segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

A Queda e a Tentação

    O tema da Queda (Gn 3 é um dos mais fascinantes e ao mesmo tempo constrangedores temas que permeiam a Escritura sagrada. Seu fascínio que exerce sobre nós está no fato de que o tema da Queda oferece uma leitura profundamente atualizada daquilo que somos hoje. As reflexões de Paulo em Romanos, especificamente em Rm 7 e Rm 5.12ss, nos indicam a situação de fragmentação atual do homem, ou seja, a situação de separação entre aquilo que entendemos como sendo bom, e que fazemos pecaminosamente em função da impotência da nossa vontade, demarcando a nossa necessidade de uma redenção que não pode vir de nós mesmos. Sendo assim, Cristo é a resposta a essa situação onde o homem se encontra como que desabado sobre si mesmo. A Queda nos fornece assim uma definição de homem que ao mesmo tempo se configura como uma pergunta pela nossa redenção, sendo o Evangelho uma resposta a essa pergunta.

Mas essa realidade da Queda é a primeira constatação que fazemos a respeito de nós mesmos, e essa realidade Che a nós como um todo. Nesse estado de coisas constatamos primeiramente tudo o que está feito à nossa frente, e isso é como olharmos a cidade que nascemos sem considerar como ela chegou a ser assim. Poucas vezes essa pergunta é feita. Sabemos o que a cidade que nascemos é, mas pouca idéia fazemos do como ela chegou a ser como hoje é. Assim, o relato da Queda não se interessa apenas em constatar o que somos hoje, em nossos pecados e faltas, mas desenha também o caminho pelo qual chegamos a ser assim. Como tudo o mais na escritura, a visualização do processo conta mais do que a história em si mesma, e a narrativa da Queda nos oferece uma interpretação que constata o básico do que veio a ser a razão da condenação e miséria humana.

E sereis como Deus. Essa é a proposta inflamada da serpente a Eva. Nela há todo um mundo de significado, de forma que podemos entender o que é tão atrativo nessa tentação à Eva e a nós. A tentação nada mais significa do que a promessa de poder sem o ônus da prestação de contas. No Sl 2.3 está o grito dos ímpios: “sacudamos de nós os seu laços, lancemos de nós suas amarras”. A intenção maligna quer ser deus para si mesma; entende a vontade de Deus como laços e amarras, pois vê no amor e na vontade de Deus a limitação da sua vontade. O maligno quer tudo sem prestar contas de nada. O pecado quer independência de Deus, ficar fora do domínio de Deus porque quer o domínio para si. Mas o homem não pode viver de si mesmo, e ao tentar ser independente de Deus ele se torna escravo de todas as coisas, não tendo capacidade de realizar a própria redenção. E aquele que começa soberbamente ansiando ser deus para si só pode terminar gritando miserável homem que sou“ (Rm 7.24).

Nenhum comentário:

Postar um comentário