quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

Levante e Supressão

  A rebelião conta a ordem divina tem certas características que podemos nomear como objetivas, pois na relação entre o ato da transgressão e a consequência, as duas estão unidas de forma tão fundamental que não podemos diferenciar ato e o castigo. Aqui é importante perceber que a revolta contra a ordem divina jamais é inócua, pois ela só pode ter uma consequência certa para todo aquele que se coloca nesse tipo de caminho ou de disposição do coração. Assim, se voltarmos nossos olhos para a narrativa de Gênesis 3 algumas coisas interessantes começam a saltar aos nossos olhos, e entre elas é visível que, mesmo antes do juízo divino proferido por Deus, certas consequências provenientes desse levante se fazem já no ato da revolta, entre elas a degradação da natureza do primeiro casal, já que após o ato o casal já trazia certo terror contra a presença divina sem que qualquer castigo tivesse sido infligido por Deus.

João Crisóstomo (347-407 d.C.), cristão que alçou o bispado de Constantinopla, em sua carta nº 14 a Olímpia – que se tornaria uma mártir mais tarde –, apresenta uma percepção importante a respeito da natureza tanto da virtude, como do pecado no quadro dessa relação objetiva que descrevemos acima. Estas são suas palavras: Assim a maldade, assim a virtude: uma [a maldade], ao atacar, destrói-se a si mesma; a outra [a virtude], combatida, brilha com maior fulgor. E esta recebe os prêmios não apenas depois dos combates, mas até no meio deles, e a peleja é para ela um galardão. A outra [a maldade], ao alcançar a vitória, sente maior vergonha, é punida, saciada de imenso desprezo, e com o castigo que lhe é reservado, é fustigada na própria ação e não apenas depois dela. Aqui João Crisóstomo caracteriza a revolta como suprimida no seu próprio ato, pois ao ser realizado o ato mal o próprio ato traz consigo de imediato a destruição de quem atua mal - atuar defectivamente é já a pena de quem assim atua.

É da nossa experiência comum a ressaca moral que se segue ao ato pecaminoso, pois o homem não foi feito para ele; é contra a nossa natureza em tudo, e Gn 3 tem a grandeza ímpar de trazer à luz esse mal-estar não como um juízo que é proferido por Deus após o ato pecaminoso, mas sim como algo junto a ele. Em Rm 1.24 nos é dito que o juízo para o homem pecador é um abandono do homem a si mesmo, à destruição que ele colhe ao seguir sua própria maldade. Entre os efeitos desse abandono Paulo nomeia o obscurecimento do entendimento (Rm 1.21, 28), pois os homens se animalizaram, entregando seus corpos à desonra entre si e se deixando levar por toda espécie de injustiça (Rm 1.26-32). Aqui temos uma flagrante contrariedade contra o plano divino de fazer o homem à sua imagem, e podemos concluir que o juízo do homem mal, entre os piores, é ele carregar as consequências imediatas do ato de revolta contra Deus, que é apagar em si a imagem divina à qual foi criado. É por isso que sua redenção é o ser renovado segundo a imagem daquele que nos criou (Cl 3.5-11).

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