derramamento do sangue como permuta satisfatória do esvaziamento da vida do assassino em razão do ato do assassinato. Também explica a razão pela qual o autor de Hebreus assevera: sem derramamento não há remissão (Hb 9.22), onde o sangue de Jesus é dado por nós em substituição do derramamento do nosso sangue.

    Como sinal da aliança Deus criou o arco celeste, ou o arco-íris como promessa que jamais iria fazer perecer o mundo sob as águas. Essa narrativa é interessante porque ela quebra com os mitos do antigo-oriente dos caos cíclico, como o mito babilônico que compreendia que de tempos em tempos a história se repetia, se iniciando após um caos diluviano e perecendo também pelo dilúvio, repetindo esse processo infinitamente. A fé do Antigo Testamento destrói com a percepção cíclica da história, estabelecendo no seu lugar uma visão progressiva de história. Para a fé cristã o dilúvio é uma etapa da história após o qual seguirá o seu curso, sendo consumada com a segunda vinda de Jesus, sem que esse processo seja repedido, ou seja, a história não se repete, mas avança para um fim. A mesma coisa com a salvação: a salvação não é a restauração da vida adâmica pré-lapsária (antes da queda), mas o avanço a uma realidade melhor pela recepção de um corpo espiritual.

Após isso a família de Noé saiu da arca, e Noé, como agricultor, plantou uma vinha e bebeu do seu fruto. Embriagado deitou nu na sua tenda e Cam, seu filho mais novo, relatou aos seus irmãos, Sem e Jafé, os quais entraram de costas com uma capa e a deitaram sobre seu pai. Noé ardendo em fúria amaldiçoou Cam, que foi pai de Canaã, a terra que seria conquistada pelos descendentes de Sem, ou seja, os filhos de Israel. Nesse ponto a história das bênçãos e maldições, ou seja, a de que Cam seria servo tanto de Sem e Jafé nos parece dar uma explicação da história. Mas seria muito reducionista dizer que Israel destruiu Canaã em suas incursões de conquista apenas por causa da maldição de Noé sobre seu filho, pois mesmo que Cam fosse desonroso com seu pai, a terra de Canaã, com a sua multidão de injustiça, foi responsável pela sua queda. A maldição de Noé sobre Cam é apenas uma síntese simbólica da maldição que o povo de Canaã trouxe sobre si mediante a sua rebelião contra Deus, pois como Cam se rebelou contra o seu pai, assim Canaã se revoltou contra Deus, trazendo o mal sobre si.

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