quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

Olavo de Carvalho

    Comecei a acompanhar o trabalho do Olavo de Carvalho em 2013, mas em 2012 ou 2011 eu já havia ouvido falar dele através de um primo meu que começou a acompanha-lo por meio das publicações do Mídia Sem Máscara. E posso dizer que esse encontro com o Olavo, como para muitos, a início, foi acompanhado por certo deslumbramento. Me lembro até hoje de ter lido alguns vários artigos em sua página, como "A Contemplação Amorosa", excertos do "A Nova Era e a Revolução Cultural", e também de ter lido "O Mínimo" em 2013 em menos de uma semana.

    Não cheguei sem bibliografia no trabalho do Olavo, mas, já à época, em função da minha formação em teologia, tinha várias questões a respeito da objetividade do conhecimento que encontraram ressonância com as preocupações do Olavo. É realmente verdade que o Olavo encontrou essa ressonância não apenas em mim, mas em função de um vácuo de pensamento deixado por certa hegemonia acadêmica no Brasil onde prosperavam Foucaut, Freud, Nietzeche, Sartre etc., em inúmeras outras pessoas. Certamente que dele se seguiu um interesse renovado naquela linha de reflexão filosófica que pode ser considerada realmente descendente de Platão e Aristóteles. Esse vácuo foi preenchido poderosamente por ele, e como questões desse tipo vem invariavelmente carregadas de um peso existencial, a grande massa de respostas dadas pelo Olavo a essas perguntas deixadas em aberto pelo tipo de pensamento esterilizante presente na academia fez com que o Olavo fosse recebido como uma alegre notícia, assim como abraçado com certa feição filial por muita gente que passou até mesmo a seguir seus trejeitos na escrita e na fala - o que às vezes era algo até estranho de ver.

    O Olavo foi responsável pela maior divulgação bibliográfica dos últimos anos no Brasil. Tanto editoras como grupos de estudos relevantes foram criados as por influência dele, e muito desse movimento cultural atual que ganhou força nos últimos anos, que conta em suas fileiras com a presença de jovens e adultos, é fruto de seu trabalho. Scruton, Kirk, Voegelin, Lavelle, Vicente Ferreira, Mário Ferreira, Xavier Zubiri foram um dos pensadores que ele popularizou. O Olavo era assim um homem profundamente lido, dono de um estilo de escrita formidável, e esse dom poderoso fica mais claro ainda por ele ter sido um escritor de sucesso, lido em meio a um país que não lê. Mas é certo que ele tinha também um domínio razoável de oratória, sendo bem mais conhecido por vídeos e também por pequenas postagens de facebook - coisa da qual ele reclamava por saber que em postagens de facebook sempre se escreve de forma superficial.

    Mas aqui entra um ponto importante que tem a ver com certo fascínio que ele exercia com seu comportamento iconoclasta, em sua oposição a tudo, e aqui neste ponto se insere algo que já vinha se desenhando de forma mais ou menos clara para alguns. Como muitos outros pensadores, o Olavo de Carvalho padecia de certa ambiguidade; e essa grandeza, não raro, adquiria certa face demônica (para emprestar um termo de Tillich) naquilo que ele falava ou escrevia. Certa forma de trato que ele dispensava a desafetos seus era algo dotado de certa crueldade, e as coisas incríveis - e impronunciáveis - que ele disse a respeito de sua filha (para me servir apenas de um exemplo) já deixava claro que ali alguma coisa não andava muito bem. Também certas dissonâncias em sua visão política já podiam ser vistas, quando condenava o autoritarismo e a violência de certos movimentos ao mesmo tempo que, em um giro brutal, os abraçava "pragmaticamente", ainda que não nos movimentos que condenava. Muito da obra que ajudou divulgar, e mesmo muito daquilo que escreveu, pôde mais tarde ser usado contra o que ele viria a defender quando acabou se entrincheirando em um certo movimento político. Se por um lado tudo o que publicou sobre o conservadorismo foi importante - e mesmo culturalmente determinante -, um leitor atento saberia detectar uma evidente dissonância entre muitos posicionamentos seus e os posicionamentos de autores que ele divulgou.

    É visível que muito dessa grande influência até paternal que ele exerceu sobre muitos, estabelecendo uma ligação existencial com seus seguidores, revelaria ser potencialmente danosa, pois é impossível que sob a sombra de uma influência desse peso os mais influenciados não pudessem segui-lo com adesão incondicional, mesmo em seus rompantes brutais. Em momentos assim a adesão existencial não abre espaço para o trabalho mais criterioso da razão, pois essa adesão é coisa do coração cujas razões até a própria razão desconhece. A questão é que ninguém poderia ter exercido tal façanha se não fosse dotado de uma grandeza. O feito do Olavo não é coisa de gente medíocre.

    Em idos de 2015, esse aspecto demônico do Olavo já era muito claro, quando sua influência se alastrou grandemente no meio político. Em meio ao seu crescimento certo descarrilamento já era notório, principalmente porque já se desenhava aquele horizonte de ideias desembocariam em movimentos disruptivos - e a história recente só mostra o quanto isso é verdade. Foi nesse tempo também que uma oposição à teologia e igrejas protestantes começou sua escalada formidável - mesmo que isso já fosse visível no "O Jardim das Aflições", e em função do seu próprio catolicismo romano, e em muitos posicionamentos seus no True Outspeak. De lá para cá coisas incríveis foram ditas por ele, e mesmo agora, dia 26/01/22, você pode ver o efeito disso tudo no site que ele criou, o Mídia Sem Máscara, onde há um artigo escrito não por ele cujo título traz termos como "Fraudemia", querendo indicar que uma "pandemia fake" já era uma possibilidade previstas por Machado de Assis na obra "O Alienista". Coisas assim contrastam de forma grandiloquente com a noção de conhecimento objetivo pela qual o Olavo tanto lutou e escreveu, e também sinalizam o fato de que o domínio da arte da bela escrita, e mesmo a erudição e o domínio do patrimônio cultural podem ser colocados a serviço do grotesco.

    Então duas coisas para concluir: a grandeza do Olavo de Carvalho como alguém que despertou a curiosidade e sede de estudos de muitos é algo que, a bem da verdade, não pode ser escamoteada. Talvez colocar em circulação ideias no campo da filosofia, economia e da política que antes eram desconhecidas, e junto a isso provocar uma sede de estudos dessas ideias, coisas das quais eu, em certo sentido, fui beneficiado, seja a maior obra dele. Mas sua grandeza também não pode escamotear certa feição demoníaca sua no uso de seu poder para torcer certas consciências até à doença e sua sede de que seus seguidores seguissem com fidelidade incondicional suas ideias. Em certo sentido é irônico que a acusação de E. Voegelin contra Hegel, ou seja, de que Hegel era um filósofo grandioso que padeceu de certa fratura demoníaca em sua personalidade não deixa de ser algo apropriado, ao seu modo, ao Olavo.

    Sim o Olavo de Carvalho foi grande, e foi grande a ponto de em certos momentos decisivos ser esmagado pela própria grandeza. E o fato de sua morte se dar oito dias depois de ser diagnosticado com Covid-19 ilustra não uma ironia da história, mas possivelmente uma mensagem a respeito do momento final da sua história.

Que em Sua piedade o Senhor o tenha em Seus braços.

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