sábado, 8 de janeiro de 2022

A Terceira Tentação

    O conteúdo da terceira tentação, segundo a ordem proposta no primeiro evangelho (em ordem canônica), ou seja, no Evangelho de Mateus (Mt 4.8-10), contém uma instrução que pode destruir aquela percepção que entende a fé como o caminho para a ampliação ou obtenção de poder pessoal – não de poder simplesmente, mas sim daquele que visa a glória pessoal enquanto que divorciado da justiça. E se isso lograr êxito, o ensino proposto nessa parte terá seu efeito em abandonarmos qualquer pretensão pessoal que tenhamos fora da daquilo que é estritamente estabelecido pelo Evangelho. Aqui satanás conduz Cristo ao monte mais alto de todos e de lá faz Jesus ver os reinos do mundo e a glória deles. Com o preço da adoração a si satanás promete entregar o mundo a Jesus ao que este responde prontamente que a adoração que se deve prestar deve ser dada com exclusividade a Deus.

    Satanás simboliza na escritura toda a perversidade possível no mundo e todos os caminhos malignos que o homem pode percorrer na obtenção dos seus desejos. O demônio nada mais é do que a realidade concreta daquele que fez de si mesmo deus. É por isso que a adoração a ele é, ao mesmo tempo, a conquista do mundo. E como salienta Agostinho, cristão do século IV e V d.C., o caminho trilhado por Cristo pelo qual ele venceu o diabo e o mundo foi a justiça, não o poder. Satanás promete poder um divorciado da justiça, o que só pode resultar nas desgraças e calamidades do mundo. Aqui está justamente aquilo que tanto Paulo quando João chama de mundo, e em específico a razão pela qual João afirma que o mundo jaz no maligno (1Jo 5.19), pois a injustiça que perfaz a estrutura da glória desse mundo é o meio pelo qual se exerce poder.

Se prestarmos atenção temos aqui a significação do termo carne, pois tanto quanto a carne o mundo tem a visibilidade como uma de suas características fundamental. Não sendo a visibilidade o problema da carne e do mundo, no entanto o é o amor unilateral às coisas que são visíveis acima do que é espiritual e invisível. Paulo fala que o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males (1Tm 6.10), e sabendo que em si o dinheiro nada é, sabemos que o poder que por ele se alcança visa as coisas desse mundo. Assim, o desejo de domínio pelo que é temporal pode ser feito à custa da justiça (bem invisível) quando amor é devotado unilateralmente ao poder, daí surgindo todos os males. Não por acaso Jesus contrapõe, na tentação, a glória de Deus à glória do mundo, pois Deus é a fonte de todo o bem e justiça, e é a ele que devemos devotar a nossa adoração para que tenhamos reais bens que não estão divorciados da justiça, como é dos bens e da glória desse mundo que se restringem ao visível.

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