terça-feira, 4 de janeiro de 2022

A Teologia da Justificação de N. T. Wright

    A definição de N. T. Wright da justificação é interessante em alguns pontos importantes, embora no texto que segue ela pareça um tanto confusa por haver uma mistura de conceitos que devem ser distinguidos para ser inteligíveis:

"Justificado, justificação: Declaração de Deus, a partir de sua posição como juiz de todo o mundo, de que alguém é declarado "certo" [está "no direito", endireitado; Deus também coloca "em ordem", "endireita", "conserta" o mundo], a despeito do pecado universal. Essa declaração será feita no último dia, com base em um vida inteira (Rm 2.1-16), mas é antecipado [sic] no presente com base no feito de Jesus, porque as contas foram acertadas com o pecado por meio da cruz (Rm 3.21-4.25); o meio para justificação presente é simplesmente a fé. Isso quer dizer especialmente que tanto judeus como gentios são membros integrais da família prometida por Deus a Abraão (Gálatas 3; Romanos 4).
    É interessante que nessa definição Wright se move dentro da concepção protestante tradicional de que a justificação é a declaração escatológica a respeito da justiça do seu povo que Ele concederá no último dia, mas que pela fé o fiel já pode experimentar no presente de forma antecipada (prolepse), gozando hoje daquela paz última com Deus - como Lutero já em 1515 dizia no seu Comentário aos Romanos. Nesse sentido a justificação também é constituída, hoje, com base no estabelecimento de uma relação nova entre o fiel e Deus, relação cujo penhor é a cruz de Cristo.
    Então entenda que para N. T. Wright a justificação é possível também por uma quitação da dívida contraída pelo pecado. Assim, é patente que na teologia do bispo anglicano há realmente um aspecto jurídico na justificação, pois a cruz é aqui vista pelo ângulo de uma pena que Jesus decide sofrer em nosso lugar, tornando assim possível essa quitação. Jesus assume a consequência destrutiva do pecado sobre si nos livrando de sua potestade. Assim o pecado e a morte perdem seu poder sobre nós.
    Mas é importante perceber que essa definição inclui parcialmente a noção tradicional da aliança salientada por Lutero, aliança pela qual Cristo assume o que é nosso e nós assumimos o que é dele. Em outras palavras, ao que parece, Wright não inclui aquele aspecto positivo da justificação como comumente era afirmada pelos reformadores, pois a teologia tradicional diz que o assumir a pena é o constitutivo do aspecto negativo da justificação, pois isso causa a extinção da culpa, ao lado do qual, pela justiça de Cristo e pela sua ressurreição, também se afirma o aspecto positivo pela imputação da justiça Cristo, ou seja, na teologia tradicional a extinção da culpa e a imputação da justiça perfazem a justificação em seu aspecto global, incluindo tanto o aspecto positivo quanto o negativo.
    Wright parece salientar apenas o aspecto negativo como obra exclusiva de Cristo - logicamente porque ninguém pode fazer desaparecer seu próprio pecado -, ao lado do qual a antecipação escatológica da justificação é constituída por meio de obras que ainda faremos, pois essa "declaração", como ele diz, "será feita no último dia, com base em uma vida inteira". Mas Wright parece colidir com Paulo que afirma em Gl 5.5 que aquele que aguarda a declaração da justificação escatológica (a qual vivemos hoje pela fé) aguarda uma justiça que vem de Deus, e não uma justiça pessoal a qual se tornou impossível em virtude da enfermidade da carne (Rm 8.3).
    Essa é a razão pela qual a afirmação de Wright parece confusa, pois há uma mistura de afirmações que indicam ser a justificação algo tanto declarativo como também físico, ou seja, a justificação que no presente o cristão vive pela fé é baseada em uma retificação que, ao que parece, será realidade concreta em um estado futuro, estado futuro com base no qual Deus retroativamente nos visualiza no presente, tratando-nos como justos ainda que pecadores (Wright preserva o sentido do simul iustus et peccator). E se isso é assim Cristo é um simples meio para a justiça e não a substância própria dessa justiça pela qual a teologia protestante tradicional afirma que o cristão vive.

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